A QUESTÃO DO LIVRE ARBÍTRIO

O Livro dos Espíritos (LE). Questão 843: O homem tem livre arbítrio nos seus atos?
– Pois se tem a liberdade de pensar, tem a de agir. Sem o livre arbítrio o homem seria uma máquina.Fa­le Co­no­nos­co: rob­cury@hot­mail.com – Vi­si­te nos­so blog de ar­ti­gos es­pí­ri­tas: www.ro­ber­to­cury.blog­spot.com

Roberto Cury

Na última reunião das sextas-feiras na Casa Espírita, quando o grupo estuda o Livro dos Espíritos, depois da prece de abertura, o coordenador anunciou para os frequentadores que iriam tratar da questão do Livre Arbítrio. A seguir, disse o seguinte: – Deus, Supremo Bem, na Sua Infinita Bondade, concedeu ao homem a Lei do Livre Arbítrio e o homem, por sua vez, sentindo-se livre para agir criou o Mal. Via de consequência desse antagonismo, o homem tem sofrido as dores de suas nefastas ações. Não sem justa razão, porquanto com a Lei do Livre Arbítrio, cada ser humano se torna o único responsável por seus atos e omissões.
Foi aí que Josué perguntou: – Como assim, então não é Deus quem castiga por nossos erros?
– Não, retrucou Letícia. Quando nós usamos o livre arbítrio para agirmos ou nos omitir, assumimos a responsabilidade dos nossos atos ou omissões. Assim, se praticarmos o mal, seremos responsáveis e então sofreremos as consequências do que fizemos ou deixamos de fazer. Da mesma forma – continuou Letícia, – se praticarmos o Bem, os méritos dos atos ou omissões ser-nos-ão contados com o gabarito respectivo, diante da Justiça Divina.
Josué insistiu: – Deus não é a Suprema Sabedoria, Aquele que tudo sabe, que tudo conhece? Então por que Ele permite que o homem crie o Mal?
– A Lei de Liberdade dada por Deus é plena, jamais um arremedo como muitos artigos da legislação humana e, por isso, o Criador mesmo conhecendo antecipadamente tudo, respeita a livre vontade da criatura que pode trilhar o caminho do Bem ou do Mal, pois a prova, a que se vê submetido o homem, é importante para a conquista de méritos ou deméritos conforme a escolha feita – interveio Caio depois de autorizado pelo Coordenador.
Parecendo inconformado, Josué inquiriu: – Então porque dizem que Deus castiga?
Caio, novamente: – nem tudo que dizem tem procedência. Tanto é que chegam a acusar Deus de ser culpado das mortes das pessoas, principalmente quando se trata de crianças ou de jovens fortes e saudáveis.
Caio, então contou: num certo país da Ásia, um monge e seu discípulo que estavam caminhando a dias, ao cair da tarde, pediram pousada num casebre onde moravam além do casal paterno mais cinco filhos todos adultos. O hóspede observou que havia grande miséria e quase nenhum alimento ali naquela morada e que todos viviam à custa do leite de uma vaquinha. Durante a noite, quando todos dormiam, discretamente, o monge acordou o seu discípulo e tangeram a vaquinha até um precipício de onde ela foi empurrada e morreu na queda. Questionado pelo aluno, o monge respondeu que aquilo tinha sido necessário e com o tempo ele descobriria a razão daquele ato. Voltaram aos seus leitos e pela manhã, enquanto os donos da casa e seus filhos lamentavam a morte da vaquinha e nada tiveram a oferecer para o desjejum, os hóspedes se despediram encetando nova caminhada. Três anos depois, o monge e o seu discípulo chegaram novamente àquele sítio onde ainda morava aquela família. Mas, toda a herdade estava diferente; o casebre fora substituído por uma bela casa de alvenaria, bem maior, com muitos cômodos todos amplos e arejados. Um belo carro de passeio dividia a garagem com uma caminhonete da última série. Muitos animais se fartavam nas pastagens verdejantes próximas da casa. No curral vários bois e vacas de excelente qualidade ruminavam a última ração balanceada disposta nos cochos naquela tarde e quando os visitantes bateram palmas a família toda veio recebê-los à porta sorrindo de satisfação. Percebia-se que os rostos macilentos e a palidez anterior foram substituídos pelo carmim do sangue fluindo