DOUTRINA ESPÍRITA – MORRENDO DE PAIXÃO
Não sei bem o que me deu ou que bicho me mordeu, mas, atacou-me um desejo irrefreável de falar da paixão. E assim sendo me lembrei que, quando ainda criança, me fustigava o imo essa tal paixão que alguns adultos diziam de “boca cheia” que o apaixonado vivia um grande amor, tão intenso que era capaz até de matar ou de morrer.
Não se assuste caro leitor, espírita ou não, com essa minha maluquice.
Neste caso, creio-me escritor consciente cuidando de tema elevado afim de ajudar na construção do ser buscando adentrar assunto que, muitas vezes, confunde a cabeça de desprevenidos simpatizantes da causa doutrinária. Então fui pesquisar um bocado sobre essa questão intrincada que muita gente adota como solução ideal do sentimento mais puro e belo – o amor, em contraposição de alguns poucos que encaram-no daninho para o coração e para a alma do vivente.
Foi assim que encontrei uns rabiscos em vários cantos, inclusive na internet. Eis um deles, cujo autor me é desconhecido e, portanto, deixo de nomeá-lo neste trabalho, mas, mantenho a citação para distingui-la dos meus dizeres: “Quando a paixão começa a esfriar, você vai conhecendo a outra pessoa. E começa, lentamente, a prestar atenção ao que você não quer no outro. Você conhece a Lei de atração. Nosso pensamento é criador. Antes você criava o que queria, agora cria o que não quer…”.
Entretanto, como falar de paixão esfriando, se nem ao menos ainda a defini? Busquei o “pai dos burros” como é conhecido o dicionário e logo fui ao famoso Aurélio que assim explicou: “paixão é um sentimento de apego levado a um alto grau de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão; amor ardente, inclinação afetiva e sensual intensa; afeto dominador e cego, obsessão; entusiasmo muito vivo por alguma coisa; atividade, hábito ou vício dominador; desgosto, mágoa, sofrimento; arrebatamento, coleira.”
Quem já se apaixonou sabe que durante esse período, que costuma durar de alguns meses até dois ou três anos, a pessoa idealiza o objeto da sua paixão. Durante essa fase, transfere para o outro todos os seus anseios, todas as suas fantasias, todos os seus sonhos de amor. Realiza na pessoa amada uma verdade que só existia na sua cabeça.
Mas e depois da paixão como fica o ex-apaixonado? Engana-se quem pensa que a paixão acontece pela pessoa amada, porque o apaixonado é que se enfeitiçou. Sim, por ele mesmo. O outro, durante o período da paixão, não é um ser real, é sua criação. Assim que a paixão vai esfriando, o ex-apaixonado começa a conhecer a outra pessoa. E isso é excelente, pelo menos no começo. Pois no começo ele só vê no outro o que quer ver. Ou seja, só vê coisas boas. Nesse estágio, o outro já é o outro. Já não é fantasia, já não é uma idealização da cabeça dele. É um ser real. Mas, ainda, um ser que só possui virtudes, cheio de boas qualidades.
De repente, começa perceber e se focar em uma ou outra qualidade menos recomendável. Antes prestava atenção somente no que queria no outro. Vagarosamente, começa observar o que não quer no outro. Antes, via tudo de bom. Era o que queria ver, então via. No mundo, incluindo as pessoas, cada um vê o que quer.
Alguém chama a atenção dele para algum defeito e que o outro não é tão habilidoso em determinadas coisas e, até se confessa incapaz de fazer isso ou aquilo. Pronto, ele que estivera procurando alguém perfeito e achava que tinha encontrado, descobre, agora, um mundo de imperfeições e, pior, nota que elas são praticamente infinitas.
Ao procurar defeitos em quem até há pouco tempo parecia perfeito, ele se deixa levar pela influência de pessoas infelizes e à influência do hábito nefasto de achar defeitos nas coisas.
