DOUTRINA ESPÍRITA – Nem tanto ao Sol. Nem tanto à Lua
Essa expressão tem sido usada no sentido de enquadrar os apressadinhos da vida, especialmente aqueles que se afogueiam por qualquer coisa, em qualquer lugar, por qualquer disse-me-disse.
Velho ditado ensina: “a pressa é inimiga da perfeição”. Assim, então por que será que ainda as pessoas se afogam na realização das coisas como se o mundo fosse acabar agora mesmo?
Lembro-me de uma passagem da infância quando minha mãe servira ervilhas verdes ao molho e minha irmã Sumaia, que beirava seus cinco anos, mais ou menos, estendia o prato para que nossa mãe a servisse daquela leguminosa à frente de todos. A hierarquia árabe, reinante em casa era de que o primeiro a ser servido seria nosso pai, depois o filho mais velho, que sou eu e assim decrescendo até que chegasse a ela.
Disse nossa maninha: – Põe, mãe, põe. E nossa mãe: – calma filha depois te sirvo. E ela, insistindo: – põe calma, mãe, põe calma. Todo mundo caiu na gargalhada.
Hoje não temos mais nem nosso pai, nem nossa mãe entre nós. Estamos envelhecidos, eu quase octogenário e ela, Sumaia, na casa dos sessenta, buscando setenta. Provavelmente, ela não se recorda disso. Entretanto, é agradável lembrar da pureza das crianças ali externada, rompendo todos os preconceitos e conveniências sociais que durante muito tempo reinou em nossa família.
Nossos pais foram exemplos de dignidade, honradez, seriedade e de amor fraternal entre ambos e paternal para com os filhos, mesmo nas surras que às vezes apanhávamos por “artes” ou traquinagens até as mais inventivas que houvéramos praticado. Nosso pai entendia que o filho mais velho era o exemplo do bem e do mal: então as “artes” de qualquer dos meus irmãos houvera sido ensinada por mim. E aí o cacete comia solto.
Entretanto, nunca tive raiva do meu pai, porque raciocinava: se meu pai não tivesse feito amor com minha mãe eu não estaria aqui. Ora, como ter raiva de quem me proporcionou estar encarnado?
Sei que isso pode ser compreendido como um pensamento pueril, mas na verdade jamais nutri qualquer rancor contra nosso pai. Entendia que ele queria me educar e que a educação era conforme ele a entendia: – justiça dura sem contemporização, sem preferências, inaceitável qualquer escusa ou argumentação.
A verdade e só a verdade deveria reinar em todas as ações, palavras e condutas. Não era admitida nenhuma tergiversação. Assim, dentro de uma inóspita realidade aprendemos, eu e meus oito irmãos, a viver segundo os parâmetros de nosso pai e da doçura de nossa mãe.
Nosso pai veio do Líbano com 16 para 17 anos, órfão de pai e de mãe, deixando lá dois irmãos que muitos anos depois imigraram também e viveram em nosso Brasil até suas desencarnações. Aqui aprendeu a falar o Português e escrever com correção, além do Francês e árabe que trouxera na bagagem. Foi balconista, comerciário e comerciante, industrial (teve uma serraria e uma máquina de beneficiar arroz) e quando desencarnou era beneficiário do IAPC, depois, INPS. Deixou-nos aos setenta e cinco anos depois de uma cirurgia para colocação de safenas. Sua herança material fora alguns ternos de que me utilizei depois de retificados porque era o único filho que tinha um corpo mais próximo do dele e mais nada.
Minha mãe, nascida Gibran, era 15 anos mais nova que ele. Tinha o curso primário, se embevecia ouvindo e admirando a cultura de nosso pai que tinha memória fotográfica e uma capacidade invulgar de ler muito, chegando até a prestar vestibular de Direito, ser aprovado, mas, como não reunia condições físicas para tomar ônibus, não tinha dinheiro e nem carro, portanto, também, não sabia dirigir, terminou por abandonar os estudos por falta de condições físicas.
Dona Maria esmerou-se na criação dos filhos e, segundo as condições da época, tirou muita água da cisterna para cozinhar e lavar, banhar os filhos menores, passar roupa naqueles verões quentíssimos da noroeste do Estado de São Paulo. Mesmo com a pouca leitura, acompanhou os estudos primários de todos os nove filhos que sobreviveram. Mas, o mais importante que ressalto em nossa mãezinha é que ela nutriu amor profundo pelo nosso pai e pelos filhos, esquecendo-se de si mesma, inúmeras vezes, para sorrir pela alegria e felicidade do sêo David e de cada um dos descendentes.
Dona Maria, tinha visões como excelente médium que sempre fora, mas que dizia que aquilo eram milagres dos santos. Era católica extremada que jamais admitiu o Espiritismo e entendia que a única religião salvadora era a da Igreja, tendo, inclusive, inúmeras vezes, aconselhado a que eu voltasse a ser católico.
