ARTIGO – Resposta a uma mãe.
Quem é o vereador envolvido no acidente que matou jovem de 20 anos de idade.
Cileide Alves.
A dor de uma mãe que perde um filho aperta meu coração. Quem, como eu, viveu essa experiência sintoniza-se naturalmente com cada nova mãe sem filho. Bruno Alexandre Nicolau Gonzaga, 20 anos, morreu sábado (9) depois de sua moto ser atropelada por um carro da Prefeitura de Goiânia no qual estava o vereador Paulo Borges (PR). O jovem deixou “morta” sua mãe, SandraEliane Nicolau Gonzaga, segundo palavras dela.
Com uma dor dilacerante no peito, que chega a ser física, Sandra Eliane gritou por socorro no espaço público que sobrou de seu filho morto. Na conta de Bruno Alexandre no Facebook, ela apresentou-o. “[Ele] estudava engenharia na Unip. Já tinha um curso técnico de telecomunicações; íntegro, responsável, centrado, com toda documentação correta. Um menino que nunca fez mal a ninguém. Era atleta saudável. Jogava bola, basquete e videogame. Nunca se envolveu em qualquer tipo de brigas, discussões. Meu tesouro. ”
Sandra Eliane desabafou e depois soltou seu grito de socorro:
“(…) Gostaria de saber se fosse o contrário, se meu filho tivesse matado ele. Certamente estaria preso e a vida vasculhada…. Então eu quero saber quem é este indivíduo??? A ficha dele, quais os serviços prestados por ele a nossa sociedade??? Assim como apresento meu filho a vocês, quero que ele [o vereador] seja apresentado não a mim, mas para a sociedade (…)”
Solidária a dor de mais essa mãe que perde um filho tão jovem e ciente do meu papel social de jornalista, decidi buscar respostas a suas perguntas. Investiguei e fiz um breve perfil deste vereador para apresenta-lo à mãe de Bruno e, como ela pediu, à sociedade.
Paulo Sérgio Póvoa Borges foi secretário de Ciência e Tecnologia, superintendente do Sebrae e presidente da Comdata, empresa da prefeitura de Goiânia já liquidada, cujo espólio foi transferido para a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Trabalho, Ciência e Tecnologia (Sedetec). Ele exerce seu terceiro mandato de vereador. Assumiu pela primeira vez em 2005. Nesses 11 anos como parlamentar construiu uma ficha longa, mas nada até hoje dificultou ou interrompeu sua carreira política.
Eleito pelo PPS em 2004, ele desfiliou-se do partido e filiou-se ao PMDB. O PPS denunciou-o por infidelidade partidária em 2008, último ano da legislatura, e a Justiça Eleitoral cassou seu mandato em maio, cinco meses antes das eleições de outubro. A cassação não impediu nova candidatura e, como se nada tivesse acontecido, Paulo Borges reelegeu-se vereador pelo PMDB.
Ao fim e ao cabo, saiu-se bem. O eleitor não se importou com a infidelidade nem com a cassação e ele recebeu 5.320 votos (0,84% dos votos válidos), mais do que em 2004, quando se elegeu com 4.858 votos (0,77% dos votos válidos). Um ano depois da cassação, e já no primeiro ano do segundo mandato, Paulo Borges foi denunciado à Justiça pelo Ministério Público (MP) por crime de improbidade administrativa.
O vereador é funcionário concursado da Prefeitura de Goiânia e, segundo o MP, não trabalhou no município em 2008. Ele defendeu-se, dizendo que ficara à disposição da Comissão de Saúde da Câmara de Goiânia, da qual era membro como vereador, e juntou folha de ponto ao processo para provar que também era funcionário na mesma comissão.
O contrato de trabalho de Paulo Borges na Prefeitura é de oito horas diárias e ele ainda exerce o mandato de vereador para receber dois salários, um da Câmara e outro do Município. A denúncia seguiu na velocidade normal da justiça e nada aconteceu até 2012, ano de nova eleição, quando o vereador buscou a terceira reeleição. Também desta vez o eleitor não se importou com a denúncia de improbidade administrativa, como não se importara com a cassação de mandato em 2008, e mais uma vez o reelegeu. Ele recebeu 7.664 votos (1,21% dos votos válidos), mais do que na segunda reeleição.
Com poder político no município, apoio de colegas, Paulo Borges seguiu em frente como se tivesse uma carreira ilibada. Mas as denúncias continuariam.Em 15 de fevereiro de 2013 o vereador acordou com a polícia em sua casa. O caso era mais grave e ele foi preso na Operação Jeitinho, desencadeada pelo MP em janeiro, acusado de cobrar propinas para liberar embargos contra estabelecimentos comerciais na Amma. Além dele, foram presos o diretor do Departamento de Contencioso Fiscal da agência, Ivan Gouvea Filho, e Afonso Antunes, conhecido como despachante entre empresas e a Amma. O vereador ficou preso temporariamente por cinco dias.
