Pressão pode emperrar projeto que limita teto do funcionalismo a R$ 33,7 mil

Constituição prevê que funcionários públicos não ganhem mais do que ministros do Supremo, mas na prática o acúmulo de benefícios rende salários bem mais gordos.

Por Paula Pacheco**

Em época de cofres vazios, a União, Estados e municípios podem estar perto de ganhar um alívio nas contas. Tudo vai depender da votação do Projeto de Lei 3123/2015, que trata do cumprimento da Constituição e prevê que o teto do funcionalismo público não seja superior ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – hoje de R$ 33,7 mil.

O PL deve entrar na pauta na Câmara dos Deputados nesta semana. Se o texto for aprovado, a economia nas três Esferas poderá chegar a cerca de R$ 10 bilhões por ano. Só o governo federal deixaria de desembolsar R$ 1 bilhão.

Apesar de o PL encaminhado pela área econômica do governo apenas confirmar o que já determina o artigo 37 da Constituição, o tema é polêmico e carrega uma série de interesses. Juízes, promotores, procuradores, delegados e parlamentares que acumulam benefícios e embolsam mais do que o teto têm se empenhado para derrubar o texto.

Uma das manobras recentes tirou a relatoria do projeto das mãos de Nelson Marchezan (PSDB-RS), que defende o cumprimento da Constituição. O deputado não conseguiu que seu relatório na Comissão de Finanças e Tributação fosse votado. Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, tirou Marchezan da relatoria e definiu para a posição Ricardo Barros (PP-PR). O parlamentar tentou colocar o texto, que utiliza quase que integralmente o relatório de Marchezan, para discussão em plenário na semana passada, mas um acordo entre os líderes dos partidos transferiu a votação para esta semana.

Apesar de a questão dar sinais de caminhar para a fase final, os bastidores dessa história mostram que a discussão ainda pode ir longe. As entidades de classe que representam parte do funcionalismo devem se reunir com Barros antes da votação para tentar uma nova rodada de argumentos. O novo relator é categórico: “Esses funcionários públicos não são uma casta diferente dos demais brasileiros. Trata-se apenas de cumprir a Constituição.”

O relator garante que não tem sofrido pressão para deixar passar algum tipo de vantagem para os funcionários que recebem acima do teto. “Os líderes de juízes e promotores estão mobilizados, mas estão no papel deles de defender quem representam”, diz Ricardo Barros. Segundo o parlamentar, a votação pode até não acontecer nesta semana, mas o relatório será aprovado. “Não tenho problema em negociar mais ou menos tempo. O que não dá é para a Constituição não ser cumprida. Os governos não vão dar conta dessas despesas tão altas, por isso é preciso regular os gastos”, afirma.

Marchezan Junior sugeriu que o funcionalismo tenha como teto salarial o valor pago aos ministros do STF, conforme prevê a Constituição.
Marchezan Junior sugeriu que o funcionalismo tenha como teto salarial o valor pago aos ministros do STF, conforme prevê a Constituição.

“Enriquecimento ilícito”

Ex-relator do PL, Nelson Marchezan é um crítico antigo dos altos salários recebidos pelo funcionalismo, o que já lhe rendeu muitas inimizades, especialmente no Judiciário. “Esses altos salários são a realidade para uma minoria. Enquanto alguns poucos recebem R$ 100 mil, R$ 200 mil por mês, há Estados e prefeituras com problemas de caixa que estão atrasando salários ou fixando tetos e pagando em parcelas. É o caso de Porto Alegre, que vai pagar até R$ 1.750 aos funcionários estaduais porque não tem dinheiro. Receber acima do teto é um enriquecimento ilícito”, explica o tucano.

Segundo Marchezan, a votação do relatório não deve acontecer. Em parte, explica o parlamentar, porque há a pressão entre parte dos parlamentares que também descumprem a Constituição, acumulam salários e bonificações e recebem bem mais do que o teto de R$ 33,7 mil por mês. “Há de tudo na Câmara, de governador a delegado aposentado. Fora, é claro, a pressão que os juízes e promotores estão fazendo para que o limite do teto não seja seguido”, explica.

Marchezan critica a decisão de Cunha de afastá-lo da relatoria. E justifica: “Sou do Conselho de Ética e minhas críticas ao presidente da Câmara devem ter desagradado. Não seria a primeira vez que ele exerceu o poder que tem para trocar os parlamentares. “É relataliação.”

O ex-relator do PL teme que a pressão das entidades de classes que representam o funcionalismo público se intensifique nesta semana e esfrie o clima para a votação do relatório. “Eles [presidentes de associações e sindicatos de procuradores, juízes e delegados] estão pressionando desde o ano passado para que seus benefícios sejam mantidos. O que eles não entendem é que devem procurar outro patrão se querem continuar a receber salários tão altos, não o patrão contribuinte”, diz.

** iG São Paulo

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