Explicando a decisão do Supremo Tribunal Federal

Roberto Cury*
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A revolta do povo circula pela internet em termos candentes.
Eis um trecho: “O Ministro Luiz Fux quebrou todas as expectativas e frustrou a sociedade brasileira ao dar o voto do desempate que liberou os corruptos barrados a assumirem seus postos no Congresso Nacional. Ao ser apontado para o STF, o Ministro Fux elogiou a Ficha Limpa dizendo que ela “conspira a favor da moralidade”. Somente ontem ficamos sabendo do seu verdadeiro posicionamento. O voto do Ministro Fux significa que corruptos famosos como Jader Barbalho, João Capiberibe e Cássio Cunha Lima irão assumir seus cargos. É um tapa na cara da sociedade brasileira que lutou arduamente pela aprovação da Ficha Limpa.” (sic).
Apesar de que o povo não tem como influir na escolha dos ministros dos Tribunais, especialmente dos do STF, a imaginação fértil coloca-o na condição de severo expectante desejoso de ver concretizados todos os seus sonhos, crenças e ideais de justiça, desde a mais simples até a mais complexa das questões.
Em outro trecho disseminado na internet, lemos: “O Ministro Luiz Fux foi bem recebido pelos grupos da sociedade civil como um “apoiador da Ficha Limpa” porém ontem, ele decepcionou a todos nós. Há pouco que podemos fazer para reverter a decisão do STF, mas vamos inundar os emails do Ministro Fux com mensagens de todo o Brasil, mostrando a nossa indignação.”
Repugna, a nós brasileiros de todos os quadrantes, a corrupção descarada dos políticos sujos me de ficha suja também.
Entretanto, nem sempre podemos agir assim intempestivamente, ao alvedrio de nossas emoções, por mais que elas nos sejam caras e nos imaginemos acima dos princípios da moralidade comum, porque, por certo, acreditamo-nos superiores seres infensos a toda e qualquer safadagem, tão comum no meio político brasileiro, infelizmente.
Não tenho nenhuma ligação com quem quer que seja, salvo quanto aos votos que deixei na urna nas últimas eleições, tampouco venho de passado nebuloso ou comprometedor, nem rabo preso a qualquer circunstância duvidosa me deixa vexado ou oprimido que não possa enfrentar, de peito aberto, a verdade libertadora, porque só a mentira possui tentáculos que aprisionam o corrupto às suas próprias artimanhas.
Ainda que estejamos ao nível de um Rui Barbosa, de um Barão do Rio Branco, sejamos sensatos e ponderemos que nem sempre a razão carreia a favor do nosso entendimento nas questões de direito e justiça.
Um país deste nosso mundão terreno tem de se organizar e essa organização começa, invariavelmente, pelo arcabouço que é o estado de direito, ou seja a estrutura jurídica que norteie todo o andamento da vida dentro do seu território, bem como estabelecendo normas de comportamento também no relacionamento com as demais nações, fora de suas fronteiras.
A estrutura jurídica de que falamos é a nossa Constituição Federal. No diploma da Lei Maior constam cláusulas pétreas, ou seja, aquelas que devem ser obedecidas sem qualquer possibilidade de alteração de nenhuma natureza.
E, dentre as cláusulas pétreas, há a da irretroatividade das leis.
O princípio que rege a irretroatividade é o seguinte: “nenhuma lei pode retroagir seus efeitos para punir ou prejudicar quem quer que seja.”
Outra norma pétrea: “não há crime sem lei que o anteceda”.
E, no caso específico, o estatuto eleitoral estabelece que a lei modificadora ou reformadora só entra em vigor se aprovada um ano antes do período eleitoral.
Infelizmente, a Lei de Ficha Limpa foi aprovada quando o processo eleitoral de 2010 já estava a pleno vapor, portanto, não poderia vigorar no pleito passado.
Digo infelizmente, porque também me causa engulhos qualquer falcatrua dos políticos que descarada e despudoradamente, tripudiam sobre os nossos votos concedidos em cada eleição, deixando-nos sem ação para rejeitá-los no próximo pleito, pois que assim como repugna-nos votar novamente nos corruptos, há quem se venda por qualquer dinheiro ou promessa de emprego ou outra vantagem pessoal.
Foi assim que o Ministro Fux teve de se dobrar ao princípio constitucional da irretroatividade votando contra a aplicação da Lei da Ficha Limpa no pleito de 2010.Não me perguntem porque até então o STF se dividiu em dois segmentos, cinco a favor e cinco contra a vigência já nas eleições de 2010. A minha resposta poderá ser comprometedora.

* Roberto Cury, professor universitário, ex-Procurador-Geral da Assembléia Legislativa, articulista e colunista do jornal O VETOR.

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