Religião: Evangélicos e sexo: “Deus não se importa com o que o casal faz entre 4 paredes”
Fiéis de tradicionais igrejas pregam liberdade sexual e buscam em sexshops produtos eróticos para revolucionar casamento.
Por Carolina Garcia*
O que Deus uniu ninguém separa. A citação que está no livro de Marcos (capítulo 10 e versículo 6) da Bíblia serve como um dos alicerces aos evangélicos que disseram sim no altar. Aproveitar “o sexo que agrada Deus” e honrar a monogamia no casamento é o desafio, mas isso não significa ter uma vida sexual monótona. Evangélicos ouvidos pelo Delas confirmam: o sexo deve ser prazeroso e potencializado com produtos eróticos.
“Deus não se importa com o que o casal faz entre quatro paredes”, diz João Ribeiro, que é proprietário do sexshop Secret Toys e membro da Congregação Cristã do Brasil, uma das igrejas mais tradicionais do País. O uso de artigos sensuais no meio gospel pode surpreender aos que olham para os religiosos como frígidos ou que encaram o sexo como pecado se praticado além da reprodução.
Para Ribeiro, ainda há falta de informação dentro das igrejas. “O sexo que agrada a Deus é entre homem e mulher casados, ponto final. A Bíblia não menciona como deve ser feito. Se é em pé, sentado ou deitado. Da porta para dentro do quarto é o casal que cria as regras do jogo”, fala. As regras e os medos foram impostos por homens, segundo ele, nos primeiros momentos da Igreja Cristã.
O número de denominações evangélicas hoje reflete a pluralidade de opiniões sobre o que é certo e errado dentro do sexo, quando “homem e mulher viram uma só carne”. Enquanto parte defende o vale tudo dentro de quatro paredes, pastores ainda debatem a prática do sexo oral e anal, fortemente proibidos pela Igreja Católica. O que vale no final é a relação pessoal do casal com Deus, defende a maioria.
Prazer completo
após dez anos
Cláudia*, evangélica de 30 anos, conseguiu aproveitar o sexo com o companheiro após dez anos de casamento. O sexo existia, mas ela não se entregava completamente ao marido até ler a trilogia “50 tons de Cinza”. As passagens com cenas de sadomasoquismo, entre os personagens Anastasia Steele e Christian Grey, passam longe das suas preferências, mas os livros abriram sua mente sobre a entrega dentro do quarto. “Eu tinha uma barreira psicológica. Questionava até onde poderia ir e o que era permitido por Deus ali. Já hoje comprei até uma algema”, disse aos risos, revelando certo conforto com o tema.
A primeira ida ao sexshop e as investidas em motéis marcaram uma mudança de postura de Cláudia e trouxeram uma nova intimidade ao matrimônio. “O quarto era enorme, impossível ser para apenas um casal, mas nem pensei nisso. Deus mesmo fala que onde eu pisar será santo. Não encanei.” Escolher o motel como local para relações íntimas ainda é muito condenado entre os fiéis pelo histórico de relações extraconjugais e homossexuais. “Estou me sentindo bem com isso, Deus ainda não me condenou”, tranquiliza-se Cláudia.
Ela conta que encontrou em produtos sensuais uma ajuda para resgatar a intimidade com o marido. “A ideia de você querer comprar já é um sinal de que você quer e pode usar. Fantasiar dentro do casamento não é pecado.” Ela continua: “Após mais de dez anos, posso dizer que alcancei a plenitude sexual com meu marido. É incrível isso. Emocionalmente falando, nunca estivemos tão bem.”
Cláudia não está sozinha em suas idas aos sexshops. Milhares de casais evangélicos estão descobrindo os produtos eróticos como tempero para o casamento. O mercado erótico percebeu o interesse e desenvolveu o Guia Gospel para Sexshops, concluído em novembro e que será lançado em livro em março deste ano. Em 90 páginas, a Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual (Abeme) discute o surgimento de sexshops especializados e um novo tipo de atendimento aos religiosos, os consultores de casais ou consultores matrimoniais.
“Criamos o Projeto Gospel para debater o novo formato do sexshop e o atendimento diferenciado com consultoria de casais, que vai além da venda de produtos. O guia reúne as experiências de trabalho com o grupo evangélico”, explica Paula Aguiar, presidente da associação, que defende o atendimento diferenciado aos religiosos. Para ela, adotar eufemismos e cuidados é uma forma de respeito. Em um atendimento especial, por exemplo, o sexo oral passa a ser chamado de “beijo na região íntima”, a palavra sexo é substituída pela relação afetiva e vibradores são citados como massageadores ou estimulantes íntimos.
