A R T I G O S E M N O M E

Roberto Cury – Fa­le Co­no­nos­co: rob­cury@hot­mail.com –  www.ro­ber­to­cury.blog­spot.comRoberto Naborfazan perguntou-me se o artigo para a próxima edição de O VETOR estava pronto e eu disse que iria escrever agora mesmo. Entretanto, não sabia qual direção tomar, nem sobre qual assunto escreveria. Meu pensamento parecia uma folha de papel em branco… nadica de nada me surgia, nenhuma inspiração. Parecia que os amigos espirituais estavam de greve comigo, ou que tinham se afastado para que eu “me virasse sozinho”… é como se eles me perguntassem: – afinal não és “metido” a jornalista ou escritor? A princípio me preocupei com a ausência de uma história pra contar. Mas, nos refolhos da alma sentia-me tranquilo, pois sabia que nunca me encontraria desamparado pelos bons companheiros do além que sempre caminharam comigo nos meus acertos e que jamais deixaram de me advertir nas vezes em que andei enleado nos desvãos da estrada da contramão do bom senso e das responsabilidades.
Foi então, que, na mesa do computador, vi o último número da Revista Internacional de Espiritismo, (RIE), 1ª edição do ano XC, da Casa Editora O Clarim, de Matão, SP, ainda não lido, e, ao folheá-lo deparei-me com um artigo do escritor Octávio Caúmo Serrano, intitulado “A gestação de um artigo”.
O conhecidíssimo autor espírita relatou haver dedilhado na máquina de escrever (o computador ainda não existia na época) o artigo apressadamente a que deu o título “O Nosso Centro” e sem relê-lo enviou-o por correspondência normal, via Correios, ao jornal O Semeador, da Federação Espírita do Estado de São Paulo. Depois, relendo a matéria lamentou-se arrependido de sua precipitação entendendo que lhe pareceu desconexa e até infantil a forma como fora escrito. Entretanto, para sua surpresa, o artigo foi publicado e reproduzido em vários órgãos da imprensa espírita bem como inúmeros centros fotocopiaram-no, outros editaram folder e a matéria culminou recebendo o PRÊMIO AJE-SP-92 como o melhor artigo do ano.
Não busco qualquer prêmio jornalístico ou redacional, muito menos a exaltação do meu ego através de elogios, uma vez que me vejo como um “foca” (repórter de primeira viagem) tentando lançar, as primeiras linhas digitadas, em toda a minha vida, para O VETOR, veículo de bom alcance que circula na capital e em várias cidades interioranas especialmente no nordeste goiano.
Assim, inspirado pelo artigo de Octávio Caúmo e, tomando como mestres os escritores e jornalistas da laia de José Herculano Pires, Jorge Rizzini, CairbarSchutel, Gabriel Delane, Wilson Garcia, Jorge Hessen, Heloisa Pires, Hermínio C. Miranda, o próprio Caúmo, entre outros tantos, me predispus a analisar a importância da escrevinhação, para a divulgação da Doutrina dos Espíritos e também dos ensinamentos que promovem o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida moral e pessoal dos seres humanos.
Em face da minha ousadia, resolvi nomear esta peça como “ARTIGO SEM NOME” para que fique marcada pela simplicidade esperando que atinja, com precisão, o coração e a alma dos leitores aguçando-lhes o desejo de conhecer, cada vez mais, a Doutrina libertadora. Sim libertadora dos dogmas e dos “insights” que, infelizmente ainda aprisionam os seres humanos na ignorância e no desconhecimento da vida de cá e de lá, da existência mortal e da vida imortal.
Era o ano de 1973, lá pela metade, minha mente turbilhonava em confusas elucubrações de ordem religiosa. Católico, estava em parafuso quanto a alguns assuntos cruciais ou dogmáticos para a Igreja. Meu espírito contestador não concernia com a virgindade de Maria depois do parto normal através do qual nasceu Jesus. A questão se apresentava contra a natureza, pois o rompimento do hímen era inexorável, mesmo que a concepção e gravidez houvessem ocorrido na ausência de uma relação sexual. Lembrava-me que quando estudante do Curso Científico, no ano de 1956, no Rio de Janeiro, meu tio João, que então cursava a Faculdade de Medicina mostrou-me um livro que narrava um fato insólito: a gravidez de uma menina virgem de 15 anos que, ao banhar-se, lavando as partes íntimas, sem perceber, introduziu líquido genético deixado por seu irmão, um pouco antes, na banheira do apartamento onde moravam. Sob a minha lógica, Maria poderia ser virgem antes do parto normal, mas depois, jamais.
Outra questão que espicaçava meu espírito referia-se a Jesus que as Igrejas pregavam e pregam ainda, como sendo Deus. Minha alma jamais aceitou esse dogma, pela simples razão de que se ele fosse Deus e estivesse em Jerusalém ou nas adjacências quem estaria governando o resto do Universo sem fim? O Universo estaria ao acaso? Ou, se se admitisse ainda a divindade do Cristo, por que ele se dedicaria apenas a orientar os homens da Terra se no espaço milhões, ou sei lá em quantos outros mundos, os seres humanos estariam se debatendo nas suas dificuldades, nos seus crimes sem um Deus que deles cuidasse? E outra: sendo Deus Criador por que estacionaria a Criação para ficar apenas aqui num pedacinho da Terra? Seria uma negação da Onipotência Divina. E, também: sendo Deus, jamais poderia se transformar num deus vulgar, destituído de qualquer das propriedades da verdadeira Divindade quando se viu submetido às veleidades das criaturas que o aprisionaram, chicotearam-no, pregaram-no numa cruz, lancetaram seu coração para que morresse mais depressa até que, à exaustão, veio a entregar sua alma, bradando aos céus: – Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”. Ora se tinha um Pai que estava além, não poderia ser Deus, porque Deus era e é o Pai. Então Ele, Jesus, igualmente a nós, era e é uma das criaturas de Deus, nosso Pai.
Minhas ideias se amarfanhavam quando ouvia sobre a Infalibilidade Papal. Ora o Papa é um ser humano como qualquer de nós acometidos de defeitos e de imperfeições, portanto sujeito a erros, ainda que estivesse ou esteja num alto grau de perfeição. Só pelo fato de habitar entre nós, mesmo que se sujeite às leis naturais, ainda assim, tem a fragilidade da carne que nos projeta ao solo a cada passo equivocado que venhamos dar. E, não só isso, a História da Humanidade nos conta da fragilidade e até mesmo de gravíssimos crimes cometidos por inúmeros Papas que não nomearemos aqui.
