Eduarda Assis, presidente da AGEM, “A capacidade física é acometida se o portador não fizer os outros tratamentos. Porque não é só tomar as injeções. Tem que fazer a fisioterapia, ir ao fonoaudiólogo e, até mesmo, ao psiquiatra”.

Eduarda Assis, presidente da AGEM, relata a realidade e os desafios dos portadores de esclerose múltipla em Goiás

A Associação Goiana de Esclerose Múltipla (AGEM) realiza no próximo dia 28 de novembro o VI Seminário Esclarecendo e Divulgando a Doença Esclerose Múltipla, voltado a portadores, estudantes e profissionais da saúde

Giovanna Beltrão (Especial para O VETOR)

A esclerose múltipla (EM) é uma doença que afeta o cérebro e a medula espinhal. Ela provoca a destruição da mielina – que envolve os axônios dos neurônios, responsáveis pela velocidade dos impulsos nervosos. Com a mielina destruída, os impulsos nervosos ocorrem vagarosamente nos portadores da doença, alterando as funções cerebrais e nervosas.

Os sintomas da EM variam de acordo com a quantidade de danos e nervos afetados. Há casos de pessoas que não apresentam nenhuma sequela até pessoas que perdem a capacidade de andar ou falar com clareza. Por isso, o diagnóstico precoce é determinante no tratamento e qualidade de vida do paciente.

A EM acomete cerca de 2,5 milhões de pessoas ao redor do mundo. Apesar de não ter cura, os tratamentos com medicamentos e terapias funcionais ajudam a controlar os sintomas e reduzir o progresso da doença.

Em Goiás, a Associação Goiana de Esclerose Múltipla (AGEM) dá assistência aos portadores da doença e realiza campanhas maciças de conscientização e divulgação da EM. Presidida pela engenheira civil Eduarda Assis desde 2009, a AGEM contabiliza cerca de 850 portadores de esclerose múltipla cadastrados. Trabalhando por meio de visitas individuais, o calendário da Associação conta com reuniões bimestrais e eventos de nível local, como a Festa Junina, e nacional, como a Maratona EM Movimento.

Outro evento organizado pela AGEM é o Seminário Esclarecendo e Divulgando a Doença Esclerose Múltipla, cuja sexta edição ocorre no próximo dia 28 de novembro, no CRER, em Goiânia. O Seminário é voltado para estudantes, profissionais da saúde e estudantes e conta a participação de diversos médicos, todos especialistas no tratamento da esclerose múltipla.

Além do Seminário, a AGEM já tem agendadas a Festa Junina de 2016, a ser realizada no dia 04 de junho, e a Maratona EM Movimento, que está prevista para o dia 28 de agosto.

Em entrevista a O VETOR, Eduarda Assis explicou os efeitos da doença na vida cotidiana dos portadores, falou sobre os desafios enfrentados pela comunidade e ressaltou a necessidade de fontes de informação confiáveis sobre a esclerose múltipla.

O calendário da Associação conta com reuniões bimestrais e eventos de nível local, como a Festa Junina, e nacional, como a Maratona EM Movimento
O calendário da Associação conta com reuniões bimestrais e eventos de nível local, como a Festa Junina, e nacional, como a Maratona EM Movimento

O VETOR – O que é a esclerose múltipla e como ela afeta o dia-a-dia dos portadores?
Eduarda – A EM é uma doença autoimune que era considerada rara. Ela é de difícil diagnóstico, porque são várias as causas: visão dupla, cansaço, fadiga, uma simples dormência, urgência de ir ao banheiro etc. Com o advento da ressonância, os casos estão sendo mais frequentes e com [portadores de] menos idade. Hoje a gente tem casos de meninos de 15 anos ao topo máximo que a gente considera, [que é] de 45 anos. Não que pessoas idosas não tenham [a doença], mas elas são consideradas como diagnósticos tardios. A EM ocorre mais em mulheres. Uma das nossas ex-diretoras, a doutora Denise Sisterolli, até falou que talvez seja por causa do hormônio [das mulheres], que não projete [a mielina]. A proporção é de um homem pra duas mulheres.

OV -Você foi diagnosticada em 1999. Como foi esse processo pra você?
E – O meu diagnóstico foi muito rápido, porque eu tenho uma irmã que é médica. Eu tive uma dormência no braço esquerdo e ela me disse para ir num neurologista. Fui diagnosticada em dois meses. A minha [doença] não se manifesta. Eu não tenho nada. Foi um diagnóstico rápido e eu faço tratamento até hoje, mas não tenho sequela, não tenho surto desde 2001. Dentro do mundo da esclerose são raros os casos como o meu. No Brasil, deve ter no máximo 10 pessoas que têm o diagnóstico, mas a doença não progride. É um milagre? Não. Não existe milagre, existe tratamento.

Os portadores de esclerose são [geralmente] muito rebeldes. Eles largam o tratamento. Um [motivo] é porque é uma doença muito impactante na sua vida. Outro é o apoio da família. O apoio da família é de suma importância pra qualquer tratamento. Sem ele, não tem como você fazer um tratamento que constantemente envolve agulhas, que é [medicação] toda semana, todo dia ou ‘dia-sim, dia-não’. Tem os [medicamentos] orais que hoje facilitam muito a vida dos novos [pacientes]. Mas, os orais não são pra todos.

