JUSTIÇA? – ‘Me senti humilhada’, diz mãe que recebeu voz de prisão em audiência após se expressar contra acusado de matar o filho dela.
Ministério Público pediu ao juiz que se afaste do caso. A Corregedoria-Geral da Justiça de Mato Grosso abriu uma investigação contra o juiz.
DA REDAÇÃO**
A cabelereira Sylvia Mirian Tolentino de Oliveira, que recebeu voz de prisão do juiz Wladymir Perri, durante uma audiência de instrução sobre o assassinato do filho dela, morto a tiros em 2016, descreveu o episódio como “constrangedor e humilhante”. A audiência foi em setembro, mas o caso ganhou repercussão neste mês, quando um vídeo começou a circular nas redes sociais.
“Me senti muito humilhada e caluniada. Eu estava ali só pela justiça do meu filho. Você chega na frente de um juiz, de uma autoridade que é estudada para isso, para poder te defender, mas você é julgada por uma coisa que não fez. Você recebe voz de prisão”, ressaltou.
Sylvia contou que desejava poder falar sem ser interrompida naquele momento. Para ela, aquele lugar era seguro para se expressar. Ela afirmou ainda que não imaginava que a situação se voltaria contra ela.
A cabeleireira ainda relatou que todo o processo fez com que ela ficasse doente e que ela até perdeu o emprego por causa de um período de depressão que viveu.
“Sinto muita dor. Entrei em depressão, perdi o emprego e sofro até hoje. Além disso, meu filho deixou uma filha com a minha nora, que também sofre muito”, pontuou.
A Corregedoria-Geral da Justiça de Mato Grosso abriu uma investigação, na última quarta-feira (18), contra o juiz. Segundo o órgão, o procedimento tem prazo de 140 dias e tramita em sigilo.
O advogado do réu informou que registrou boletim de ocorrência contra Sylvia pelo crime de ameaça e calunia, devido ao tom grosseiro e aos xingamentos ao advogado após a prisão. Segundo ele, fato dela ser mãe de uma vítima assassinada não justifica a reação dela.
Voz de prisão
Quando a audiência foi encerrada, Sylvia se levantou e jogou um copo de plástico que segurava. Em seguida, ela se voltou ao réu e disse: “da justiça dos homens você escapou, mas da justiça Deus não escapa”. Em seguida, recebeu voz de prisão.
“Quando veio a voz de prisão, eu disse pra ele: eu vou presa doutor, mas eu vou com dignidade. Você pode me prender, que eu vou com dignidade, porque é meu direito de fala, e eu quero falar. Foi quando ele mandou me prender”, contou a cabeleireira.
Syvian pede que o magistrado reconheça que cometeu uma injustiça. “Eu espero que a justiça seja feita, e que o doutor juiz reconheça que ele errou comigo. Eu não deveria ser presa e isso me dói muito. Eu fiquei com muita vergonha. Era para ele me defender”.
Ordem de prisão
A ordem de prisão ocorreu no momento em que Sylvia Mirian Tolentino de Oliveira depunha e se manifestou contra Jean Richard Garcia Lemes, réu pelo assassinato de seu filho, ocorrido em 10 de setembro de 2016.
Jean Richard responde em liberdade pelo crime.
Segundo o Ministério Público Estadual, ele assassinou o filho de Sylvia usando uma arma de fogo, por meio de recurso que impossibilitou a defesa da vítima.
No início do depoimento, a promotora do caso, Marcelle Rodrigues da Costa e Faria, perguntou se Sylvia estava constrangida de prestar o depoimento na frente do réu.
“Não, por mim ele pode ficar aí, para mim ele não é ninguém”, respondeu Sylvia à promotora.
O advogado do réu então exigiu respeito com o seu cliente, momento em que Sylvia reitera seu posicionamento.
“Para mim não é ninguém. O fato de eu falar que ele não é ninguém, não vai tirar o que eu vou falar aqui, nem o que eu penso dele e o que ele pensa a meu respeito. Eu não estou nem aí. Estou aqui para falar sobre o que aconteceu”, disse ela.
Após isso, ela foi interrompida pelo juiz, que também exigiu respeito e “inteligência emocional”.
Inicia-se uma pequena discussão e então o magistrado decide encerrar a audiência. Neste momento, revoltada, a mãe da vítima se levantou, apontou para o réu, bateu na mesa e disse alguma coisa.
Assim, antes de ela sair da sala, ela recebeu a voz de prisão do juiz Wladymir Perri. Assista ao vídeo abaixo.
Pedido de afastamento
O Ministério Público de Mato Grosso pediu ao juiz que se afaste do caso. O pedido foi feito pelo promotor de justiça, Vinicius Gahyva Martins, na quinta-feira (19).
Em nota, a assessoria do juiz informou que ele está afastado após uma cirurgia e que o pedido de afastamento ainda não foi analisado.
De acordo com a Ação Penal enviada pelo MP, o magistrado não foi imparcial ao julgar o caso. “Em face do Exmo. Sr. Juiz Wladymir Perri, que, nos autos da Ação Penal, demonstrando clara parcialidade, tutelou indevidamente o direito do réu, em detrimento do direito da vítima”.
Segundo o promotor, a mãe passou por um processo de revimitização durante a audiência, pois, além de passar pelos episódios traumáticos, ela recebeu voz de prisão e ainda foi privada de prestar depoimento, direito que, legalmente, ela possui.
“A Convenção Americana de Direitos Humanos afirma que toda pessoa tem o direito de respeito à vida, destacando que ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente, e que toda pessoa tem direito a ser ouvida, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, para que se determine seus direitos”, consta no documento.
Entenda o caso
De acordo com a promotora do caso, Marcelle Rodrigues da Costa e Faria, tudo começou quando foi perguntado à mãe se ela estava confortável em prestar depoimento na frente do réu, investigado por assassinar o filho dela a tiros em 2016.
“Achei que se retirasse ele da sala, talvez ela ficasse mais tranquila em prestar o depoimento. Nesse momento, ela mostra coragem e diz que não teria problema ele acompanhar, pois o reú não era ninguém pra ela”, disse.
Logo pós a fala da mulher, o advogado do réu interveio pedindo respeito ao acusado e, em seguida, o juiz passa a repreender a mãe.
“O juiz exigiu um comportamento daquela senhora, sem compreender a situação que ela estava. Então, eu intervi de novo, dizendo que eu queria ouvi-la, mas novamente o juiz exigiu da vítima inteligência emocional. Novamente, pedi que a vítima pudesse contar a história dela, mas o juiz não quis e encerrou a audiência”, narrou.
Quando a audiência foi encerrada, a mãe do jovem assassinado se levantou e jogou um copo de plástico que ela segurava. Em seguida, segundo a promotora, ela se voltou ao réu e disse: “da justiça dos homens você escapou, mas da justiça Deus não escapa”. Nesse momento, ela recebeu voz de prisão.
“Na ata da audiência, o juiz disse que a mulher, no momento que jogou o copo, danificou patrimônio público, quebrando o bebedouro. Mas como um copo de plástico quebra um bebedouro?” questionou. Além disso, na ata também constava que ela xingou o magistrado, mas também não ficou comprovado”, disse a promotora.
Depois da audiência, a mãe foi levada para a delegacia e prestou depoimento. O delegado, no entanto, optou por não lavrar flagrante, pois concluiu que não havia provas.
FONTE: g1 MT