Vim da capital de São Paulo em janeiro de 1966 fixando residência em Itumbiara, na divisa de Goiás com Minas Gerais, assim separados os Estados apenas pelo Rio Paranaíba que margeia aquela cidade goiana. Foi lá que conheci Miguelão, um verdadeiro Adônis fisicamente falando pelo tamanho, pelo corpo atlético e musculoso, pelos pés enormes e descalços, vestido sempre com um bermudão, estranho, na época, pois só crianças usavam calças curtas, às vezes sem camisa, outras com uma camiseta colada no tórax avantajado pelas formas da carne enrijecida como se fosse praticante de exercícios de barra ou de levantamento de peso. Atravessava a rua de um lado para o outro silenciosa e ininterruptamente obrigando veículos a frearem evitando atropela-lo. Miguelão era deficiente mental. Uma única vez presenciamosMiguelão apresentar algum tipo de sentimento: foi quando sua mãe biológica morreu. Miguelão aquietou-se junto ao caixão, chorando mansamente como se tivesse apanhado uma surra por alguma falta cometida. Durante todo o dia e também a noite não atravessou a rua em nenhum momento permanecendo ao lado do esquife onde repousava o corpo materno.
Então eu me perguntava como era possível um ser com todo aquele físico, gozando de tanta saúde e não ter juízo ou noção de coisa alguma. A Igreja pregava a punição dos filhos como consequência do pecado original dos pais, dogma com o qual jamais pude concordar porque sempre reconheci um Deus Justo e Bom que não se coadunava com um deus vingativo e mau. Pois seria um deus mau que estaria punindo um inocente Miguelão pelo pecado dos pais que o geraram. Eu nem concordava e ainda não acredito que fosse pecado a relação dos pais que culminam na geração dos filhos, em face de que não havia nenhuma outra forma de gestação e nascimento (a inseminação artificial ainda não era conhecida). E por que Miguelão é que teria de “pagar o pato” pelo “crime” dos pais? Esse deus eu não aceitava e não aceito. Então Miguelão estava sofrendo as consequências de algum ato condenável e esse deveria ser o mau uso da sua inteligência. Ora, então quando teria cometido o pecado se nessa vida ele não podia ser acusado de nada em razão de sua deficiência mental?
Anos depois, em 1973, morava a poucos meses, em Santa Helena de Goiás, onde mantinha um escritório de advocacia e também exercia a Procuradoria Jurídica da Prefeitura Municipal, uma certa noite, não me lembro a data, dormi preocupado com todas essas questões acima, recitei o Pai Nosso (minha prece preferida) pedindo que Jesus me iluminasse a mente tão confusa. Acordei-me eufórico. Sei que sonhei, mas não me lembro absolutamente de nada, salvo que amanheci com um desejo incontrolável de ler obras espíritas. Jamais havia lido nada sobre Espiritismo porque acreditava que seria uma traição com a crença católica que professava. Como nenhuma das livrarias de Santa Helena tinha qualquer livro espírita, também não conhecia nenhum espírita da cidade e nem sabia por onde começar, resolvi ir até Itumbiara onde vários amigos professavam a Doutrina Espírita. Fui até lá para me orientar com eles e acabei ganhando alguns livros. Buscando o retorno, passei na Padaria do Alan Kardec Garcia, amigo que deixara de ser alfaiate para se tornar padeiro e cujos pães eram deliciosos. Ao deixar o estabelecimento com o saco de pão, ele me acompanhou até o fusca e viu, no banco de trás os livros que ganhara, exclamando: – bem que o velho Vigilato dizia que você iria se tornar espírita. Respondi: – não sei se serei espírita. Vou ler os livros e estudar. Se tiver de ser, serei. Se não, não.
Então Kardec me disse: – você terá três dificuldades para vencer. Eu: – quais?
Ele: – acreditar na existência dos espíritos. Eu: – Vejo espíritos desde criança e por isso reconheço que após a morte o espírito continua vivo e pode aparecer para nós. Qual a segunda?
Ele: – acreditar na reencarnação. Eu: – não sei o que é reencarnação, mas, estou aqui pensando no Miguelão. Ele, com todo aquele físico de atleta, não tem juízo. Não aceito que seja pelo pecado original de que a Igreja fala. Nem que ele tenha cometido qualquer pecado nesta vida, pois não pode ser punido por algo que ele não tem discernimento. Se ele paga por algo cometido em outra oportunidade, seria ele então reencarnado?
Kardec sorriu: – é, isso é uma prova da reencarnação.
Eu: – então acredito na reencarnação. E a terceira, qual é?
A terceira ele nunca me disse qual era, apenas sorriu alegremente e garantiu: – deixa pra lá, você já é mais espírita do que muitos que frequentam os Centros.
Depois que me banhei, já em minha casa em Santa Helena, antes mesmo de me alimentar, abri “O que é o Espiritismo. Em menos de meia hora, usando os conhecimentos da leitura dinâmica que adquirira através de um curso, me surpreendi porque conhecia quase tudo que acabara de ler. E me perguntava: – como pode ser se nunca antes li nada sobre o Espiritismo? Alguns anos depois conscientizei-me de que tinha conhecido fundamentos espíritas através do espiritualismo hinduísta.
Fui ao “O Livro dos Espíritos” e como sempre não gosto de ler prolegômenos, prefácios e outros escritos antecedentes das obras, fui direto à primeira questão: O que é Deus? Arrepiei-me todo porque ali encontrei o Deus que tanto procurara até então: Deus é a Suprema Inteligência e Causa Primária de todas as coisas.
Não era o deus barbudo que fez o mundo, e só o mundo Terra, em seis dias e no sétimo descansou. Eita deusinho fraco, sô! Não, o Deus que buscara até então era aquele “Suprema Inteligência e Causa primária de tudo o que há e haverá”.
Foi assim, estudando e estudando, porque nunca mais deixei de estudar as questões espirituais, que me tornei espírita.
Por isso, este escrito, leva o título de “Artigo sem nome”. Espero que vocês gostem e um dia escrevam também a própria história sem a preocupação ou necessidade de nomeá-la, pois ela, por si só deverá se bastar.