OV – O tratamento é todo à base de medicamentos?
E – São cinco medicamentos: quatro Interferons [que são citocinas anti-inflamatórias], o Copaxone® [que é o acetato de glatirâmer], e o Gilenya® [que atua como imunossupressor e imunomodulador]. Estamos tentando ver no Ministério [da Saúde] agora a vinda de três medicamentos orais. E estamos também com uma luta muito grande porque o Ministério da Saúde quer tirar um dos nossos medicamentos, que é o Avonex® [um dos interferons]. O Ministério fez uma pesquisa, que ninguém sabe de onde veio, que diz que o Avonex® é menos eficaz. Mas isso deveria ter [sido] visto há dez anos atrás. Não agora, com três mil portadores de EM usando [a medicação], estáveis.

OV – Todos os medicamentos são fornecidos pelo Governo Federal?
E – São. Aqui em Goiânia nós retiramos no Juarez Barbosa [que é uma Central de Medicamentos de Alto Custo]. Em Goiás, o Governo ajuda muito. Não falta nenhum medicamento, diferente do resto do país. A gente não sabe o motivo, mas aqui em Goiás, desde a antiga Diretora-Geral [do Juarez Barbosa], a Lilian Cileide de Queiroz Monteiro, [que funciona bem]. Ela fez um trabalho fantástico e botou o hospital em dia. Nunca mais faltou medicamento lá.

OV – Algo que é muito discutido em relação à esclerose múltipla é a questão da discriminação do mercado de trabalho em relação aos portadores. Como você analisa isso?
E – Isso acontece em toda doença. Se você não se aceita, o mercado de trabalho também não te aceita. E se você esconde, o mercado de trabalho não vai te ver. O que o portador faz? Quando diagnosticado, ele fica sem chão, como em toda doença. A primeira coisa que ele quer fazer é aposentar. Aqueles que não estão no mercado já chegam na entrevista com tanto receio de falar que tem [a doença], porque a pessoa que vai fazer a entrevista não sabe o que é a EM, ao invés de falar que é uma doença que não impossibilita o trabalho. E às vezes, com tanto receio de perder aquela vaga, acaba perdendo por causa do nervosismo. Não se omita.

Eu não culpo o empregador, nem o empregado que é portador. Mas, acho que ambos tinham que tentar achar um consenso. É muito complicado, mas tem profissionais excelentes portadores de EM, que são muito capacitados física e mentalmente. A [capacidade] física é acometida se [o portador] não fizer os outros tratamentos. Porque não é só tomar as injeções. Tem que fazer a fisioterapia, ir ao fonoaudiólogo e, até mesmo, ao psiquiatra. Mas, normalmente, as pessoas param. Elas cansam da fisioterapia. E ela tem que ser constante.

OV – Desde que você entrou na Associação você percebeu alguma melhora no sentido de conscientização das pessoas e dos próprios portadores da doença?
E – Até hoje a gente é chamado de ‘esclerosado’, que é quem tem a doença do Mal de Alzheimer, que é bem diferente da EM. Mas, com a campanha, que é diferenciada e a nível nacional, a EM tem ficado mais comum. O termo ficou mais comum. Agora com a Globo colocando o Romero [personagem da novela A Regra do Jogo] como portador de esclerose múltipla ficou mais comum ainda. Pra nós, foi um passo muito grande a Globo ter feito um personagem com esclerose.

As campanhas de Goiás são maciças, mas não chegam ainda ao público-alvo, que é a comunidade. A gente gostaria de fazer um curso com o Sistema Único de Saúde (SUS), com o 0800 da prefeitura – que é a primeira acolhida das pessoas que vão para os CAIS – para [capacitar os atendentes a encaminharem] as pessoas ao neurologista.

OV – Falando um pouco sobre essa questão da novela ter um personagem portador, o que você acha da representação da EM mostrada na novela?
E – Não está nada de acordo [com a realidade]. É novela. Ela fantasia, ela cria. Apesar de nós estarmos constantemente pedindo algumas melhoras no personagem, ela faz o que ela quer. Têm vários pontos ali que não deveriam ser tão fortes, como o desmaio dele. Tem gente que desmaia, mas não é uma constante. O bom [da novela] é que o nome esclerose múltipla [está em evidência]. “Fale mal, mas fale de mim”. Mas, não se espelhe no personagem. Ali é uma novela, que não tem o aparato da Academia Brasileira de Neurologia e que não tem o suporte de uma da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (ABEM). Eles não pegam informações das pessoas corretas.

E tem a [atriz] Cláudia Rodrigues que atrapalha tudo. A Cláudia Rodrigues é a pior [fonte de] informação que um portador de EM pode ter no Brasil. Porque ela negou, desde o primeiro momento, que tem a doença. E ela só está falando agora porque a Globo a despediu e ela precisa de emprego. Aí, ela vai aos canais e começa a falar, mas sem nenhum fundamento. E ela sabe o que é a EM, ela conhece a fundo. Se ela quisesse ela falava. Mas, ela tem receio, como todo mundo tem.

OV – Que fonte de informação confiável você indica para quem quiser saber mais sobre a EM?
E – Eu recomendo o site da Academia Brasileira de Neurologia (www.abneuro.com.br). É o melhor que tem, pois são os médicos que informam. Os melhores são os sites oficiais, que explicam tudo: o que é a esclerose, quais são os médicos, como é o tratamento etc.

OV – E o que deve fazer um portador que esteja à procura de apoio da Associação?
E – Ligue no meu celular. O número é (62) 9136-1647, pode ligar a cobrar. Eu vou na casa pessoalmente para conversar. A gente faz questão de visitar e comentar da vida da gente, porque sabemos que mesmo tendo a doença, passar uma carga positiva para as pessoas, de que elas vão ter uma melhora significativa, vai deixá-las mais animadas.

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