MÍDIA & POLÍTICA: A baixaria como norma

É uma notícia fantástica, publicada num grande e importante jornal impresso: fala de um relatório da Polícia Federal sobre “as andanças de Fábio Luiz Lula da Silva”, filho do ex-presidente Lula, em Foz do Iguaçu; e os encontros que manteve com diretores da Itaipu Binacional

Por Carlos Brickmann*

É uma notícia fantástica, publicada num grande e importante jornal impresso: fala de um relatório da Polícia Federal sobre “as andanças de Fábio Luiz Lula da Silva”, filho do ex-presidente Lula, em Foz do Iguaçu; e os encontros que manteve com diretores da Itaipu Binacional, incluindo um amigo da família, Jorge Samek. Houve alguma irregularidade? O relatório não menciona crime algum. Mas, na cópia a que “a reportagem teve acesso” (traduzindo: alguma autoridade com algum interesse no caso a vazou), há a indicação de “confidencial”. O comentário, também citado pela reportagem, é de que o relatório foi classificado pela Polícia Federal como “caso de enriquecimento ilícito”. E de que se trata o tal enriquecimento ilícito? O relatório não diz. O vazamento, devidamente amplificado pelos meios de comunicação, também não diz – mas o tom acusatório do documento “a que a reportagem teve acesso” diz tudo o que não é dito.
Em resumo, é o nada transformado em tudo, graças não a informações, mas ao tom agressivo do texto. Fica aquela ideia de que “alguma coisa deve ter acontecido”, que “a imprensa sabe de alguma coisa a mais mas não pode publicar porque está censurada”, e bobagens do mesmo tipo. A notícia é falsa? Pode até não ser; mas, do jeito que está, não há qualquer justificativa para publicá-la.
E, por falar em nada transformado em tudo, as hordas virtuais de militantes do PT batem o tempo todo na tecla de que o candidato do PSDB à Presidência, Aécio Neves, é “traficante de cocaína” (e “traficante da pesada”). Alguma prova, algum indício? Nenhum – apenas a afirmação. Quando apertados, os militantes costumam falar no helicóptero pertencente à família Perrella, no qual foi apreendida quase meia tonelada de cocaína. E que é que tem Aécio a ver com Perrella? São amigos, explicam. São no mínimo conhecidos, é verdade; com certeza se chamam pelo primeiro nome ou por apelidos, se tratam com cordialidade. Mas Zezé Perrella, o chefe da família, pertence ao PDT, partido que apoia a presidente Dilma Rousseff. As mesmas ilações podem ser feitas de um lado ou de outro. E ambas, claro, são besteira, baixaria pura, coisa de gente ordinária que quer ganhar as eleições a qualquer custo.
Este colunista não conhece pessoalmente o filho de Lula, Fábio Luiz, nem Aécio, nem Dilma (e só sabia quem é Perrella por ter sido presidente do Cruzeiro). Mas acompanha política o suficiente para saber que, excetuando-se os fundamentalistas de Facebook, nada impede que adversários ideológicos tenham bom relacionamento pessoal. Mauro Santayana, jornalista brilhante, de texto esplêndido, é esquerdista a tal ponto que foi aceito para trabalhar na Rádio Havana, como chefe do setor de transmissões em português; isso não o impediu de trabalhar com o governador mineiro Tancredo Neves, moderado até no seu radicalismo de centro, e de exercer grande papel nas articulações que o levaram a eleger-se presidente da República. Roberto Jefferson e Pedro Abrão, conservadores, sempre se entenderam muito bem com Marta Suplicy.
Isto é política: é preciso manter contatos e colocar o futuro acima de diferenças pessoais e/ou ideológicas, sem medo e sem ódio. Tancredo e Magalhães Pinto, adversários permanentes na política mineira, se uniram para formar um partido que pudesse servir de fiel da balança entre PMDB e PDS. Adversários, sim; mas ambos moravam no mesmo e magnífico prédio à beira-mar, no Rio de Janeiro, sempre que estavam por lá, e juntos tomavam aquele café ralinho, adoçado com rapadura e acompanhado por bons pães de queijo, quentinhos. Ganhar eleições é importante, é a função primeira de um político e de um partido; mas sempre deixando a possibilidade de tornar-se uma oposição leal, quando se é derrotado. O rancor é péssimo conselheiro.
Lembremos John McCain, ao reconhecer a vitória de seu rival Barack Obama: “Até agora ele era meu adversário. De agora em diante é meu presidente”.

Linha de tiro
Juca Kfouri relatou de maneira simpática um encontro de repórteres esportivos com a presidente Dilma Rousseff. Foi o suficiente: encheram sua caixa de e-mails de insultos por ter “aderido”, ou por “ser tucano e tentar infiltrar-se”. Não se levantou a hipótese de ter relatado o encontro de maneira simpática porque o encontro tenha sido produtivo, ou agradável, ou porque a presidente tenha se comportado simpaticamente. Há muita gente, inclusive nas campanhas, achando que tudo que se faça contra os adversários é eticamente defensável. Mesmo que o nível baixe até o mais profundo abismo dos oceanos.

