DOUTRINA ESPÍRITA – QUANDO
Roberto Cury
Meu pai partiu 14 anos antes de minha mãe, de volta à Pátria do Espírito. Ambos tinham 75 anos, quando cada um partiu, mas o amor continuou após a desencarnação do sêo David. Eles se amaram quando vivos e minha mãe morria de saudades do meu pai.
Dona Maria Gibran, minha mãe, morava só num apartamento do Bairro Santo Amaro na capital paulista. Na véspera da sua partida, minha mãe mais uma vez sonhara com meu pai. Foi assim que ela narrou o sonho para minha irmã Maria Catarina, agora desencarnada: “Estava deitada na minha cama quando senti um perfume de rosas e abrindo os olhos me deparei com imensas braçadas de rosas vermelhas espalhadas pelo quarto. Levantei-me e no corredor muitas rosas vermelhas, não olhei no quarto de hóspedes, mas tive a certeza de que também ali vicejavam muitas rosas vermelhas. Na sala então deparei-me com tantas rosas vermelhas e o seu pai no meio delas, sorrindo. Então perguntei: – Daúd (nome árabe de David) foi você quem trouxe todas essas rosas? Ele sorriu e logo desapareceu. Senti-me leve como se fosse voar. Uma alegria imensa substituiu a dor das saudades que sempre senti depois que ele partira.”
Minha irmã sorriu observando a felicidade de mamãe. Mas, não desconfiou de nada e no dia seguinte, após a desencarnação de mamãe, Catarina, que era médium inconsciente, revoltou-se contra Deus e ao falarmos pelo telefone, disse-lhe: – foi a melhor coisa que aconteceu com a nossa mãe. Ela não tinha mais nenhuma tarefa para cumprir por aqui e morria de saudades do nosso pai. Eles agora estão felizes juntos”.
Catarina, gritou: “eu não queria”, eu não queria. E eu: “nós não somos donos de ninguém, Catarina. Deus é que é o nosso Senhor e Ele sabe o que é melhor para cada um de nós”.
Ela, nervosa: “Deus não podia fazer isso comigo”. E, bateu o telefone. Meu irmão que vem logo após a mim, determinou que eu não deveria ir. Que ficasse por aqui mesmo, pois o caixão estaria lacrado.
Eu e o meu amigo espiritual Clovis, pelo pensamento: compreensão ainda é uma questão complicada no mundo dos encarnados.
Meses mais tarde, resolvi ir a São Paulo passar uns dias com meus irmãos. Ninguém me recebeu, então fui parar na praia de Ubatuba na casa da prima Sonia onde meus dois filhos, crianças, estavam passeando.
Uma semana depois na casa de Sonia, Catarina soube que estávamos lá, ligou pedindo que voltássemos naquele dia mesmo e nos hospedasse em seu apartamento em São Paulo. Assim fizemos. Fomos muito bem recebidos e cuidados.
Ninguém tocou em nenhum assunto embaraçador e logo no outro dia, minha irmã Célia e suas duas filhas almoçaram conosco antes de embarcarmos de volta a Goiânia. Catarina nos levou ao aeroporto, lá se despedindo de nós.
Maria Catarina Cury, pela ordem decrescente a segunda filha, ocupando o 4º lugar entre os rebentos do casal David/Maria, teve um infância turbulenta. Entre os 5 e 6 anos de idade esteve entre a vida e a morte em consequência de um tétano que a atingiu. Dr. Magalhães, médico da família, diante da gravidade da doença, alertou a família para o desenlace dizendo que só um milagre era capaz de salvar a menina da morte.
Lembro-me bem que sua língua enrolou na boca e começara por sufoca-la. Então vi o médico meter dois dedos na boca rígida da irmãzinha e puxar a língua para fora distendendo-a, favorecendo a respiração entrecortada pela febre alta ou sei lá o que, pois nos meus dez anos não entendia como era possível aquele quadro estranho que deixara Catarina totalmente desfigurada. Os braços e pernas da pequena pareciam de borracha se enrolando, enquanto os dedos das mãos se retorciam, os olhos circulando desordenadamente nas órbitas. Um quadro dantesco que seria fatal… a criança poderia sufocar.
Quando finalmente, a doença foi superada e pudemos voltar para nossa casa, lembro-me de nossa mãe dizendo que Catarina tinha chegado até ao portão do cemitério e voltado para a vida.
Quem foi Catarina?
Na visão de Sumaia, nossa irmã carnal: “Uma irmã especial, mística , sensitiva. Por onde passava deixava rastros de luz. Seus olhos eram luzes que nunca se apagavam. Irmã ternura, irmã quase mãe, conselheira e cuidadora de todos irmãos. Inexplicável a sensação de estar perto dela, de falar com ela. Era uma autoridade sem autoritarismo, todos a respeitavam, tamanha a luz que seus olhos irradiavam.
