Luiz Gonzaga: Os cem anos de um ícone que saiu do Nordeste para ganhar o Brasil

Capa de um dos vários Lps de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião

Artistas como Gilberto Gil, Elba Ramalho, Zeca Baleiro, Daniela Mercury,  Fafá de Belém e Chico César falam  sobre o legado do Rei do Baião

Augusto Gomes*

Para Gilberto Gil, ele é seu “ícone maior”. Na opinião de Elba Ramalho, ele é uma figura “só comparável a Carmen Miranda”. Zeca Baleiro acredita que há um “vestígio dele em todo compositor brasileiro”.
Fafá de Belém o define de uma maneira bem simples: um “mito”. Chico César, por sua vez, diz que ele “reinventou o modo de ver e viver o Nordeste”.
Se estivesse vivo, o criador de “Asa Branca” completaria 100 anos no dia 13 de dezembro. Mas as comemorações já estão acontecendo. Duetos póstumos, relançamentos e tributos homenagearão o compositor, que é o mais tocado em festas juninas, segundo dados do Ecad (Escritório Central de Arrecadação).
No ano passado, Gonzagão colocou três canções entre as dez mais tocadas no período junino: “Olha pro Céu” (3º lugar), “Pagode Russo” (8º lugar) e “Asa Branca” (9º lugar). No top 50, foram mais cinco composições: “São João na Roça”, “O Xote das Meninas”, “Fogo Sem Fuzil”, “Quero Chá” e “Forró No Escuro”.
Gonzaga começou a gravar em 1941, quando já morava no Rio de Janeiro. Aos poucos, foi tornando ritmos nordestinos como baião, forró e xote populares em todo o Brasil. Seu maior sucesso, “Asa Branca”, foi lançado em 1947.
Foi mais ou menos nessa época que Gilberto Gil ouviu suas canções pelo rádio, na pequena cidade de Ituaçu, no interior da Bahia. “Por eu ter passado a infância no sertão, numa cidade marcada pela cultura do boiadeiro, do cantador, do repentista, Luiz Gonzaga é meu ícone maior”, explica.
“Ele sempre foi a referência maior da gente”, diz outro artista nordestino, o cearense Raimundo Fagner. “O primeiro show que vi na vida foi dele. Tinha seis ou sete anos. Ele era endeusado aqui no Nordeste.”
Para o paraibano Chico César, Gonzaga é “guia de todos artistas nordestinos”. “Mais que isso, ele é guia de quase todos os homens nordestinos. Gonzaga reinventou o jeito de enxergarmos e vivermos o Nordeste”, completa. “Era um homem negro, do interior nordestino, cantando seu lugar no mundo.”
Ao fazer isso, revelou parte do Brasil aos brasileiros. Por isso, Elba Ramalho o considera um “ícone da cultura popular comparável a Carmen Miranda”. Na opinião de Fafá de Belém, Gonzaga era “um mito” mesmo em vida. “Ninguém cantou o chão do Brasil como ele.”
O problema é que tamanha identificação com o Nordeste fez com que muita gente visse Luiz Gonzaga como um artista apenas regional. O que, para Zeca Baleiro, é um erro. “De Tom Jobim a Gilberto Gil, de Chico César a Odair José, em todo compositor brasileiro há algum vestígio de Gonzaga”, afirma “Ele foi lírico, malicioso, alegre, pungente… A obra dele é muito abrangente.”
“É uma barreira que o Brasil ainda precisa quebrar: ver o samba como algo de todo o Brasil e o baião e o forró como algo só do Nordeste, algo folclórico”, afirma Karina Buhr. Nas palavras de Chico César: “O Sudeste se colocou como centro do país durante muito tempo e isso gerou uma visão distorcida de si mesmo e do resto. Como se o que não é Sudeste fosse periferia.”
Para Odair José, Gonzaga é um dos grandes inventores da música brasileira e não deve nada a nomes como Tom Jobim ou Pixinguinha. “Ele inventou um estilo de música. Não pegou de lugar nenhum, criou. Ele era único no que fazia”, diz o cantor.
Memória afetiva
Outro ponto em comum citado por diversos artistas ao iG é como a obra de Luiz Gonzaga faz parte da “memória afetiva” do povo brasileiro. O termo é usado, por exemplo, por Daniela Mercury.
“Gonzaga faz parte de minha vida desde que nasci, por ser brasileira, por ser nordestina e por ser artista”, afirma. “Parece que tem cheiro de milho, de canjica, de fogueira, que toda criança gosta. E a gente nunca deixa de ser criança.”
Já Karina Buhr disse que “se sente em casa” quando ouve Luiz Gonzaga. “Não sei como explicar direito. É como se suas músicas sempre tivessem existido. Não parece que alguém as fez”, diz.
Ou, como explica Maria Alcina: “Eu estaria mentindo se falasse que ouço Luiz Gonzaga desde criança. É mais do que isso: já nasci ouvindo. Mais ainda: ouvia na barriga da minha mãe. É assim com a maioria dos brasileiros”.
*( iG São Paulo)

 

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