DURANTE A GRAVIDEZ. Repouso absoluto pode fazer mal
Pesquisadora na área de enfermagem contesta a prescrição de ficar na cama, até mesmo em gestações de risco
Há mais de 20 anos estudando a eficácia do repouso absoluto, Judith Maloni, professora de enfermagem da Universidade de Case Western (EUA), acaba de publicar um artigo no periódico Biological Research for Nursing sobre suas conclusões. Segundo ela, não existe evidência científica que comprove a eficácia do repouso na cama para evitar partos prematuros. E o que é pior: o descanso pode trazer problemas físicos e psicológicos para a mãe e, consequentemente, para o bebê.
Nos Estados Unidos, cerca de 1 milhão de mulheres são aconselhadas anualmente por seus obstetras a ficar na cama o dia inteiro, levantando apenas para ir ao banheiro ou tomar banho. Essa prescrição pode ter dias ou mesmo meses de duração. “A falta de eficácia do repouso deitada não seria uma grande preocupação se não houvesse efeitos adversos. No entanto, as pesquisas também não conseguem apoiar a suposição de que o repouso absoluto é seguro tanto para a mãe quanto para o bebê”, escreveu Judith.
No Brasil não existem estatísticas oficiais para o número de grávidas que ficam de repouso, mas o ginecologista e obstetra José Bento de Souza acredita que cerca de 20 a 30% recebam esta prescrição em alguma fase da gravidez. “Realmente não existe nenhum trabalho científico sério comprovando que o repouso inibe contração, sangramento ou parto prematuro. Mas se você não pedir para a paciente que está com contrações fazer repouso, ela vai mudar de médico. É um pensamento já tão arraigado na cabeça das pessoas que vão te achar louco se não houver a prescrição”, diz.
Segundo José Bento, mesmo nos casos de fertilização in vitro não há evidências de que após o procedimento seja preciso descansar para aumentar as chances de sucesso. Mas as pacientes querem ficar de repouso. “Tem um trabalho do subconsciente muito forte para as mulheres acharem que estão fazendo tudo o que podem para a gravidez ser levada adiante. Se acontece um aborto e elas não repousaram, sentem-se culpadas”. Isabel Corrêa, ginecologista e especialista em reprodução humana da Huntignton Perinatal, no Rio de Janeiro, diz que também não há razão para abandonar as atividades normais por conta própria. “Não há evidências de que isto traga benefícios tanto para a mãe quanto para o bebê. Pode-se trabalhar até o último momento, sempre levando em conta as condições da mãe e do feto, que devem ser avaliadas pelo obstetra”.
EFEITOS COLATERAIS
Judith Maloni analisou diversos estudos científicos que compararam a situação de mulheres grávidas em repouso absoluto com as gestantes em suas atividades normais. Ela dividiu os males do descanso na cama entre fisiológicos e psicológicos. Dentre os fisiológicos, estão o risco de atrofia muscular, ganho de peso da mãe abaixo do esperado, pouco peso do bebê, perda óssea, trombose, fadiga, dores nas costas, mudanças na qualidade do sono, congestão nasal, refluxo, indigestão e lábios ressecados. Os danos comportamentais geralmente são sintomas de depressão, ansiedade e hostilidade.
“Para algumas mulheres, esse período sem atividade gera mais ansiedade do que se estivesse trabalhando, o que pode ser ruim”, explica a ginecologista e obstetra do Centro de Fertilidade da Rede D’Or, no Rio de Janeiro, Maria Cecília Erthal. Judith vai além e cita um estudo feito em 2003 demonstrando que até as crianças sofrem a consequência: mães que ficaram de repouso absoluto por ao menos 15 dias durante a gravidez relataram que seus filhos tiveram uma incidência significativamente maior de alergias, enjoos ao movimento e precisavam mais serem embalados para dormir do que os bebês de mães ativas.
Apesar das conclusões, o repouso absoluto para grávidas tem décadas de prescrição, por isso não é tão fácil mudar o pensamento de médicos e futuras mamães. Em alguns países, porém, há sinais de transformação. “No Canadá, por exemplo, novos guias de prática clínica publicados pela Sociedade de Obstetras e Ginecologistas declaram que o repouso deitada não é recomendado para tratar de préeclampsia e não existem evidências suficientes para recomendar este descanso absoluto para mulheres com problemas de hipertensão”, escreveu Judith na conclusão de seu artigo.
LIVIA VALIM (IG SÃO PAULO)