MEIO AMBIENTE – Chapada dos Veadeiros pede socorro

Avanço das monoculturas de soja e eucalipto e projeto de construção de hidrelétrica ameaçam existência de Parque Nacional criado em 1961 por JK e comprometem o sistema de águas das bacia Araguaia-Tocantins, e do aquífero Guarani.

Marcus Vinícius

Plantio de soja avança na região da Catarata dos Couros.

Um dos últimos refúgios da vida selvagem em Goiás e no Brasil, a Chapada dos Veadeiros corre perigo. Cercado pelas monoculturas de soja e de eucalipto, que avançam rumo ao Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, o cerrado, com toda sua fauna e flora, está ameaçado de extinção. Mas o prejuízo não é somente ambiental. Quem mora em cidades muito distantes também vai pagar o preço. A Chapada dos Veadeiros, como toda a região de planaltos na divisa de Goiás e Brasília, é considerada a “cumieira das águas”. Traduzindo de goianês para o português: as serras e chapadas desta região são responsáveis pelo acúmulo de águas que abastecem a bacia Amazônica e recarregam o Aquífero Guarani. Ou seja, se a Chapada secar, secam também as torneiras nas residências de populações inteiras, não importando se estão nas casas de madames do Lago Sul, em Brasília, ou nas de donas-de-casa em Alto Paraíso (GO) e Samambaia (DF).

Aliás, vale registrar, problemas no abastecimento de água estão cada vez mais comuns em Alto Paraíso: segundo comunicado feito à população pela Saneago, no mês de outubro, o nível da água do córrego Pontezinha foi reduzido em mais de um metro e houveram dias em que o reservatório chegou a 12%. Um dos vilões da redução das águas nas cidades da chapada e também nos rios são os pivôs de irrigação, que são abastecidos através de poços artesianos. Já há relatos de guias e de ambientalistas dando conta que as águas do Tocantinzinho e dos rios São Miguel e São Bartolomeu estão cada vez mais baixas.

Para evitar esta situação, várias entidades da sociedade civil organizaram o movimento #AmpliaChapadadosVeadeiros, que faz grande mobilização nas redes sociais e junto aos órgãos governamentais, cujo objetivo é ampliar de 65 mil hectares para 222 mil hectares a área do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. As tratativas neste sentido ainda estão acontecendo, e a expectativa destes grupos é de que o governador Marconi Perillo (PSDB) seja o padrinho desta causa junto ao Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Riscos

Durante os primeiros dias deste mês de janeiro, a reportagem percorreu vários pontos da Chapada dos Veadeiros, nos municípios de São João da Aliança, Alto Paraíso, Teresina de Goiás e Cavalcante. O que se viu foi o avanço gritante da monocultura da soja e de florestas de eucalipto ocupando o topo das chapadas, numa flagrante agressão ao meio ambiente.

O avanço gritante da monocultura da soja e de florestas de eucalipto ocupando o topo das chapadas. Uma flagrante agressão ao meio ambiente.

Caro leitor, você que não é ambientalista, ecologista ou especialista em fauna, flora ou geologia sabe muito bem que a soja é uma das lavouras que recebe mais combate de defensivos (veneno). Me responda: será para onde que irá todo o veneno que é jogado na soja, no alto das serras? Ele vai para o subsolo e vai comprometer o lençol freático? Este veneno vai ser levado pelas chuvas aos córregos, rios e cachoeiras  da região? Você que visita a Chapada dos Veadeiros não corre o risco de tomar banho de veneno nestas águas? Guias locais e ambientalistas ouvidos respondem que sim. Este risco já existe.

Agronegócio e hidrelétricas

As cachoeiras de Macacos e Macaquinhos, no Vale do Rio Macaquinhos, estão localizadas a 49 quilômetros de Alto Paraíso. São 12 km de estrada asfaltada e outros 37 km de estrada de chão cercados por  fazendas de soja, plantações de eucaliptos e algumas propriedades voltadas para pecuária. Os chapadões, que deveriam estar preservados para a fauna, flora e, principalmente, como pontos para recarga das águas das chuvas para o reabastecimento dos rios e do lençol freático, também estão ocupados pela sojicultura.

O mesmo ocorre na direção das Cataratas do Rio dos Couros, a 53 km de Alto Paraíso. São 18 km de asfalto e 38 km em estrada de chão, cercados dos dois lados pela monocultura da soja e plantações de eucalipto. “Antigamente o que mais se via aqui eram emas, lobo guará e um bando de bicho, agora não se vê bicho nenhum e peixe que é bom também está difícil porque tem veneno demais nestes córregos”, denuncia guia local.