na pele denotando que todos estavam bem nutridos e saudáveis. A alegria estampada em cada semblante daquela família mostrava a mudança que havia se operado naqueles três anos. Foi então que o discípulo, pedindo permissão para o mestre, indagou do senhor da casa: – o que aconteceu que tudo mudou por aqui desde a nossa última passagem? O velho pai, sorridente, respondeu: – vivíamos miseravelmente à custa do leitinho da vaquinha que tínhamos. Mas, naquela noite ela caiu no precipício e morreu. Por dois dias ficamos sem nos alimentar só nos lamentando de como viveríamos dali para a frente. Depois do choro, observamos que tínhamos a terra, éramos fortes e que bastava trabalharmos um pouco e haveríamos de produzir alimentos suficientes para nos bastar e até para vender. Plantamos, colhemos fartamente, vendemos as sobras que foram muitas nestes três últimos anos e o resultado é este que os senhores estão vendo. Não ficamos ricos, mas vivemos bem e com fartura. Bendita a hora em que a vaquinha morreu.
O mestre sorriu e o discípulo entendeu a lição daquela madrugada de três anos atrás.
Caio, alegremente, concluiu: – Josué, em tudo na vida é preciso ter vontade e ela só prospera quando se tem liberdade para escolher. Eis uma razão que justifica a Sabedoria Divina que nos legou a Lei do Livre Arbítrio.
O Coordenador leu, então, este trecho de O Livro dos Espíritos:”A questão do livre arbítrio pode resumir-se assim: o homem não é fatalmente conduzido ao mal; os atos que pratica não “estavam escritos”; os crimes que comete não são o resultado de um decreto do destino. Ele pode, como prova e como expiação, escolher uma existência em que se sentirá arrastado para o crime, seja pelo meio em que estiver situado, seja pelas circunstâncias supervenientes. Mas será sempre livre de agir como quiser. Assim, o livre arbítrio existe no estado de Espírito, com a escolha da existência e das provas;e no estado corpóreo, com a faculdade de ceder ou resistir os arrastamentos a que voluntariamente estamos submetidos.”
Lá do fundo, com a mão levantada, Lucíola esperava sua vez. Autorizada, perguntou: – então quer dizer que Deus também não é culpado pelo desvio do caminho do Bem de suas criaturas?
Joana respondeu: – Absolutamente, como a Letícia já disse, somos nós os únicos responsáveis por todos os nossos atos e omissões, pois desde o mundo espiritual já planejáramos nossas encarnações com as provas a que queríamos nos submeter quando encarnados, buscando a cada passo a nossa evolução, até atingirmos o grau máximo de perfeição, quando teremos expungido todos os vícios, erros, crimes e trilhado, exclusivamente, o caminho do Bem, cultivando somente virtudes, sendo caridosos, amorosos, fraternais, igualitando-nos com todos os nossos irmãos, sem reservas ou condições, como fez Jesus quando de sua encarnação na Terra.
Então, Caio lembrou-se de uma outra história que exemplifica bem a questão do livre arbítrio. – “Margrit pelos idos de 1420, era uma jovem alemã que, solteira, começou a recolher órfãos abandonados ou que viviam nas ruas da cidade de Bremen, no norte da Alemanha, causando estranheza na pequena população da época, pois as crianças desapareciam e quando instada a respeito, sempre respondia que um casal de outras vilas, distritos e cidades tinha levado em adoção. Mas, na verdade é que ela as queimava ainda vivas, incinerando-as e espalhando suas cinzas pelos canteiros dos jardins da casa que deveria ser o abrigo natural dos recolhidos. As cinzas, adubo natural, fizeram florescer lindas e apreciadas flores. Assim foi durante aquela encarnação. Conta-se que mais de duzentas crianças desapareceram. A desencarnação de Margrit provocou-lhe sofrimento atroz durante muito tempo no mundo espiritual pela culpa e débito assumidos com tantas vítimas.
