BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO
Roberto Cury
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Reunião das quartas-feiras versava sobre a bem-aventurança dos pobres de espírito.
João Rosa, pela primeira vez, acabara de chegar ao Centro Espírita e fora recebido alegremente à porta por Elísio e a primeira dama Eva Tudor.
A princípio ficou um pouco constrangido pois jamais vira qualquer daquelas pessoas que, em recebendo-o, parecia sugerir de que se tratava, desde sempre, de um velho conhecido.
Estranhou, mas não mais do que um segundo.
Dobrou-se diante da festiva recepção. Então, seu sorriso indefinido, deixou transparecer toda a sua alegria de estar ali. Não sabia bem porque, mas, sentia que estava no lugar certo que tanto procurara e que só agora acreditava tivesse encontrado.
E, novamente revelou sua satisfação íntima com novo e encantador sorriso.
O que podemos entender por pobres de espírito? – perguntou o jovem Marcos ao coordenador do Evangelho daquela quarta-feira na Casa Espírita.
O coordenador, como sói acontecer, observando a técnica didática da Maiêutica de Sócrates, transferiu a questão para os freqüentadores presentes, deixando de nominar alguém para responder.
Logo, mãos se elevaram, gesto significativo de que aqueles queriam responder, sem acanhamentos, ou sem forçar respostas adrede ensaiadas, mas, com serenidade. Então, a mão primeira escolhida foi a do Almeida, balconista de uma loja de tecidos da Rua das Pombas, no centro da cidade e que de pronto respondeu: – “O ensinamento do Divino Mestre refere-se às almas simples e singelas, despidas do “espírito de ambição e egoísmo”, desvestidas de qualquer preconceito e que, assim, costumam triunfar nas lutas do mundo”.
Preconceito? Que é que tem o preconceito contra os humildes? Como é isso? – Inquiriu preocupado, Lucas, soldado da PM.
O próprio Almeida aquiescendo à preocupação de Lucas, respondeu: – Os dicionaristas explicam que preconceito é todo e qualquer conceito antecipado e sem fundamento razoável, formado sem reflexão, gerando prejuízo. É também superstição.
No nosso caso, o preconceito é danoso porque sempre prejudica o crescimento do estudioso da Doutrina Espírita, bem como daqueles que buscam consolação para os seus sofrimentos, angústias e frustrações, e até provoca o atraso no desenvolvimento do Espiritismo, como mensagem de fé, de justiça, de caridade e de amor. Em suma, o preconceito é arma das trevas para combater a luz que liga e fortalece os fraternos laços entre todas as criaturas encarnadas, porque visa a desunião entre elas.
Lucas, insistiu : – Por que superstição é preconceito?
Então, quem respondeu foi o Coordenador: – Porque superstição é sentimento fundado no medo e na ignorância, gerando idéias equivocadas de falsos deveres e de estranhos receios de ações sobrenaturais, ou, ainda, leva o ser humano a confiar em coisas ineficazes, às crendices, ao fanatismo, ao preconceito, às mandingas e às simpatias. Tudo isso contraria a Verdade, porque a Verdade não se contradiz é sempre firme e imutável, enquanto que a superstição coloca em cheque a razão que deve sempre presidir os seguidores do Cristo através da Doutrina Espírita que é a doutrina da Razão, tanto que o espírito Erasto, ensinou que “é melhor desacreditar de noventa e nove verdades do que acreditar numa só mentira”.
Seguindo a ordem das mãos que se levantaram, o coordenador disse: – é sua vez, Madalena.
Ela então, falou: “Muitas pessoas confundem pobres de espírito com os destituídos de riqueza material, ou seja os pobres em geral ou então com aqueles irmãozinhos que apresentam certa deficiência mental ou com dificuldades de aprendizado. Mas, não é isso. Pobres de espírito são os simples como disse o Almeida, principalmente os humildes que nunca se ofendem”.
Eustáquio, afirmou: “O Cristo de Deus, quando perguntado pelos seus discípulos de quem é o maior no Reino dos Céus? respondeu: Na verdade vos digo que se, não vos fizerdes como meninos, não entrareis no Reino dos Céus. Todo aquele que se humilhar e se fizer pequeno como este menino, esse será o maior no Reinos dos Céus. E o que receber em meu nome um menino como este, a mim é que recebe.”
– Muito bem, elogiou o coordenador, e completou: Então é preciso sofrer humilhação?
– Não, redarguiu Eustáquio: – Basta ser humilde, simples, sem afetação.
– Excelente, reforçou mais uma vez o coordenador. Quer dizer então que só é pobre de espírito aquele que não tem orgulho?
Luciana, jovem frequentadora garantiu: “O contraste de pobre de espírito seria “orgulhoso de espírito”, auto-suficiente, arrogantemente independente. Há indivíduos com a atitude que diz “não preciso que ninguém me dê qualquer direção na vida. Eu posso passar muito bem sem qualquer padrão moral de uma fonte divina”.
O coordenador sorriu e perguntou: – Quer dizer que só os pequeninos é que entram no Reino dos Céus? Orgulhoso e vaidoso não têm chances?
– Nenhuma, enquanto não se rebaixarem- retorquiu Almeida.
– Rebaixar? confundiu a cabeça de João Rosa. – Como assim? – perguntava insistente aos seus botões o jovem recém chegado.