Tornou-se PHD em Educação, título merecido. Uma intelectual sem par. Discutíamos sobre todos os assuntos. Das nossas longas conversas posso sintetizar a nossa perplexidade diante de uma superioridade masculina, trazida pela cultura árabe. Nunca chegaríamos a ser reconhecidas pelos irmãos. Nossa capacidade era desconsiderada por motivos que não descobrimos. Juntas tínhamos uma missão que nos propusemos: um dia ser valorizada por irmãos. Os conceitos árabes falavam mais alto, e ela se retirou para o mundo espiritual, repentinamente, deixando- me a tarefa de mostrar que éramos tão capazes como nossos irmãos. Não tive, e não tenho vontade de levar essa missão adiante, não vejo mais prazer nisso. Quero apenas lembrar que fomos muito íntimas, que conhecíamos onde poderíamos chegar, acreditávamos em nossa capacidade nunca reconhecida .
Uma pessoa especial, tão especial, que incomodava as pessoas que com ela trabalhavam. Foi diretora de uma grande escola particular, era querida pelos alunos, porém seus subalternos não toleravam tamanha capacidade de dirigir espalhando seu sorriso, amando o que fazia. Teve vitórias e decepções. Estas vieram de pessoas que não suportavam a claridade, a espiritualidade, a capacidade que lhe era peculiar.
Muitas vezes minha irmã chorou. Era um choro que transparecia as injustiças e as avaliações daqueles que não queriam aquela luz incandescente.
Então aproveitei os conceitos machistas, comuns entre os árabes, para justificar a angústia que a Catarina sentia e desabafava comigo. Foi muito difícil ver Catarina ser despedida pelo irmão, por insinuações do grupo que o assessorava. Ela foi humilhada, sem motivos, sem nenhuma razão. Seu sentimento era o amor infinito que nutria pelo irmão. Ela passou momentos de dificuldades porque ficou sem emprego, sem dinheiro para sobrevivência e demitida inexplicavelmente. Eu trabalhava com ela, era professora sob a sua direção.
O mesmo grupo, mais tarde deu um golpe fazendo um rombo nas finanças daquela empresa. Semana passada tive uma pequena resposta para essa atitude. Jantando com o irmão empresário, que me acolheu com carinho, houve a revelação de que ele precisou fazer terapia para se livrar do comportamento dele em relação ao que as pessoas diziam. Ele confessou que dava muita importância ao que diziam e que os funcionários percebendo, fizeram disso um jogo para eliminar pessoas que poderiam influencia-lo alertando-o impedindo-as de sequenciar os projetos fraudulentos.
Não sei qual explicação para tanto sofrimento. Tão espiritualizada era essa irmãzinha, que do Alto avisaram-na que ela iria partir, mas na minha ignorância não consegui compreender. Eu morava nos EUA e por telefone me disse que em sonho me visitava, que foram momentos maravilhosos quando pode ver meus filhos que tanto amava, distantes há 12 anos. Pedi que fosse nos visitar, pois era um sinal de Deus… Passaram-se alguns dias novamente sonhou que nos visitava, mas que não foi uma visita feliz já que todos a ignoraram, ninguém a abraçou e eu e meu marido a levamos de volta e com ela a sua mala, sem explicações. Deixamo-la em um ponto de ônibus com a mala, sequer nos despedimos. Sozinha ficou angustiada porque não sabia para onde iria, sequer falava inglês. Partiria para o mundo espiritual, e eu na minha ignorância não consegui interpretar o sonho, apenas disse-lhe: mana nós te amamos muito e nunca a abandonaríamos jamais deixaríamos de recebê-la com amor. Duas semanas depois em Fevereiro de 2011, ela partiu, inesperadamente para o mundo espiritual. A revelação me chegara, mas não fui capaz de entender. Só compreendi esses sonhos no dia da partida sem despedidas. Só restou a saudade.”
Solange (Sol), grande amiga de Catarina, passa-nos um bilhete que recebera da nossa irmã, assim transcrito: “Minha querida amiga, irmã em Cristo!
Às vezes penso que no cotidiano duro parece não fazer muito sentido o que está na Palavra de Deus “que Ele não nos dá fardo maior do que podemos suportar”. Tantas coisas acontecem e ficamos depois dos acontecimentos nos indagando como realmente tudo se passou, e passou! Nos tempos de aflição pensamos que eles não chegarão ao final, ou que talvez não cheguemos a suportar tudo e a vida vai rodando sua roda, sua ronda… E estamos nela: “Somos criação de Deus” (Efésios 2: 10).
Eu quero que perdoe o que de mal pude ter feito a você ou à sua vida, com palavras ou com atitudes durante todo o tempo que já nos conhecemos e já se passaram vinte e três anos… uma longa vida de convivência e amizade, de carinho profundo.
As preocupações já existiam desde o início dos tempos como aconteceu com homens e mulheres de Deus, nos relatos bíblicos, com Moisés, com Salomão, com Maria (mãe de Jesus) e até com Jesus, apreensivo por enfrentar a morte na cruz.