O Rio dos Couros joga suas águas no Tocantinzinho, que juntamente com o Rio São Miguel são afluentes do Rio Tocantins. Além do avanço indiscriminado na monocultura, outra grande ameaça para é o projeto de construção de 40  PCH´s – Pequenas Usinas Hidrelétrica. Orçadas em R$ 1 bilhão, esta série de PCH’s  foram projetadas pela empresa Centrais Elétricas Rio das Almas – Rialma S/A, cujo proprietário é Emival Caiado Filho, primo do senador Ronaldo Caiado (DEM_GO) e filho do ex-deputado federal Emival Caiado (UDN), um dos autores do projeto de construção de Brasília.

Reação

Marcus Saboya é presidente do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente de Alto Paraíso. Ele afirma que além da luta para ampliar o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, outras medidas são necessárias para preservar o bioma cerrado. Saboya defende que além do parque outras áreas sejam preservadas na chapada, para que não ocorra na região a mesma situação do Parque Nacional das Emas, que está ilhado por lavouras e não tem conexão com outros biomas, o que a longo prazo pode inviabilizar a preservação da vida selvagem na região.

Presidente do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente de Alto Paraíso, Marcus Saboya .

O ambientalista informa que já há tratativas nas regiões dos rios Couros e Macaquinhos para criação de Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). As RPPN´s são acordos firmados entre o poder público e fazendeiros, que criam unidades de conservação administradas pelos produtores e fiscalizadas pelo MMA no Sistema Nacional de Unidades de Conservação. A ideia, segundo Saboya, é ampliar os corredores de proteção da flora e fauna da região, disciplinando o uso do solo e da água. As negociações não avançam, segundo Saboya, por que a FAEG (Federação da Agricultura do Estado de Goiás) é contra e pressiona o governo do Estado para não fechar o acordo.

Doutor em Ecologia e pesquisador Universidade Nacional de Brasília (UnB), Reuber Brandão explica que ampliar a área de preservação da vida selvagem é essencial para a manutenção de várias espécies na chapada.”Se pensarmos nas populações de antas, onças, lobos-guará e gaviões, estamos falando de animais que precisam de grandes extensões para caçar e sobreviver. A águia-cinzenta, que habita a região, já não tem sido vista pelos pesquisadores com a mesma frequência”, explica.

Militante da causa ambiental em Alto Paraíso, Ivan Diniz é membro do Mandato Coletivo, que elegeu o vereador João Yuji (PTN), integra o movimento #AmpliaChapadadosVeadeiros. Num vídeo postado na internet ele lembra que o  Parque Nacional atualmente é uma pequena parte do seu projeto original, uma vez que foi concebido pelo presidente Juscelino Kubistchek em 1961 com 625 mil hectares, e hoje tem apenas 65 mil hectares. “Nossa visão é a longo prazo, precisamos ampliar o Parque Nacional para que seja um berço de cuidado da vida silvestre e da fauna local, que já é tão perseguida pelo avanço da monocultura da soja, principalmente, que tem cada vez mais apertado a Chapada dos Veadeiros,e empurrado para ficar um bolsão pequeno”, alerta.

Governo e ambientalistas discutem ampliação do Parque

Fernando Tatagiba é Diretor do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Na página oficial da ICMBio (Instituto Chico Mendes de Biodersidade), ele informa que em 29 de novembro do ano passado (2016), o governo apresentou proposta de ampliação do Parque Nacional em mais 90 mil hectares. Seriam excluídos as terras que ainda dependem de regularização fundiária, estimadas em 68 mil hectares.

Esta proposta, levada a cabo pelaSecretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos de Goiás (Secima) ampliaria o Parque de 65 mil hectares para 155 mil hectares, mas os ambientalistas insistem que as negociações prossigam de modo a haver entendimento para regularização destas áreas e também a inclusão das RPPM´s, criando novos corredores de proteção da vida selvagem e também para proteção das águas.

Fernando Tatagiba em recente entrevista ao jornal O VETOR/Rádio Paraíso FM.

No entanto, no dia 29 de novembro, a divulgou uma contraproposta do governo estadual que exclui da ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros todas as terras que ainda dependem de regularização

Em entrevista ao Goiás Agora, site oficial do governo, o secretário Vilmar Rocha ressalta que “a nossa preocupação é somente de respeitar as condições legais e não cometer injustiças com essas pessoas que estão lá na região há décadas. Por isso, deixamos de fora, nesse primeiro momento, as áreas não regularizadas”.

