CRÔNICAS CAMPO-BELENSES – O tamboril de Campos Belos

Nemilson Vieira de Moraes*

Relembro-me com saudosismo de um tamboril, remanescente de florestas, anteriormente existente, nos Termos de Campos Belos.
Não é sabido de nenhuma alma vivente tê-lo plantado. Até porque não havia na época o costume de se plantar árvores na referida cidade, e quando alguém a plantava, provavelmente não o fazia com espécies nativas e muito menos em passeios.

A natureza foi generosa com os moradores dessa instância: ao permitir que ele fincasse suas raízes na terra fofa do chão, em frente ao primeiro posto de saúde da terrinha querida, na região hospitalar; ele dava conforto aos pacientes que iam buscar recursos para os males do corpo:

Oferecia oxigênio, beleza paisagística e refrigério nos dias de calor, com sua sombra magnífica e amiga, que se projetava sobre aquela casa de saúde; deixando o ambiente com um clima mais agradável, num período antes do ar-condicionado ter chegado à região.

Eu o conhecia desde pré-adolescente. Estudei no antigo Grupo Escolar Professora Ricarda – ao lado dessa árvore -, que posteriormente fora demolido cedendo lugar a outro prédio escolar mais moderno – onde também estudei; agora, Colégio Estadual Professora Ricarda.

Tentam-se destruir a nossa memória a qualquer custo, como se fosse possível apagar o passado de alguém. As edificações novas às vezes, são mais bonitas, mas, as antigas são a prova de como tudo começou. Se pudéssemos aliar o moderno com o antigo, preservando-os, o presente seria bem melhor e o futuro mais rico de história.

“Todos nós, pacatos cidadãos daquele cantinho de mundo, o queríamos muito bem! Aquele magnífico tamboril era como uma extensão do nosso corpo.” Imagem ilustrativa

Quanto a nossa relação – como moradores – com esse tamboril, era uma relação harmônica e bela.

Brinquei muitas vezes de bola de gude e outras brincadeiras de crianças, com os colegas; antes ou depois das aulas, sob sua sombra acolhedora, que nos abrigava do sol escaldante.

Fazíamos as nossas travessuras, lógico; mas, com respeito e criatividade… Sem maiores problemas.

Não havia por parte das crianças e adultos, o vandalismo e a falta de respeito com o patrimônio público (edificado pelo homem ou natural) como nos moldes atuais. Hoje, plantamos árvores e as cercamos de todos os cuidados, e ainda temos que ficar orando ou rezando, para que Deus tenha misericórdia delas.

Vivo defronte de duas lindas árvores que as plantei; batizadas por mim, de Élika e Isabela; uma homenagem à minhas sobrinhas. Só Deus e eu sabemos o quanto foi custoso para que elas chegassem à idade adulta. Eu demandava com os meninos e com os marmanjos, da rua onde moro, o tempo todo, por causa delas: pois a todo instante aparecia alguém para quebrar seus galhos. Danificá-las.

Não há como se negar que nos primórdios de Campos Belos, havia um olhar dos primeiros administradores municipais, voltado para a importância da arborização; digo isso, tendo como base, dentre outras, a rua principal da cidade: a Rua do Comércio: havia muitas árvores ao longo da sua extensão. Fico triste em não mais vê-las em seus lugares de origem. Hoje a dita rua, se parece com parte da Av. Paulista, nesse aspecto: conta atualmente, com pouquíssimas árvores.

Por que as ignoram, não disseminando ou preservando-as com mais intensidade esses elementos arbóreos, tão essenciais nos espaços urbanos?

Pois bem… Todos nós, pacatos cidadãos daquele cantinho de mundo, o queríamos muito bem!  Aquele magnífico tamboril era como uma extensão do nosso corpo.

Estava sempre presente em nosso olhar de amor!… Como sociedade, o nosso pensamento era um só: sermos harmônicos naquela relação ecológica, na terra que o Senhor nos confiou – sem o prejudicá-lo nunca.

Quem o contemplava enchia-se de admiração e orgulho de sua exuberância; frescor e tenros galhos, como braços estendidos a nos proteger; um doce encanto: os pássaros sobre ele festejavam seus momentos alegres, dentro de seus ninhos ou pousados; quando em família ou sozinhos; em silêncio ou em cantorias frenéticas.

Desde mais jovem aquele tamboril, já chamava a atenção para si – pela sua imponência, rápida desenvoltura e beleza extrema; sempre vivia rodeado da boa vizinhança e das doces palavras da comunidade.

Sempre estava lá, mostrando a sua importância, o tempo todo…

No campo, bovinos, ovelhas, animais silvestres como a paca, o veado… A anta; amam essa bondosa árvore – o Tamboril; e convergem a ela, todos os anos por volta de julho a setembro para degustarem seus saborosos frutos (para os animais), que têm formatos de orelha humana; lembra também um desenho representativo de um coração; uma vez maduros, caem e forram o chão, espalhando seu cheiro agradável no ambiente à sua volta.  Depois das primeiras chuvas, os animais fogem deles – dos frutos. Ao sofrerem alterações químicas pelo contato com a água, perdem seus sabores característicos – provavelmente.