Cerca de um século e meio mais tarde, aliviada pelas orientações dos espíritos superiores, Margrit, após um período de convalescença, pode, finalmente planejar nova encarnação. Diante dos espíritos encarregados do planejamento das incursões na carne, entendeu que deveria resgatar seus terríveis débitos, passando pelo Fogo Selvagem (Pênfigo) tão logo atingisse a idade em que recolhera a primeira criança posteriormente sacrificada e iria queimar-se por dentro durante todos os anos restantes de sua encarnação até que atingisse os 79 anos que durara aquela estadia terrena. Escolhera o Brasil para o resgate em face de que essa doença era comum naqueles idos de 1780. Renasceu, em Vila Rica, Minas Gerais, numa família cujos pais tinham sido duas de suas vítimas passadas que, pela grandeza espiritual que detinham, a perdoaram e de forma inconsciente, deram-lhe o mesmo nome anterior – Margrit. Transmitiram-lhe, doce e firmemente, profundas noções de bem, de amor e de misericórdia, além de ensinar-lhe à exaustão, a virtude do perdão das ofensas e o reconhecimento de todo o bem recebido. Margrit não era religiosa, mas guardava no íntimo um sentimento misto de temor do futuro com uma vontade estranha de se ligar e amar crianças sem se importar de onde viessem ou onde estivessem, desde que fossem órfãs e sem família que delas cuidasse.
Nunca se casou, mas, tão logo atingiu a maioridade, já órfã e herdeira de uma bela casa com muitos cômodos, transformou-a em abrigo para órfãos abandonados e crianças de rua e delas cuidou não só alimentando-as, vestindo-as, também educando-as com desvelo e carinho como se fossem suas crias. Com isso, passou-se o limite inicial sem que o Pênfigo atingisse as suas entranhas e como ela continuou a sua faina maravilhosa de amor às mais de duzentas crianças atendidas e bem cuidadas, sua saúde foi irretocável até que atingiu a idade fatal de 79 anos, quando, então, durante feroz tempestade, um raio atingiu a cumeeira daquele abrigo que em poucos minutos ardeu em chamas. Ela, desesperada, recolheu cada criança que ainda ali se encontrava levando-as para fora onde ficaram livres do perigo, até que, restando apenas um bebê de pouco mais de dois meses, ela agasalhou-o com fraldas e um grosso cobertor para protegê-lo das labaredas e da fumaça, mas, chegando à porta, já exausta, viu que não conseguiria atravessar com o pequeno ser no seu colo e que ambos pereceriam. Então, reunindo suas últimas forças e sentindo que a criança estava bem protegida, atirou-a para longe do alcance do fogo e entregou-se nas mãos do Criador, morrendo em poucos segundos.
Ela que deveria arder por dentro durante longos anos, como nessa encarnação, praticara tantos atos de regeneração, de bondade e de amor, resgatou todo o sofrimento atroz a que se destinara quando do planejamento, queimando-se apenas por fora, depois de desencarnar sufocada pela fumaça que inalara e que destruiu os seus pulmões.”
Ultimamente, temos visto e acompanhado memoráveis lições em que inúmeras pessoas utilizaram-se do livre arbítrio para determinar os seus passos na encarnação ou que influenciaram de tal maneira grupos sociais e mesmo países inteiros, ora proporcionando grandes progressos para a humanidade, ora gerando danosas consequências ao bem-estar da sociedade e mesmo motivando desastres econômicos e financeiros empobrecendo sobretudo as classes menos favorecidas.
Infelizmente, muitos povos perderam a sua capacidade de agirem livremente, uma vez que são tangidos como gado de curral. A pusilanimidade jamais conta a favor do covarde, pois ninguém consegue conduzir um povo sem que esse aceite ser tocado. Assim, as responsabilidades se dividem igualmente entre o condutor e os conduzidos.
A Divina Lei do Livre Arbítrio encontra-se em pleno vigor e o Tribunal da Consciência é imparcial e irredutível na cobrança. Consequentemente, mesmo guiado por estranhos ou conhecidos, sua ação ou omissão será sempre um ato de vontade própria, portanto, cada um é e será sempre responsável por seus atos e ou omissões diante do Criador.

Share

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *