Entrevista / Álan Barbosa – prefeito de Alto Paraíso
“Os valores do ICMS Ecológico estão mal distribuídos e não valoriza quem realmente preserva.”
O Estado de Goiás aprovou, em 2007, emenda na constituição destinando 5% dos recursos passíveis de serem regulamentados por Lei Estadual para o ICMS Ecológico, o que criou as condições para que fosse aprovada legislação que objetiva a operacionalização do ICMS Ecológico. Com respaldo do governador Marconi Perillo, do presidente da Assembleia Legislativa, Helder Vallin, e do então secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Leonardo Vilela, o projeto foi encaminhado à Assembleia Legislativa, mas foram tantas as Emendas apresentadas que acabaram desfigurando o trabalho feito pela Semarh e, consequentemente, atrasando a implantação do ICMS Ecológico no estado. A aprovação com distorções do que foi apresentado aos prefeitos pelo governo, através da Semarh, gerou frustração. E é a bandeira de um novo debate que o prefeito de Alto Paraíso, Álan Barbosa, começa a levantar. Sobre isso, ele fala com exclusividade ao Jornal O VETOR.
Roberto Naborfazan
– O VETOR: Prefeito, o senhor foi um dos primeiros a encarar essa luta pelo ICMS Ecológico, está satisfeito com o resultado?
– Álan Barbosa: O critério prioritário de ICMS ecológico nos estados onde já foi aprovado, está relacionado com compensação ambiental, ou seja, contemplar municípios que tem áreas de unidade de conservação (proteção integral, como um Parque ou de uso sustentável como uma APA). Em Goiás o ICMS ecológico, além de estabelecer mais deveres para municípios com áreas de conservação, não atendeu o objetivo de priorizar a compensação ambiental.
OV: Alto Paraíso deveria ser melhor contemplado nessa distribuição?
– ÁB: Esse é o ponto onde quero chegar, que é onde entendo que tem uma injustiça nesse processo. Quando foi aprovada a lei do ICMS ecológico, por exemplo, o secretário Leonardo Villela, fez um trabalho muito positivo, indo de região em região. Foi a Alto Paraíso, apresentamos uma série de propostas para a lei de ICMS ecológico, que eram bem inovadoras, e nada foi considerado pela assembleia legislativa. O projeto foi enviado à assembleia legislativa e foi aprovado totalmente desfigurado, em dezembro de 2011, quase no apagar das luzes. Por que foi desse jeito? Por que não houve discussão? Eu sei que a própria AGM, infelizmente, atuou para que a coisa fosse feita para contemplar muitos municípios, ignorando o fator prioritário que é a compensação ambiental.
OV: Em Julho de 2013, quando Governador recebeu os prefeitos, no Palácio, a Assembleia já havia votado essa decisão que o senhor está cobrando?
– ÁB: A Lei já havia sido aprovada naquela época, e faltava regulamentação. Quando fez a regulamentação a SEMARH tentou, pela Jaqueline Vieira (superintendente na época, e atualmente secretária), que é comprometida com a causa ambiental, priorizar o aspecto da compensação, E havia pouco mais de 20 municípios contemplados na historia. De repente, são 83 municípios no estado de Goiás contemplado pelo ICMS ecológico. É interessante, quando iniciamos a luta na questão no ICMS ecológico, e nos lutamos muito por isso, alguns prefeitos caminharam com a gente, fomos orientados por uns, ajudados de alguma forma por outros, não éramos tantos. Na primeira avaliação da Semahr eram pouco mais de 20, hoje são 83. A pergunta que faço é a seguinte: O que levou tantos municípios serem contemplados pelo ICMS Ecológico? Alguns municípios declararam a Semarh que cumpriram as exigências legais, mas houve fiscalização? Acompanhamento? Precisamos saber se os critérios foram respeitados de acordo com a legislação, técnicos, efetivos ou se forem usados critérios políticos.
A legislação estabelece que há 09 itens para se cumprir. Dentre os 09, um deles é a compensação ambiental. Os outros itens citam, entre outras coisas, colocar pessoa para apagar fogo, ter solução diária de código de obras, etc. São questões importantes, mas não teriam que estar vinculadas ao icms ecológico. Tem uma série de ações que municípios com mais recursos financeiros poderão implementar, outros irão precisar de ajuda para implementar. Fiz uma colocação, em entrevista sobre o assunto para um outro jornal, mas algumas informações foram distorcidas e aqui esclareço: Nos critérios estabelecidos não é só quem tem dinheiro que pode cumprir, mas quem tem dinheiro tem mais facilidade. O princípio do ICMS ecológico é oferecer aos municípios, que são privados de área para o seu desenvolvimento, uma compensação financeira para poder ter o custeio de suas necessidades e de suas atividades. Não acontece com muitos municípios, mas é a nossa realidade. Outra correção é que foi colocada uma informação equivocada de que 40% de todo o território de Alto Paraíso esta vinculado ao parque nacional. Pelo contrário, o Parque Nacional tem 65 mil hectares, 40% dele é em Alto Paraíso e 60% em Cavalcante. Então de 65 mil hectares, temos 40% em Alto Paraíso como unidade de proteção integral. O restante todo, aproximadamente 2.000 km², é integralmente unidade de conservação de uso sustentável, ou seja, 100% do meu município é unidade de conservação. Somos integralmente unidade de conservação e não está previsto em nenhum dispositivo legal que isso traga algum beneficio, que o município seja valorizado por isso. Então de que vale o município inteiro ser um município Parque, ser o município todo uma unidade conservação? O conceito prioritário de ICMS ecológico em todo o Brasil é a compensação ambiental, porque é diferente em Goiás?