Chega de perseguição 1
O antigo secretário da Segurança de São Paulo, Antônio Ferreira Pinto, hoje abrigado sob as asas da Fiesp, acaba de perder por unanimidade, no Tribunal de Justiça, o processo que moveu contra o bom repórter Fábio Pannunzio, da Rede Bandeirantes. Apanhou e não tem mais apelações possíveis: é engolir calado o pó da derrota e coçar o bolso para pagar o advogado de Pannunzio.
Ferreira Pinto se notabilizou pelo estilo agressivo de comandar a Secretaria da Segurança – agressivo e, como se comprova pela sensação de insegurança vigente no Estado, inoperante. Notabilizou-se também por negar a força do crime organizado (a seu ver, o PCC se limitava a meia dúzia de líderes, todos presos e neutralizados) e por, durante uma guerra em que bandidos saíram às ruas atirando em policiais, ter ido a Buenos Aires para assistir a um jogo de futebol.
Após deixar a Secretaria da Segurança, Ferreira Pinto entrou no PMDB, foi trabalhar na Fiesp com o candidato do partido ao Governo, Paulo Skaf (que disputa contra seu antigo líder, Geraldo Alckmin), e diz que será candidato a deputado. Que tenha boa sorte. E aprenda que perseguir jornalistas corretos não é uma boa política.

Chega de perseguição 2
Por falar em perseguição, há um caso notável em curso. O conselheiro Robson Marinho, do Tribunal de Contas do Estado, antigo homem-forte do governo Mário Covas (que inaugurou a dinastia tucana até hoje no poder em São Paulo), está sendo acusado de ter obtido vantagens indevidas de empresas encarregadas da construção do metrô e de trens metropolitanos. Há um bloqueio de conta bancária do conselheiro na Suíça, há uma série de denúncias. E uma rede de TV, investigando o caso, chegou a uma belíssima casa, de sua propriedade. A casa, dizem as reportagens, foi vendida a Robson Marinho com valor declarado equivalente a metade do valor venal; e quitada com uma nota promissória que venceria dez meses mais tarde.
Bom, a casa citada pertenceu, em outra época, a um consultor de empresas do setor metroferroviário, Arthur Teixeira, que também vem sendo investigado. E a rede de TV resolveu conectar os dois casos. Acontece que:
1. A casa efetivamente pertenceu a Teixeira, que nela morou por dez anos. Ela a colocou à venda por meio de uma grande empresa imobiliária. Dois anos depois, a venda foi efetivada. Uma parte do preço foi paga com um apartamento, no qual Teixeira morou por mais dez anos.
2. Três anos após a venda (e, portanto, cinco após a decisão de Teixeira de negociá-la) o comprador resolveu colocá-la no mercado. E o comprador foi Robson Marinho. Teixeira há muito tempo já não era dono da casa, não tinha nada com isso. Não tinha motivo nem para saber a quem o proprietário que lhe comprara a casa a estava agora vendendo. Qual o preço, a forma de pagamento, a negociação, tudo ficou entre o proprietário e o comprador.
3. Qual a relação entre Teixeira e Marinho, na negociação da casa? Nenhuma. Tanto não era nenhuma que a emissora não procurou o cavalheiro que a havia comprado e que fizera a venda a Marinho. Ele, que poderia esclarecer tudo sobre o preço de venda real, o preço declarado (se diferente do real), as condições de pagamento, foi completamente ignorado. E as perguntas foram feitas a quem já não era dono do imóvel na época do negócio.
Final da história: a notícia foi veiculada em 6 minutos e 28 segundos. Teixeira foi citado em 2m20s. E sua explicação foi comprimida em 22 segundos – com direito a caras e bocas dos apresentadores, que procuraram demonstrar que não acreditavam nela. Seria a explicação tão impossível assim?
Talvez não. Quando este colunista se mudou para São Paulo, na época em que nem TV a lenha ainda existia, foi morar numa casa bem velhinha, e lá ficou por 15 ou 16 anos. Recentemente, soube que a casa foi tombada (há quem diga que, em eras ainda mais priscas, quando nem rádio a lenha era conhecido, alguma personalidade morou lá). Qual a relação entre esta figura ilustre e o digitador de textos que agora vos escreve? Pois é – e, no entanto, gastou-se tempo de TV, agora colorida e com LEDs, para tentar destruir a reputação de uma pessoa, num caso em que rigorosamente ela não tem nada com o peixe. FONTE: Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br)
**Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&AssociadosComunicação

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