Neste comunicado a Secima reforça que a proposta do Governo de Goiás que será encaminhada ao MMA recomenda a ampliação imediata do parque “somente nas áreas cujas matrículas foram validadas pelas ações discriminatórias já concluídas, ou seja, fora dos limites das terras já discriminadas de domínio do Estado e ainda não regularizadas”. Segundo levantamento da SED, 90 propriedades rurais precisam ser tituladas e, por isso, ficarão de fora da proposta do Governo.

Elogio

Fernando Tatagiba declara que a ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros vai trazer benefícios para a conservação da vida e para o bem estar humano. Na sua opinião, “o aval dado pelo governo do Estado, para a ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, com limites íntegros, significa que o governo de Goiás vai estar fazendo história: ele vai estar contribuindo para a ampliação de um Parque Nacional, que é fundamental para a conservação na vida do Cerrado e na chapada dos veadeiros”, frisa.

Místicos pedem apoio do governador para preservação da Chapada

 Além de ambientalistas, líderes espirituais também se unem pela preservação da Chapada dos Veadeiros. O próprio governador Marconi Perillo teve contato com um destes líderes, o guru hiduista Sri Prem Baba que  instalou em Alto Paraíso um dos seus retiros espirituais. Numa conversa que teve a participação de secretários, autoridades municipais e representantes de entidades ligadas a causa preservacionista, o governador e o líder espiritual se comprometeram na criação de condições para que o município de Alto Paraíso seja reconhecido mundialmente como referência global de sustentabilidade econômica, social e ambiental, e em modelo no cumprimento das 17 Metas Globais de Desenvolvimento Sustentável.

Participaram destas tratativas o a época prefeito Álan Barbosa, o mestre Prem Baba, secretários municipais, a atriz Maria Paula e os especialistas Fabio Toreta (membro do Movimento Awaken Love) e Patricia Ellen (membro da McKinsey) para discutir as ações para a implantação do programa.

O governador vislumbra a possibilidade de construir em Alto Paraíso um centro cultural similar ao Instituto Tecnológico Basileu França, para realizar cursos e projetos visando o cumprimento das 17 Metas Globais de Desenvolvimento Sustentável. Entre as ações estão o desenvolvimento de trabalhos e programas nas áreas cultural e social, a promoção da educação infantil e a realização de cursos profissionalizantes, pautadas pela cultura da paz. O Grupo Cultural AfroReggae também integra o projeto.

Lideranças políticas e espirituais se unem em defesa do Cerrado.

Quem também acompanha com interesse as tratativas para preservação da Chapada dos Veadeiros é a líder espiritual Darshn de Freitas, que há 30 anos trocou Olinda, no Pernambuco por Alto Paraíso de Goiás. Integrante do movimento #AmpliaChapadadosVeadeiros. “A ampliação do parque é uma situação vital, planetária, não é local, não é brasileira, é planetária, é vital. No planeta são muito raras essas partes íntegras, inteiras. Sem o parque, se não tiver uma organização da ocupação, vai ser um grande caos,” adverte.

Luta

Em 2001, a ampliação para 240 mil hectares chegou a ser decretada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), mas foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por falhas no processo e pela não realização de audiências públicas, previstas na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), que entrou em vigor em 2000.

Nos governos da presidenta Dilma Roussef (PT), após cinco anos de estudos, , consultorias,  audiências e negociação política, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – responsável pela gestão das unidades de conservação federais – chegou a proposta que aumenta o Parque dos Veadeiros de 65 mil hectares para 222 mil hectares, em área contígua, garantindo a implantação de corredores ecológicos e a manutenção do habitat de grandes mamíferos, como a anta e a onça-pintada, que precisam de grandes extensões.

Tanto na época de Fernando Henrique, como no período de Dilma Roussef, o grande empecilho para conclusão das negociações que levem efetivamente à ampliação do parque é o lobby do agronegócio, que pressiona do governo do Estado, via FAEG e o governo federal através da bancada ruralista. O governo que desatar este nó com certeza vai entrar para a história como aquele que efetivamente preservou a última grande reserva natural de cerrado no planalto brasileiro.

O alerta dos ambientalistas,dos líderes espirituais e o grito dos povos da Chapada dos Veadeiros também pode ser expresso no samba-enredo da escola carioca Imperatriz Leopoldinense, que tanto irrita as entidades do agronegócio:

“Jardim sagrado, o caraíba [homem branco] descobriu

 Sangra o coração do meu Brasil

 O Belo Monstro rouba as terras dos seus filhos

 Devora as matas e seca os rios

 Tanta riqueza que a cobiça distribuiu”

 A hora de preservar é agora.

 ** Reportagem originalmente publicada no Jornal Diário da Manhã

 

 
 
 
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