“Bem-vindo à Disney”
Após enfrentar a crise econômica em Portugal, o ex-bancário João Ribeiro e sua mulher Lídia Ribeiro buscavam uma alternativa financeira no Brasil. Criados em lares evangélicos, os dois surpreenderam suas famílias quando decidiram montar uma sexshop em Jandira, região metropolitana de São Paulo. Os dois frequentam a Congregação Cristã no Brasil de Alphaville e são discretos sobre a nova profissão. Mas na loja abordam os novos clientes com a frase “Bem-vindo à Disney”, que funciona como um ótimo quebra-gelo.
“Na igreja, não falamos que vendemos produtos eróticos porque isso pode gerar constrangimento. Se perguntam, explicamos que somos consultores de casais e isso desperta muita curiosidade”, conta Lídia. “Sempre ouvimos: “Mas ajudam como?”. Respondo que ajudamos o casal a se reaproximar e até esquentar a relação”, diz Ribeiro. Uma estratégia do casal é dar folhetos com 10% de desconto para segunda compra. A ordem é entregar ao parceiro o papel e fazê-lo usar o desconto. Tem funcionado.
O casal explica ainda que após boa consultoria – e não só compra de produtos eróticos – muitos casais evitam o divórcio. “Muitos casais da nossa igreja se separam porque não encontram apoio. Evangélicos com problemas procuram pastores e escutam um ‘vamos orar’. Mas muita coisa se resolve com uma boa conversa e orientação”, defende Ribeiro, ressaltando que a mulher faz curso de terapeuta sexual para ampliar o atendimento.
A loja Doce Sensualidade, em São Paulo, também aposta no cuidado com os clientes mais tímidos. Hoje, 40% dos clientes são religiosos. A dona Thaís Plaza coleciona histórias curiosas. Como a de uma senhora com saia longa e visual cristão que se escondeu atrás de um abacateiro enquanto esperava a porta da loja abrir. “Ela tinha uma voz trêmula no telefone, estava preocupada se seria vista entrando aqui. Após o uso do primeiro produto, voltou, comprou mais e é hoje uma das clientes que mais indica a loja para amigas.”
Católicos são os mais “travados”
Além de oferecer atendimento na loja física, Thaís organiza encontros de casais religiosos e palestras para apresentação de produtos. Segundo ela, os católicos fervorosos são mais “travados” do que os evangélicos. Antes de entrar em uma paróquia da capital, Thaís precisou mostrar ao padre o que apresentaria aos fiéis. A reunião foi breve e clara: nenhum produto para sexo oral ou anal seriam citados.
“Levei um kit completo e ele selecionou o que poderia falar e o que não seria legal. No final, falei sobre massagens, a importância do beijo na boca e partimos direto para a questão do lubrificante para penetração”, diz a empresária, que prometeu ao padre nunca revelar o seu nome e o da paróquia. “Ele entende o meu trabalho, só não quer comprar uma briga contra uma cultura.”
Thaís defende maior discussão do tema dentro das igrejas e comunidades religiosas. “Precisamos abandonar o pensamento de que sexo é apenas encontro de genitais”, conclui.
Mesmo com maior espaço para debate, muitas igrejas evangélicas ainda não sabem lidar com a sexualidade dos fiéis. A pedagoga e terapeuta sexual Thelma Regina da Silva, de 32 anos, enfrenta preconceitos diariamente para falar de sexo na igreja, principalmente por ser solteira. Depois de sua conversão, em 2011, na Igreja Batista Água Viva, Thelma teve um sonho e entendeu que ajudar casais seria a missão de sua nova vida. “Ser terapeuta sexual era como ser prostituta ali. Aos poucos fui conquistando o respeito de pastores e de outros casais.”
A consultora questiona o uso de eufemismos durante o atendimento para os religiosos. “Acho que vai de cada caso, mas não podemos transformar sexo oral em beijinho santo. A nossa ideia aqui é quebrar o tabu do sexo e não alimentar medos sobre o tema”, afirma. Ela ainda acredita que há muito trabalho a ser feito nos púlpitos dos pastores. Muitos líderes ainda citam a relação sexual como uma obrigação feminina e elevam a satisfação do marido, reforçando a submissão dos tempos bíblicos. “Ainda estão pregando como a mulher deve se produzir ao marido, investir em lingeries, estar cheirosa. Mas e os homens? Isso é responsabilidade deles também.”
Para ela, líderes precisam entender que a sexualidade precisa ser apresentada também aos jovens cristãos, que enfrentam dúvidas logo na adolescência. “Trabalhar com jovens é o caminho para a Igreja Cristã construir melhores casamentos. Penso que os casais quebrados hoje foram adolescentes mal informados no passado. Arrumando isso poderemos fortalecer o bem mais precioso para Deus, a nossa família”, conclui.