– OV: Os prefeitos que formam o consórcio intermunicipal da Chapada dos Veadeiros pensam dessa mesma forma?
– ÁB: Estou neste questionamento há mais tempo, mas sei que temos afinidades de pensamento. Todos nós, por exemplo, fazemos parte da APA do Pouso Alto, sendo que Alto Paraíso e Colinas integralmente. Aliás, em Colinas, o pedaço que não é da APA é área indígena, dos Avá Canoeiros, também limitada de uso. São João D’Aliança, Cavalcante e Teresina tem um pedaço, mas todos nós temos uma unidade de conservação e um apelo de conservação ambiental. A Chapada dos Veadeiros tem todo esse apelo. Agora, se nós somos a área mais preservada do estado, maior ÁREA DE cerrado de altitude preservado do Brasil, porque não tem diferenciação dos demais municípios? Isso precisa ser aprimorado de alguma forma, por exemplo, o município que tem 100% de sua área como unidade de conservação poderia ter pontos a mais do que os outros para poder ser contemplado com o recurso do ICMS Ecológico. É preciso também um critério mais rigoroso na avaliação dos municípios que são contemplados. Que tipo de unidade de conservação tem? Quanto da área que é unidade de conservação? Isso precisa ser melhor avaliado. Há muita diferença da região da Chapada dos Veadeiros, do Araguaia e outras áreas que declaram ter unidades de conservação.
– OV: O senhor tem algum critério? Algum pré-projeto, já discutiu com alguém ou algum grupo para apresentar alternativa?
– ÁB: Tenho um pensamento de um pré-projeto, de uma ideia. Tentei conversar com a diretoria da AGM, que defende uma grande maioria dos municípios que não querem prejuízo nenhum, ou seja, não abrem mão de recursos para contemplar questão ambiental, então ajudam a forçar a barra do entendimento do que tudo é questão ambiental para poderem ser contemplados também e não perderem. Tanto que não tive espaço na AGM, pois me coloquei a disposição para participar da comissão de meio ambiente, falei que queria discutir o assunto e nunca fui chamado e comunicado para nada. Mas eu sei que tenho o espaço como prefeito, E vou ter sempre a possibilidade de falar, como estou falando, vou sempre questionar.
– OV: O governador Marconi Perillo sempre se mostrou disposto a implantar o ICMS Ecológico e a debater o quinhão para cada município, há algum questionamento em relação ao governo do estado?
– ÁB: Marconi Perillo teve a coragem de enfrentar esse tema e coloca-lo adiante e isso já é um grande passo. Acredito na boa vontade do governador quanto a esse assunto, mas aquilo que foi dito na audiência, quando estivemos no Palácio das Esmeraldas, e gerou muita expectativa positiva, acabou se tornando frustração para nós que realmente preservamos. Tenho sempre o questionamento da clareza de informações nos ambitos estadual e federal. Por exemplo, informações que recebemos do Coindice você não tem como reclamar, você simplesmente aceita, trabalha como informação oficial.
E isso é outra coisa que eu disse e não foi bem compreendida na entrevista ao outro jornal, não tenho como confirmar a situação financeira do governo federal. Todo ano se anuncia que o governo federal teve recorde de arrecadação, e a gente não vê recorde de repasse para os municípios. Tem alguma coisa errada, porque a arrecadação do governo federal compõe, através do FPM, a base de sustentação financeira dos municípios. Onde esta essa compensação, onde está esse recorde de arrecadação que não chega aos municípios?
O que se vê é o arrocho constante dos prefeitos, que tem cada vez mais obrigações e cada vez menos recursos. Todo ano tem piso nacional dos professores, tem o reajuste do salário mínimo, entre outras obrigações. Dizem que cada município tem que se autodesenvolver, mas o nosso está privado de se desenvolver porque grandes áreas foram tiradas para preservação, e proporcionalmente, não vamos ganhar nada com isso?
Por isso, volto a repetir, os valores do ICMS estão mal distribuídos e não valoriza quem realmente preserva.
