DIA DO CERRADO – Indústria de soja começa a aplicar medida contra desmatamento ilegal no bioma.
Metodologia é semelhante à da Moratória da Soja, na Amazônia, e visa vetar a aquisição do grão de áreas abertas sem autorização. Se for constatada uma supressão vegetal não autorizada, processadoras e exportadoras de soja bloqueiam a originação do grão em toda a propriedade, independentemente do tamanho da área aberta.
Por Raphael Salomão **
A indústria processadora e exportadora de soja começará a adotar a partir da safra 2023/24 uma medida que objetiva impedir a produção de soja em áreas abertas sem autorização no Cerrado. Chamada de Controle de Supressão Autorizada (CSA Cerrado), a iniciativa se baseia em monitoramento de áreas de desmatamento no bioma.
A validade da ação a partir desta temporada consta em um documento com diretrizes socioambientais dos associados da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec).
A “cartilha” informa que as empresas se comprometeram a “não adquirir nem financiar” soja cultivada em áreas irregulares e que o compromisso é “para a safra 2023/24 em diante.”
De acordo com a Abiove, a medida foi construída em conjunto com representações dos produtores. A avaliação é de que a estratégia tem “grande potencial de eliminar o desmatamento não autorizado” associado à produção de soja no bioma.
“O CSA Cerrado foi construído após consulta às classes representativas de produtores rurais. Atende uma demanda da sociedade civil para o Cerrado. Houve um amplo debate nas comissões jurídicas, de sustentabilidade e de originação da Abiove e Anec”, afirma o diretor de Sustentabilidade da Abiove, Bernardo Pires.
Segundo a cartilha, o CSA vai ser aplicado nos 11 estados onda há Cerrado: Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Piauí, Rondônia, São Paulo e Tocantins. A referência serão os dados do Programa de Monitoramento do Desmatamento (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
“Serão monitorados 22 milhões de hectares, metade da base plantada com a oleaginosa no Brasil. Se somarmos todos os embargos do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) com as Semas (Secretarias Estaduais de Meio Ambiente), não atingimos 50% do desmatamento ilegal fiscalizado e punido. No CSA Cerrado, teremos um monitoramento de 100%”, afirma Pires.
A partir do mapeamento feito com base no Prodes, as empresas associadas à Abiove e à Anec devem verificar se as propriedades possuem Autorização de Supressão de Vegetação (ASV). E se a área aberta e o período em que o desmate foi feito coincidem com o documento. Caso a ASV não esteja em bases de dados públicas e acessíveis, deve ser solicitada ao produtor.
“O único impeditivo para a identificação das propriedades que desmataram ilegalmente após 2020 é a verificação das Autorizações de Supressão de Vegetação nativa, que, na sua maioria, não são públicas quando deveriam ser, pois são emitidas pelas Secretarias Municipais e Estaduais de Meio Ambiente”, ressalta Pires.
Caso a processadora ou exportadora de soja não tenha meios de comparar os mapas satélite com as informações da ASV das propriedades, deve recorrer a um serviço especializado.
“As medidas adotadas para cumprimento do CSA Cerrado pelas associadas Abiove e Anec serão submetidas à auditoria independente anual de modo a atestar o cumprimento dos procedimentos acordados”, informa a cartilha de diretrizes.
Bloqueio total
O diretor de Sustentabilidade da Abiove ressalta ainda que, se for constatada uma supressão vegetal não autorizada, processadoras e exportadoras de soja bloqueiam a originação do grão em toda a propriedade, independentemente do tamanho da área aberta.
“Se forem identificados 25 hectares com desmatamento e soja e a fazenda tiver 2 mil, a fazenda inteira será bloqueada até a apresentação de ASV para os 25 hectares. No caso do produtor que não tiver ASV, a única forma dele se regularizar junto ao mercado é apresentando um PRA (Programa de Regularização Ambiental) e executá-lo corretamente”, diz o executivo.
No documento com critérios socioambientais, Abiove e Anec estabelecem que o PRA deve ter “assinatura de um responsável técnico”. E a recuperação da área desmatada “será monitorada por meio de imagens de satélite por empresa especializada”.
O Programa de Regularização Ambiental está previsto no Código Florestal, como forma do produtor rural colocar a situação da sua propriedade de acordo com a legislação. Mas a necessidade ou não de cada fazenda ainda depende da análise e validação dos dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que anda a passos lentos no país.
Na visão da Abiove, a demora na implantação das medidas do Código não impede a identificação de áreas desmatadas sem autorização no Cerrado. Bernardo Pires argumenta que a tecnologia de monitoramento está ativa desde 2001 e possui alta acurácia.
“Não há nenhuma área no Cerrado que foi desmatada nos últimos 20 anos que não tenha sido monitorada pelo Inpe”, argumenta. “A área será monitorada anualmente com imagens de alta precisão de satélite para ver se está em processo de regeneração natural. Podemos afirmar que o CSA Cerrado, além de promover a eliminação do desmatamento no Cerrado, incentivará sobremaneira a recomposição das áreas convertidas ilegalmente”, acrescenta.
“Desmatamento ilegal zero”
A decisão de aplicar o CSA Cerrado na safra 2023/24 foi tomada há dois anos. A metodologia é semelhante à da Moratória da Soja, implantada para impedir a originação de soja de áreas de desmatamento na Amazônia.
Uma das diferenças é o período que serve de base para a medida. Na Moratória, é 2008. No CSA, agosto de 2020, “referência à nova legislação ambiental europeia”, diz Pires, em referência à discussão e adoção, por parte da União Europeia, de critérios ambientais mais rigorosos, sob o argumento de evitar a compra de produtos de áreas de desmatamento.
Outra diferença do CSA Cerrado é adotar o conceito de “desmatamento ilegal zero”, enquanto, na Moratória da Soja, é “desmatamento zero”, sem a diferenciação de legal ou ilegal. O diretor de Sustentabilidade da Abiove ressalta que a supressão irregular de vegetação traz riscos de barreiras comerciais, mina a implantação do Código Florestal e “dá argumento” para consumidores exigirem “sistemas complexos de rastreabilidade e certificação”.
A indústria considera, por outro lado, que o produtor de soja do Cerrado com excedentes de Reserva Legal não pode ser bloqueado pelo mercado sem ter a oportunidade de receber pelos serviços ambientais. A Abiove defende que esse pagamento considere, ao menos, o custo mínimo de arrendamento de terra.
“Como esses recursos ainda não foram viabilizados pelos nossos consumidores (clientes principalmente europeus) entendemos que o melhor caminho é um pacto pelo desmatamento ilegal zero”, explica Pires.
***FONTE: globorural.com