Mas, quanto, especificamente, ao tamboril em questão; um agradável sentimento de vê-lo crescendo radiante e belo – com seus galhos viçosos e folhinhas verdes, brilhantes – emergia da alma e exteriorizava-o, no semblante de quem os contemplava com um coração puro.
Ele era uma daquelas essências florestais que nos enchiam de alegria e contentamento: pois,assim como as edificações,as obras arquitetônicas, os filhos ilustres… Ele também compunha o conjunto histórico da cidade.

O Tamboril de Campos Belos retratava o gosto do Supremo, pelo prazer e bem-estar de seus filhos, naquele espaço em que estavam inseridos.

Ele fora um encanto que marcou gerações!… Merecia no mínimo um memorial.                   

O tínhamos como um símbolo de resistência e de grandeza.

Uma relíquia florestal que o Poder Executivo local, não se preocupou em conservá-lo. Segundo relatos de alguns moradores da localidade que não serão identificados; fora o próprio gestor público municipal da época, o autor (direto ou indireto) do delito, que exterminara aquela vida indefesa.

Se isso for verdade, faço minhas as palavras do saudoso Noel Rosa, eternizadas na letra de uma de suas canções: “No tribunal de minha consciência esse crime não tem apelação…”                                   

Há quem pensa que o motivo da supressão daquela árvore – e não da preservação da mesma – tenha sido a questão do “lucro”. Da ganância!…   

Aquele patrimônio histórico da cidade tombou sem vida para sempre; ao ser ferido de morte, pela falta de respeito: à natureza e a Constituição Feral de 1988, no seu Art. 225, e à comunidade local.

Isso deu a entender que tal atitude tenha atendido apenas um desejo individual e não a vontade coletiva – que era o de mantê-lo vivo.

A vontade da maioria das pessoas daquele território urbano, era que ‘ele’ (o tamboril), permanecesse em paz no seu lugar.

Esse recurso natural que fora suprimido, naquele contexto, estava inserido na categoria de um “bem comum de todos”. Portanto o que predomina é o interesse do coletivo. E a sua remoção constituiu-se, num “crime ambiental” sujeito a “ações punitivas” (caso os envolvidos em tal ação, não estivessem muito bem fundamentado na decisão de suprimi-lo).

Aquela árvore viveu sozinha provavelmente por mais de cem anos.

Imagino quão difícil foi para ela – nesse período todo de sua existência ter vivido sem seus familiares à sua volta. Nos primórdios da cidade, vivia em perfeita sintonia com tantas outras espécies de características similares ou diferentes; todas juntas, compondo a cobertura vegetal daquele lugar.

Mas, foram todas dizimadas sem misericórdia; para dar lugar a ocupação humana.

Não me lembro da existência de outro exemplar de tamboril como aquele, na redondeza. Era o último dos remanescentes, resistindo às intempéries do tempo e da ação desumana.

Há estudos apontando no sentido de que as árvores também têm sentimentos… É sabido que elas competem entre si por luz e espaço… Algumas, diante do perigo se defendem; e dependendo da tecnologia que se usar, dá, até mesmo pra ser ouvidas (segundo estudos nesse sentido).

Victor Ugo deixou para nós essa preciosidade: É triste pensar que a natureza fala e que o gênero humano não a ouve.”                         

O Tamboril centenário de Campos Belos tombou sem vida há anos atrás!  Provavelmente virou tábuas ou mobiliários valiosos, vendidos por bom preço no Mercado Negro. Para a alegria e deleite de alguns, mas continuou sendo útil e belo – em forma de produtos – para alguém, em algum outro lugar no mundo; por muito tempo.

Lembrando-me de Picasso, não tive como deixar de compartilhar com os diletos leitores, seus ditosos dizeres:

“No dia que o homem compreender ser filho da natureza, irmãos dos bichos, da terra, dos pássaros do céu e dos peixes do mar, neste dia ele compreenderá a própria insignificância. Será mais humano, mais simples e solidário.”

E as palavras de Lima Barreto em “Crônicas Escolhidas” não deixam de ser uma realidade que ainda perdura até hoje, mundo afora: “Os ricos se afastam do encanto […] Perderam a individualidade da escolha; não associam a natureza às suas emoções nem esta, lhes provoca meditações.”

Separaram-nos fisicamente, mas aquela árvore encantadora perenizou-se neste texto; e ainda existirá por um bom tempo, na memória e no coração daqueles que souberam respeitá-la e amá-la a vida inteira!…

Somos eternamente gratos ao Criador por aquela dádiva! Que durante tanto tempo alindou as nossas vidas, naquele rincão.

Ribeirão das Neves – MG, 21/09/17

(*) Nemilson Vieira de Moraes – é graduado em Gestão Ambiental pelo Centro Universitário UNA – BH; é membro efetivo da cadeira nº 03, da Academia Nevense de Letras Ciências e Artes (ANELCA); membro vitalício da cadeira n°23, da Academia de Letras do Brasil, Minas Gerais, Região Metropolitana de Belo Horizonte (ALB/MG/RMBH); membro do Núcleo Acadêmico de Letras e Artes de Lisboa (NALAL); e, membro do Conselho Municipal de Cultura de Ribeirão das Neves – MG, no biênio 2017/18 – representando a Sociedade Civil.

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Um comentário em “CRÔNICAS CAMPO-BELENSES – O tamboril de Campos Belos

  • 21 de setembro de 2017 em 19:50
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    Quem plantou foi um Sr. Chamado AUGUSTO.

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