É claro que se focarmos nos defeitos alheios, vamos encontrar defeitos. Cada pessoa é um universo. Cheio de possibilidades. E, ainda somos habitantes da Terra. Somos todos perfectíveis, mas não perfeitos. Onde havíamos encontrado tudo o que procurávamos em alguém, agora descobrimos tantos defeitos e imperfeições! A gente sempre vê o que quer ver. O outro é como sempre foi. Com todas as virtudes e com todos os defeitos que achamos nele. O que mudou foi o nosso foco. Deixamos de procurar só coisas boas e passamos a concentrar nossa atenção naquilo que não queríamos nele.
Tudo no universo é assim. Conhecemos a Lei de atração. Nosso pensamento é criador. Onde está o foco de nosso pensamento, está nosso poder de criar. Tudo o que ocupa espaço em nosso pensamento, com força e emoção, acaba se manifestando. Se queremos muito uma coisa, ela se realiza. Se tememos muito uma coisa, ela se realiza. O princípio é o mesmo.
Assim é em relação às pessoas. Temos a tendência de culpar o outro pelos nossos defeitos e falhas. Mas o verdadeiro responsável pelos defeitos e falhas do outro somos nós. Sim, nós mesmos. Somos nós que fazemos questão de enxergá-los. Procuramos sempre argumentos negativos no outro.
O escritor espírita Palhano é radical ao traduzir a paixão como uma das imperfeições do Espírito que lhe traz bastante sofrimento, “pois que está cego diante da lógica e da razão e longe do verdadeiro amor, que não é a mesma coisa”.
Enquanto focarmos o lado negativo das coisas, ele vigorará. A gente sempre encontra o que procuramos. Buscai e achareis, advertiu Jesus.
Quando a paixão vai perdendo o fôlego, ansiamos por recuperar a liberdade. Achamos que não somos mais livres e queremos recobrar as rédeas da vida. No entanto só há verdadeira liberdade quando respeitamos o outro exatamente como ele é. Se aceitamos o outro do jeito que ele é, independente de que ele nos aceite ou não, seremos livres, sem nada a nos prender ou subjugar. O que nos rouba a liberdade é o enfoque negativo, sempre que culpamos o outro pelas coisas erradas da nossa vida e de nos sentir responsáveis por ele. Somos totalmente responsáveis só por nós mesmos. O que estiver errado em nossa vida é responsabilidade exclusiva nossa. Só nós podemos resolver. Deixemos o outro fora disso. Ele é o que quisermos que ele seja para nós.
E se assim não agimos, com certeza ou matamos o outro por ciúmes ou morremos de paixão.
O conceito ordinário de paixão, adotado pelo homem comum, traz consigo uma conotação negativa evidente: associa-se paixão a desequilíbrio, tumulto emocional ou desvios patológicos do sentimento, sendo mesmo frequente ouvir-se frases como ‘Isto não é amor, é paixão’, ou “Fulano está cego de paixão”.
O Espiritismo classifica as paixões em inferiores e superiores. Inferiores são as que mais se manifestam nas pessoas, traduzidas pelo orgulho e pela vaidade, inveja e avareza, ódio e vingança, personalismo e agressividade, maledicência e intolerância, impaciência e cólera e, a mais terrível, o egoísmo. As superiores são manifestações divinas, boas, que precisam ser trabalhadas para o bem da humanidade. Quais são? As qualidades do Mestre Jesus: virtude, humildade, resignação, sensatez, piedade, generosidade, doçura, benevolência, compreensão, tolerância, renúncia, misericórdia, paciência, dedicação e, o que o Cristo sempre evidenciou, inclusive na hora da dor mais profunda no Calvário: o perdão.
Existem outras paixões, nada prejudiciais e que até dignificam o ser humano, inclusive há até daquelas pessoas que se esquecem de si mesmas para servir. A paixão pelas artes, pela música, pela natureza, pela igualdade entre os seres, pela dedicação aos mais necessitados e tantas outras, que são sentimentos louváveis indicadores das virtudes das pessoas que se alegram na vivência de cada uma dessas atividades.