Foi então, que a luz da intuição brilhou no cérebro do Presidente da Casa que, ao levantar sua mão, teve autorizada a palavra pelo coordenador. -“Rebaixar-se, não significa ser envergonhado ou humilhado diante de ninguém. Rebaixar-se quer dizer tornar-se simples, humilde, sorridente e feliz aceitando com desprendimento tudo aquilo que aos orgulhosos seria ofensa e que para o rebaixado seria o reconhecimento da Bondade de Deus que lhe permite ter aquela característica fundamental de perceber que se é espiritualmente vazio, e que somente confiando em Deus se pode preencher esse vazio. Reconhecendo que é espiritualmente pobre, a pessoa humilde de espírito conhece a sua própria necessidade”.
-Nossa, que interessante! Nunca tinha pensado nisso – deixou escapar, em voz alta, João Rosa que até então nada havia dito.
Novamente, o Presidente: – muitas pessoas se julgam inteligentes e cultas e se acreditam superiores ao ponto de se rirem das coisas divinas, chegam a negar a Divindade e até a Sua Justiça por considerarem indignas de sua atenção, tanto as coisas quanto Deus e a Sua Justiça. Na verdade, esses pseudo-sábios têm medo de serem humilhados pela grandeza de Deus, ignorando que o Senhor da Vida jamais submeteu ou submeterá qualquer dos seus filhos à execração, à humilhação, à degradação.
Foi aí que o Coordenador observando que faltavam apenas dois minutos para o encerramento da reunião, resolveu contar que: certa feita, participando de um almoço de confraternização de um outro segmento religioso, convidado que fora por alguns dos fiéis daquele credo, quedou-se estarrecido ao ouvir no discurso do principal daquela seita a expressão determinante: – EU SOU SALVO.
A arrogância e a auto-suficiência claramente demonstradas pelo religioso repugnam o bom senso de qualquer cristão que enxerga, na figura do Mestre Jesus, a humildade perene e a submissão à Suprema Sabedoria e à Bondade Infinita do Pai Celestial.
Imediatamente, se lembrou de alguns pronunciamentos de certos confrades nas várias Casas Espíritas e que se vangloriaram de seu pseudo-conhecimento, ou que se jactaram em disfarçados elogios ao seu alto grau de compreensão das Obras Básicas como se detentores de extrema sabedoria.
Infelizmente, concluiu para si mesmo, que alguns desses maiores do Movimento Espírita têm recebido exalçamentos, nem sempre merecidos, somente porque têm nome conhecido. Outras vezes porque são-lhes atribuídas virtudes que jamais tiveram.
Via de regra, alguns desses maiores são isentados dos seus erros e equívocos pelos seus seguidores ou endeusadores e saem como ferozes vespas apontando seus ferrões contra aqueles que discordam das idéias dos grandiloquentes senhores do Espiritismo.
Diante do silêncio dentro da Casa Espírita, o Coordenador deu por terminadas as discussões, iniciando a prece de encerramento: “aquele que quiser ser o maior, seja o que vos sirva, porque quem se exaltar será humilhado, e quem se humilhar será exaltado”.
Conto
A TIRA DE PAPEL
Hilário Silva – Psicografia Waldo Vieira
A sessão terminara.
Armindo pensava, enquanto as pessoas deixavam o salão. Ali viera pela primeira vez por insistência de amigos que lhe indicaram o Espiritismo como recurso para asserenar-lhe a angústia.
Ecoavam nele, ainda, as palavras do orador, moço a brandir verbo firme e brilhante:
– A fé em Deus traz a alegria de viver. É sol na alma. Tenhamos confiança e, sobretudo, ajudemos aqueles que não a possuem, confortando os desesperados. Ajudar a alguém é ajudar-nos. Servir é servir-nos…
E Armindo cismava:
O pregador diz essas coisas, mas não creio que as faça. É muito moço ainda. Cheio de vida. Quero ver quando chegar na minha idade… cinqüenta e seis anos… Quanta decepção! Quanta dor!…
E, meditando, não percebeu que quase todos os circunstantes já se haviam retirado, deixando-o quase só…
Armindo levanta-se e vê um montículo de papel sobre a mesa.
São pequenas tiras indicando os nomes de doentes que haviam recorrido às orações daquela noite no templo espírita.
Brota-lhe uma idéia de súbito.
Apanharia um nome e aplicaria os conselhos ouvidos.
Consolaria a alguém necessitado, tentando melhorar a sua própria mente.
Toma de um pedacinho de papel e lê nele um nome de mulher, com o endereço respectivo.
– Amanhã é domingo – refletiu. – Visitarei essa pessoa pela manhã.
Realmente, às oito horas batia à porta de pequena casa, a desmoronar-se em bairro distante.
Mocinha triste atende.
Armindo pergunta pela mulher indicada.
E a jovem fala baixinho:
– Meu senhor, Conceição acaba de desencarnar. Entre, faça o favor.
Emocionado, Armindo vê junto a catre paupérrimo duas senhoras humildes compondo o corpo inerte de mulher moça, observadas por duas crianças de olhar agoniado.
Depois das saudações, uma das senhoras assinala, discreta:
– Era câncer. Descansou, coitada. Há três meses vinha sofrendo horrivelmente.
Armindo, consternado, ouviu o esclarecimento.
Nisso, um homem penetra no quarto penumbroso.
– É o marido da morta e pai dos meninos – esclarece a senhora, falando de novo.
Armindo dirige-se para ele, fazendo menção de cumprimentá-lo, e, extremamente surpreendido, reconhece nele o orador da noite precedente, de olhos molhados, mas de fisionomia tranqüila.