Maria Gibran Cury viu os netos crescerem e quando não tinha mais ninguém para cuidar, abandonou-se a curtir a imensa saudade do marido adorado.
Na véspera de sua desencarnação, Catarina, nossa irmã, a quarta filha na escala descendente, que nunca se casara, esteve com a mãe que lhe contou o “sonho” da véspera. Disse que acordara e o quarto onde dormia estava repleto de perfumadas rosas vermelhas. Levantou-se e encaminhando-se para a sala, viu o corredor pleno das mesmas flores, imaginou o quarto de hóspedes também florado e ao chegar na sala, as paredes, o chão e até os móveis estavam enfeitados e no centro da sala sêo David sorrindo para ela. Então ela perguntou: – David foi você quem trouxe essas flores? – O que foi que ele respondeu? – inquiriu Catarina. E ela: – nada, apenas sorriu.
Na mesma noite, nosso tio Bechara, irmão de David e que morava em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, sonhara que seu irmão estava puxando, pelas rédeas, um camelo montado por Maria. Então disse para os filhos: – Meu irmão David vem buscar Maria. Esses sonhos aconteceram na noite de sexta-feira para o sábado e os diálogos no sábado pela manhã.
Domingo, televisão ligada assistindo as suas missas, nossa mãe partiu para o Mundo Espiritual, provavelmente levada no lombo de um camelo puxado pelo nosso pai, que tinha oferecido mais que um jardim de rosas vermelhas, significando o amor que sempre os uniu.
Ainda não encontrei nosso pai, se ele já estiver reencarnado, mas, minha mãezinha, reencarnou como neta da Sumaia, aquela mesma que, quando criança bradou: – põe calma mãe, põe calma.
Não são apenas os traços físicos e fisionômicos que levam à certeza da reencarnação, mas, os trejeitos, o sorriso, o olhar profundo, a inteligência demonstrada, o carinho e quando intuitivamente perguntei se era quem eu pensava; chega o silêncio alegre do consentimento. Aquela criança é a volta de nossa Maria.
Neste mundo de Deus, tudo tem uma razão de ser. A coroação desse nascimento premia o amor que liga Sumaia àquela que lhe fora a receptora nesta sua encarnação.
Os laços de amor e de fraternidade tendem sempre a crescerem e se ligam e se religam tantas vezes quantas forem necessárias até o aprimoramento espiritual que não deixe dúvida, nem guarde restrições.
De certo modo, a humanidade hoje não aceita os métodos familiares de antigamente. Na atualidade, de modo geral, os seres preferem o entendimento, a discussão dos pontos de vista e a modernidade propõe os acertos conforme os costumes gerais.
Não se pode levar tudo a ferro e fogo como antigamente. Há que se ponderar nem tanto ao sol, nem tanto à lua. Melhor o meio termo, para acertar detalhes que tornem o homem feliz, parceiro, companheiro, lutando pelos mesmos ideais que levem à felicidade geral.
Mas, é conveniente lembrar que a paz, a doçura, a sabedoria, somente chegam quando se estabelecem o equilíbrio e a harmonia das relações, elegendo Deus no centro de todos os pensamentos e atitudes pessoais e coletivas.
Assim é importante repetir em cada atitude, em cada gesto, em cada movimento, em cada palavra, em cada sorriso: nem tanto ao sol, nem tanto à lua.
O único sentimento que pode extravasar o sol e a lua deve ser o de fazer os outros felizes.
POEMA DE JUVENTUDE
Olham-me pelos meus cabelos brancos
E chamam-me de velho,
Como se velho fosse um imprestável…
No fundo, invejam-me:
Tenho a experiência que lhes falta…
Comparam-me pelos vincos da vida,
E dizem que sou idoso,
Como se idoso fosse caduco…
No fundo, querem ser como eu:
Tenho a luz do conhecimento que lhes falta…
Procuram-me com o olhar longo,
E me creem provecto,
Como se provecto fosse um desvalido…
No fundo, esperam que eu os ilumine:
Tenho a sabedoria que lhes falta…
Buscam-me quando sorrio,
E me imaginam um velhusco,
Como se velhusco fosse um traste…
No fundo, quedam-se embasbacados:
Tenho o carisma que lhes falta…
Pensem eles o que quiserem,
Não me importam os seus reproches,
Falta-lhes o que tenho sempre disponível:
Ora é a experiência, ora o conhecimento…
Ora é a sabedoria, outras vezes o carisma.
Mas o que tenho de mais belo,
De mais profundo e verdadeiro,
É o amor puro e grande
Que minh’alma jovem
Faz brotar em cada gesto,
Arrebentando barreiras,
Alçando voos nos altiplanos,
Singrando águas buliçosas,
Combatendo as guerras da vida,
Para acalentar os seus corações incréus…
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