Entretanto, não é bem dessas paixões que queremos tratar, mas de uma paixão intrigante: a Paixão de Cristo.
Ainda criança intrigava-nos ao ouvir a expressão Paixão de Cristo. Confundia com o sentimento de uma pessoa para com outra, transformando-as em seres apaixonados.
Aurélio informa que “paixão é um sentimento de apego levado a um alto grau de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão; amor ardente, inclinação afetiva e sensual intensa; afeto dominador e cego, obsessão; entusiasmo muito vivo por alguma coisa; atividade, hábito ou vício dominador; desgosto, mágoa, sofrimento; arrebatamento, coleira; o martírio de Cristo.”
Deixemos, portanto a paixão dos apaixonados e centremos nosso estudo no martírio de Cristo.
O Livro dos Espíritos na questão 907, ensina: “que as paixões fazem parte da natureza humana e que elas não são más, pois o princípio que lhe dá origem foi posto no homem para o bem. Os excessos e abusos, esses sim é que causam o mal. Na questão seguinte, aponta que o governo da paixão é que determina o limite em que se situa a fronteira do bem e do mal. Entre estes caminhos, a paixão se torna um perigo quando as pessoas perdem o domínio e causam os males a outros e a nós mesmos. Assim, entendemos que a paixão nada tem a ver com o instinto, sendo um acúmulo de energia. A vigilância é indispensável para a defesa desse sentimento inferior.”
Mas, a de Cristo era outra paixão, era dor, era cruz, era morte.
Amélia Rodrigues enriquece em detalhes sobre os tempos em que Jesus esteve encarnado entre os homens e que só são encontrados na literatura espírita especialmente acerca da Paixão de Cristo.
Narra a autora que enquanto os amigos de Jesus encaravam os aplausos à entrada de Jerusalém como sinal de triunfo, Ele não demonstrava qualquer júbilo. Ressoavam como prenúncio de grandes dores. Ele viera para que os que não criam, cressem e, para tanto deveria doar a vida num supremo sacrifício. Jesus houvera afirmado: “Quando eu for erguido, atrairei todos a mim”. Era o Mestre procurando demonstrar-nos que era necessária a sua execução para que O entendêssemos e O amássemos. A criatura humana tem necessidade de sangue e Jesus sabia dessa fase primária da Humanidade. Era necessário atrair-nos através da única forma de sentirmos emoção. Nenhuma surpresa, portanto, no Senhor, diante da matança que tomava forma contra Ele. Em expressiva serenidade esperou o acontecimento gerado pela força violenta dos fracos. No bárbaro espetáculo, Espíritos inferiores, entidades perversas achavam-se vitoriosos. Ledo engano. Na palavra do Espírito Bezerra de Menezes sobre a crucificação “O Herói Silencioso da Cruz, de braços abertos, transformou o instrumento de flagício em asas para a libertação de todas as criaturas, e a luz que fulgurou no topo da cruz converteu-se em perene madrugada para a Humanidade de todos os tempos”.
Jesus Cristo sentiu em seu espírito todas as lanças das paixões inferiores e respondeu com o bálsamo das superiores. Ao ódio dos fariseus respondeu com o perdão, à calúnia, ao sofrimento na carne, retribuiu pedindo a Deus que fosse feita a Sua Vontade e não a dele, num supremo e derradeiro ato de dignidade e evolução espiritual.
E tudo isso por muito amar a cada um de nós e para que então compreendêssemos que mesmo sofrendo os piores suplícios na carne, o que importa é a busca das virtudes cristãs e a sua incessante prática propiciando o bem para toda a Humanidade.
POEMINHA ESCRITO POR AÍ
Roberto CuryDescobrir defeitos
só com trejeitos,
então não tem jeito,
pois já é defeito
querer descobrir defeitos…
Prefiro olhar o jardim
sentir tuas flores,
aspirar teus olores,
viver alegrias,
até alegorias,
e morrer só no fim…