DONA PROCÓPIA – A história de uma kalunga goiana indicada ao Prêmio Nobel da Paz.

Parteira e kalunga que nunca desistiu de lutar em prol de sua comunidade. Dona Procópia fez parte de uma lista de 1 mil mulheres de todo o mundo, e, destas, apenas 52 eram brasileiras. A indicação dela foi anunciada de forma simultânea para 40 países.

Arianne Lopes**

Dona Procópia foi a única goiana convidada para o prêmio, ganhando destaque por conseguir impedir a construção de uma barragem, no Rio Paranã, que alagaria boa parte do território kalunga.

Filha de dona Maria e seu Manel, descendente de escravos e nascida na comunidade Kalunga Riachão, localizada à margem direita do Rio Paranã, na Chapada dos Veadeiros, no Norte de Goiás, dona Procópia dos Santos Rosa, de 88 anos, se destaca em meio a tantas contradições. Seus antepassados souberam se esconder muito bem dos brancos, mas ela conseguiu se sobressair. Em 2005, foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz pela luta em prol dos territórios e dos direitos dos kalungas.

Dona Procópia fez parte de uma lista de 1 mil mulheres de todo o mundo, e, destas, apenas 52 eram brasileiras. A indicação dela foi anunciada de forma simultânea para 40 países. Criado em 1901 pelo inventor e empresário norueguês Alfred Nobel, o Prêmio Nobel da Paz homenageia homens e mulheres por seus trabalhos na busca da fraternidade entre as nações, fim de conflitos e promoção do diálogo. Entre os ganhadores do prêmio, está o ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, “por seus extraordinários esforços para fortalecer a diplomacia internacional e a cooperação entre as pessoas”, segundo o Comitê do Nobel.

E foi por causa daquela indicação que ela conheceu São Paulo. Foi a única goiana convidada para o prêmio, ganhando destaque por conseguir impedir a construção de uma barragem, no Rio Paranã, que alagaria boa parte do território kalunga. Nascida no dia 10 de fevereiro de 1933, dona Procópio ainda mora na comunidade que fica a 79 quilômetros do município de Monte Alegre, na divisa de Goiás com Tocantins. Rodeado de serras e de difícil acesso, os negros fugitivos acabaram encontrando ali um lugar especial, bom de se morar e esconder, formando, assim, a comunidade kalunga.

Kalunga significa lugar sagrado, de proteção. E é ali que a matriarca Iaiá, como é chamada, dá aconselhamentos, puxa as rezas, fala sobre plantação e colheitas. De rezadeira a parteira, ela não sabe quantas crianças ajudou a colocar no mundo, mas garante que foram muitas. A experiência fez com os partos tivessem sucesso, graças a sabedoria, orações, chás e remédios caseiros.

Hoje, mesmo com dificuldades para andar e problemas na audição, por causa da idade, ela sabe da sua importância. Em um vídeo feito para o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), ela diz: “Quero mandar uma mensagem para as mulheres do Brasil todo. Para terem coragem, lutar, saúde para terem tudo o que elas desejarem, mas confiarem em Deus acima de tudo”.

Superar, lutar e ter fé

Dona Procópia conseguiu, em 2005, levar água e energia para o Riachão. A conquista veio quando ela estava com 72 anos de idade.

Tudo o que ela sabe aprendeu com seus antepassados, com a tradição e crença. Não estudou, por isso não sabe ler e nem escrever. Na época, não tinha energia e nem água na comunidade kalunga. “É uma mulher de saberes e fazeres”, afirmou a neta, Lourdes Fernandes de Sousa, de 36 anos, conhecida como Bia Kalunga. Segundo a neta, a avó é uma guerreira que não se rendeu às dificuldades. “Ela lutou e brigou tanto por nosso povo. Ela trouxe água, energia e escola para a comunidade. E ainda enfrentou e mostrou para todos nós que é capaz de superar, sempre”, revelou a neta.

Superar, lutar e ter fé em Deus são coisas que a matriarca nunca deixou de lado. Ela conseguiu, em 2005, levar água e energia para o Riachão. A conquista veio quando ela estava com 72 anos de idade, mas veio. A escola chegou antes, em 1990. Mãe de dois filhos, dona Procópia tem 12 netos, uns 48 bisnetos, 10 tataranetos, e mora sozinha. O marido morreu em 2010, depois de 57 anos de casados. “Não dá pra contar os bisnetos, mas é mais ou menos isso”, disse Bia.

Lutas que até hoje são vivenciadas pelas mais de 400 pessoas que vivem em Riachão.Segundo Bia Kalunga, a comunidade tem 68 famílias, sendo que em cada uma há cinco, seis, sete e oito pessoas. E a principal destas lutas é manter os costumes e tradições de seu povo. E foi pensando nisso que a neta Bia é a atual administradora-geral do Museu Vivo Dona Procópia, um local com uma história pessoal e de seu povo. “É um local guardião da nossa cultura, da nossa história e foi idealizado por ela”, contou.

Bia é licenciada em Educação do Campo pela Universidade de Brasília (UNB), especialista em Língua Portuguesa Aplicada, poeta, escritora e professora na escola da comunidade.  “Não sei descrever meu sentimento. Cresci aprendendo com minha avó. É uma mulher que só trouxe conhecimento e ajuda para seu povo. Ela orienta, aconselha e acolhe. Ela sempre lutou pela paz e dignidade”, frisou, ao falar o que aprendeu com Iaiá (dona Procópia). O legado da matriarca é grande. Segundo Bia, todo o conhecimento da avó foi a base da necessidade, tanto dela quanto da coletividade.

Bia conta que foi com 50 anos de idade que avó saiu a primeira vez da comunidade Riachão para conhecer a cidade de Monte Alegre. Aos 60 anos, foi pela primeira vez em Goiânia lutar por melhorias na comunidade, reivindicando escola e energia com sua amiga que já morreu. A neta fala toda orgulhosa da pesquisa de graduação que fez sobre a própria avó. “É um maravilhoso presente despertar para a produção deste trabalho, tendo alguém assim como anciã na minha família, cresci convivendo e compartilhando esses conhecimentos que estão somente na memória e não aprendidos e nem registrados. Para mim, é uma oportunidade de refletir e resgatar esses saberes enraizados no meu sangue e é uma referência importante na realização do mesmo”, escreveu no seu trabalho.

A neta segue os passos da matriarca, que sempre contribuiu para manter as tradições orais, culturais e religiosas da memória kalunga. Dona Procópia ensinava rezas e a dança da Sussa, nascida de tradições africanas, e que reflete toda a alegria desse povo. Com um ritmo marcado pelo som da viola, do pandeiro, da sanfona e da caixa (espécie de tambor), é uma tradição que envolve toda a comunidade através da música e da dança, caracterizada por giros em que as mulheres equilibram garrafas de cachaça sobre a cabeça.  Conheça o hotsite do Projeto Acorde – Histórias para despertar

***Centro de Comunicação Social do TJGO (Hotsite: Cecília Araújo / Arte: Wendel Reis)

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