POEMA PRA LUIZA

Roberto Cury

Vieste, um dia, chegando de mansinho
Devagarinho, devagarinho,
E eu, perdido num mundaréu escuro,
Somente vi aquela luz chegando,
Chegando, e eu, sonhando, sonhando,
Me vi vergastado pelo teu sorriso lindo,
Mas, o vergalhão, me deixou perplexo,
Como se eu estivesse ainda dormindo…
Sonhava? Eu sonhava? Sonhava?
E tu? Eras aquela luz que me cegava?
Não, eras a luz que desanuviava,
Minhas tristes lembranças
Do passado recente, inclemente,
Que tinha feito meu coração sofrer…
Eras a luz, branca e suave,
Acompanhava-te música doce,
Em vibrante conclave,
E abriste-me a alma
Com tua bondosa chave
De fazer-me voltar a sorrir…
Perdi-me nos teus olhos,
Encontrei-me no teu seio,
Porque o teu sorriso,
Me despertara do sonho
Terrível pesadelo,
Que tanto me cruciava…
Vieste como um anjo divinal,
Do paraíso celestial
E quedastes aos meus pés,
Como a deusa grega
Ou seria romana?
De onde promana todo o teu amor,
Mas, não envergastes a coluna,
Nem dobrastes a cervical
Diante de mim,
Mas, qual serafim, envolveste,
Meus sonhos, minha vida
E nunca mais te afastastes
Pra longe do meu coração…
Moras, e como moras,
Mesmo muda, às vezes,
No ninho que fizeste
Dentro de minh’alma
Refazendo o que se quebrara,
reconstruindo o que se perdera,
na azáfama da minha vida desregrada…
Despedaçada…
Desprezada…
Por mil anos seguidos,
E só reencontrada nos teus braços
E adocicada pelos teus beijos,
Enquanto morro de desejos,
Por ti, Luiza, linda mulher
Mulher linda, flor do meu jardim,
Anjo do meu céu azul.
Eu te amo e quero te amar
Pra sempre, pra nunca mais,
Amar ninguém.

Cariciosamente,
Roberto.

Goiânia, 20 de setembro de 2008.
(LUIZA tornou-se a minha esposa em 2014)

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