Que diríamos de nós?!? Tão frágeis como a folha ao vento, sem Jesus!
Graças ao Soberano Senhor, que nos deu JESUS, seu Filho Amado.
com carinho. Ká”
(Ká era a forma como Catarina resumia seu nome para os mais íntimos).
Sol, explica: “As linhas acima foram escritas por ela falando dos dias em Curitiba quando outra chefia chegou para assumir o lugar que tinha ocupado, para quebrar o galho do seu irmão, porque digo isso, a escola estava praticamente vendida, ela não sabia, desmontou a casa dela em São Paulo e foi para Curitiba acreditando que seria um novo começo profissional, que ela tanto desejava. Penso que ela nunca foi tão humilhada como ali pelos empregados dos novos donos. O seu apartamento estava alugado não tinha para onde voltar, preocupada pediu para uma prima, que mora em Itatiba, arranjar um apartamento. A prima e o marido conseguiram e alugaram um apartamento em uma semana. O carinho e a atenção fizeram-na sentir-se amparada e acarinhada. Sofreu muito se questionando o porquê? Apesar de tudo, não se adaptou em Itatiba. De volta para São Paulo foi convidada para tomar conta de um Colégio do ensino fundamental, outra vez sorriu feliz, tinha trabalho, mas, para grande surpresa, se apresentando ao empregador (seu irmão) ele já havia contratado outra pessoa. A querida amiga sofreu muito, pois as questões de emprego sempre esbarraram em familiares. Mesmo desejando ardentemente ajuda-la a sair da angustia em que se encontrava, me faltou sensibilidade para perceber que o estado emocional dela estava profundamente abalado, totalmente insegura, reclamava de dores pelo corpo. Foi então que veio como voluntária na UNICAMP e, juntas, lecionamos um curso de metodologia com a promessa do Pró-Reitor de pesquisa que teria uma verba para custear suas despesas. A verdade é que era um fardo muito grande para ela o ir e vir para Campinas, mas ela não me disse nada. A última aula com a participação dela foi dia 12 de dezembro de 2011, também foi o último dia que vi minha muito querida amiga irmã.
Conheci Catarina em 1986, no norte de Goiás. Ela era vice-diretora da Escola de uma Multinacional. Trabalhei com ela até meados de 88, foi um tempo de muito aprendizado, aprendi muito com a Catarina. Generosa, carinhosa, tratava as pessoas com muita delicadeza principalmente as pessoas mais simples, que normalmente são invisíveis aos olhos da maioria, para ela, nunca despercebidos. Muito competente no seu fazer. Lamentável que não a valorizaram como profissional competente que era. Sei que a grande frustração da Catarina foi sobre a vida profissional, pois ela buscou reconhecimento em quem não tinha para dar e ainda assim, ela não desistiu dessa aproximação. Confesso que muitas vezes odiei e queria que ela também odiasse as pessoas que machucavam-na deliberadamente, mas no seu coração não tinha lugar para rancor, somente doçura e bondade.”
Sim doçura e bondade.
Poderia encerrar aqui este artigo sobre a minha maninha querida Maria Catarina, a “Tota” entre nós familiares, mas, não devo, porque não posso sem antes dizer que ela se constituiu em verdadeira heroína no ciclo da parentela e dos amigos cultivados na sua existência, tendo sempre um colo para receber os que choravam por qualquer razão, uma palavra confortadora para os que sofriam com ou sem motivo, um abraço carinhoso para matar as saudades de quem estivera distante, para acarinhar os cabelos dos que estivessem desalinhados na vida, incapaz de guardar rancor, jamais se deixou vencer pelo desânimo ou pelas tantas injustiças sofridas, mas sempre presenteou a todos com sua voz firme, tranquila, na qual as vibrações marcaram a grande ternura do seu coração, enfeixando, no abraço todo o amor que nutriu e distribuiu para todos, indistintamente, coroando com um sorriso onde a ironia jamais teve vez a doçura de todos os seus gestos e quefazeres tanto materiais quanto espirituais.
Agora no Mundo dos Espíritos imagino-a recebendo de braços abertos todos os injustiçados e discriminados nesta Terra, dulcificando as dores e sofrimentos mais variados.
“Todo aquele, pois, que se humilhar e se fizer pequeno como esse menino, esse será o maior no Reino dos Céus.” – Mateus, XVIII, 1-5.
POEMINHA DE BEM-QUERER
Roberto Cury
Se estás presente, estou feliz,
Se não me falas, sinto saudades,
Se tu me vês e eu não te vejo,
Ainda assim eu sorrio quando tu sorris,
Eu me calo quando tu te calas.Mas, é tanto, tanto meu bem-querer,
É tanto o meu amor por ti,
Que nada é capaz de escurecer,
A alegria quando ouço bater teu coração,
Nem calar a imensa felicidade,
Que invade minha alma gêmea
Da tua alma tão grande e bela!
Como é lindo o nosso amor!