Quando falo do governo federal é apenas para ilustrar que não temos condições de fiscalizar o que realmente acontece em termos de arrecadação nas esferas estadual e federal, temos que acreditar e nos adequar.
Por exemplo, o governo estadual disse que arrecadou no mês de janeiro de 2013, R$ 203 milhões, agora nos diz que arrecadou em janeiro de 2014 R$ 152 milhões, um decréscimo de R$ 51 milhões. Eu não tenho como questionar esses dados, mas significa que no ano passado, sem o ICMS Ecológico, nosso município recebeu R$ 194 mil em janeiro e em 2014, no mesmo período, recebemos R$ 201 mil, ou seja, apenas R$ 7 mil de diferença. Só que nessa conta de 2014 está incluso, segundo cálculo do governo, R$ 75 mil de ICMS Ecológico. Se retirarmos esse valor, ficamos com R$ 126 de repasse do governo, uma diferença gritante que desestabiliza as finanças do município. É como se o governo desse o ICMS Ecológico com uma mão e retirasse, com a outra, rendimentos dos ICMS convencional. Não estou fazendo acusações, estou apenas constatando que não tenho como fiscalizar, com clareza, a distribuição desses repasses.
– OV: Prefeito, qual é sua expectativa? O senhor diz que não se conforma e não vai se calar. O senhor tem um grupo de prefeitos e lideranças que respaldam seu posicionamento? Sabemos que em questões como essa a união faz muita diferença.
– ÁB: Estou levantando essa bandeira, tenho certeza que os prefeitos que compõem o consórcio da Chapada dos Veadeiros comungam com nossas ideias, porque vivenciamos a mesma realidade. Existem municípios na nossa região (nordeste goiano) e em outras partes do estado que estão sofrendo a mesma situação que nós e assim que o debate for levantado, com certeza eles se posicionarão ao nosso lado. Então eu vou falar e tenho argumentos para mostrar as questões que estão sendo apresentadas, não vou me conformar, não vou me calar nem ficar omisso diante do que acho que está sendo uma injustiça com os municípios que verdadeiramente preservam.
É certo que não tem um valor fixo e seguro, mas quando começamos essa luta, em conversas na Semarh, a previsão, extraoficial, era de que cada município com área de preservação receberia cerca de R$ 200 mil por mês do ICMS. Só que, quando a coisa começou a andar e aqueles que tentavam impedir viram que era irreversível, começaram a se movimentar com o pensamento tipo, se não posso impedir, vou fazer parte. E isso, em minha opinião, foi o que desvirtuou o processo.
Fui pressionado pelo Condema e pela própria Câmara de vereadores sobre recursos do ICMS Ecológico. Me pediam para destinar um percentual do ICMS Ecológico para desenvolver projetos ambientais, destinar recursos para o fundo municipal do meio ambiente. Isso acaba gerando algum desgaste, visto que tive que provar para essas pessoas que o governo sinalizou com uma coisa e chegou outra, pois estamos recebendo, praticamente, os mesmos valores de anos anteriores do ICMS.
Também na entrevista para outro jornal, colocaram que nunca fomos ouvidos. Fomos ouvidos, sim. Pelo Leonardo Vilela, Pela Jaqueline Vieira e todo o pessoal da Semarh, que foram a Alto Paraíso e nos deram a chance de opinar.
Colocaram que se não recebesse o ICMS Ecológico o município estaria quebrado, foi outro equivoco, eu disse que sem ele estaríamos em maiores dificuldades, porque municípios que dependem do FPM, não tem muitas opções de geração de recursos e ainda tem restrições ambientais para seu pleno desenvolvimento. Mesmo que estejamos buscando rediscutir essa distribuição, os valores recebidos do ICMS Ecológico aliviam, apesar de não alcançar a expectativa que foi gerada. Vou repetir, é preciso repensar essa situação e manterei esse posicionamento. Ainda temos tempo para consertar algumas questões e fazer com que O ICMS Ecológico do estado de Goiás seja efetivamente ecológico, priorizando critérios de compensação ambiental.
AGM responde
Por telefone, a assessoria de imprensa da Associação Goiana dos Municípios (AGM) esclarece que seu presidente, Cleudes Bernardes “Baré”, vem promovendo um amplo debate a respeito da distribuição do ICMS como um todo e não só sobre o ICMS Ecológico. Afirma ainda que dentro de aproximadamente 30 dias será levado ao governador Marconi Perillo um documento que aponta critérios como o IDH, por exemplo, como base para uma melhor cota. A assessoria frisa ainda que é legitima a busca do prefeito Álan Barbosa por melhores recursos para seu município e que ele tem espaço e apoio da AGM. Por fim, ficamos pré-agendados para uma entrevista com Baré para o jornal O VETOR/Rádio Paraíso FM onde poderão ser esclarecidos pontos sobre esse e outros assuntos de interesse dos municípios goianos.