Uma semana depois de deixar a cadeia ele subiu à tribuna da Câmara, fez discurso de vítima e recebeu a solidariedade de 19 vereadores.
“O que o Ministério Público tentou fazer ao requerer a prisão de uma pessoa para forçá-la a confessar participação em um suposto esquema criminoso é reverso da Justiça que tantos filósofos idealizaram para uma sociedade evoluída”, choramingou em pronunciamento de 20 minutos.
Sem pedir permissão a nenhum cidadão de Goiânia, o vereador Anselmo Pereira (PSDB) discursou: “Quero, em nome da cidade, pedir desculpas a Paulo Borges.” Com o tom de voz alterado, Deivison Costa (PT do B) chegou a dizer que a prisão não havia sido contra o parlamentar, mas sim “contra todo o Legislativo”. Bruno Peixoto (PMDB) não deixou por menos: “Não podemos admitir este tipo de tortura em nosso País. Foram usadas medidas exageradas na prisão do Paulo”.
Naquela sessão de 21 de fevereiro de 2013, não havia Operação Laja Jato e prisão de político era inaceitável pela corporação. Hoje duvido que algum vereador teria a coragem de repetir essas palavras.
A solidariedade da corporação protegeu o colega preso de prestar contas de seus atos, afinal, como disse Eduardo Cunha terça-feira (12) na sessão da Comissão de Constituição e Justiça que julgava seu recurso contra o processo de cassação, “’hoje sou eu; vocês, amanhã”. Assim a CPI da Amma, supostamente criada para investigar a denúncia do MP, terminou em novembro de 2013, sete meses depois de ser criada, sem investigar o vereador nem responsabilizar ninguém. Um resultado vergonhoso cujo relatório foi assinado pelo vereador Tayrone Di Martino, eleito pelo PT, que se bandeou para o PSDB e atualmente é secretário de Governo do Estado.
Fora da Câmara não houve proteção que salvasse o vereador. Paulo Borges foi denunciado à Justiça pelo MP em março de 2013 por crime de concussão por obter vantagem econômica indevida na Operação Jeitinho. Atualmente há dois processos contra ele na Justiça por este caso. Uma ação civil pública de improbidade administrativa na 3ª Vara da Fazenda Pública Municipal e outro na 10ª Vara Criminal.
Mesmo depois do vexame da prisão, Paulo Borges continuou a se dar bem, como observou a mãe de Bruno Alexandre em seu desabafo no Facebook. Em junho do ano passado ele tomou posse como secretário Municipal de Desenvolvimento Econômico, Trabalho, Ciência e Tecnologia de onde só saiu em abril para se desincompatibilizar.
Na mesma época em que tomou posse na secretaria a Justiça julgou sua ação por improbidade administrativa, aquela de 2009, em que é acusado de receber salários da prefeitura no ano anterior sem trabalhar. Em 22 de junho de 2015, o juiz o condenou a devolver o que recebeu, corrigido monetariamente, cassou seus direitos políticos por oito anos e ainda o proibiu de fazer contratos com o poder público por dez anos. Imediatamente, o vereador recorreu ao Tribunal de Justiça contra a condenação.
Em 31 de março de 2016 ele recebeu uma péssima notícia. Por unanimidade, os integrantes da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) seguiram o voto do relator, juiz substituto em segundo grau Eudélcio Machado Fagundes, e mantiveram sentença da 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal de Goiânia que condenou Paulo Borges, por ato de improbidade administrativa na ação de 2009. Seus advogados apresentaram embargos de declaração contra a decisão, que começaram a ser julgados dia 5 de julho pelo TJ. Caso esses embargos sejam recusados, o vereador ficará inelegível, pois a legislação eleitoral considera ficha-suja o candidato condenado por um colegiado de segunda instância.
Há ainda outro caso que leva o nome de Paulo Borges. Ele é um dos cinco vereadores que são servidores da prefeitura que tiveram gratificação incorporada aos salários. Em 27 de abril, o TJ-GO julgou inconstitucional a norma que permitia essa incorporação salarial. O Diário Oficial do Município publicou em sua edição de 11 de julho decreto do prefeito suspendendo a gratificação. Agora o MP propôs ação para que todos eles devolvam a gratificação recebida.
Em junho, Paulo Borges recebeu salário líquido de R$ 24.485,35 da prefeitura. Seu contracheque mostra vencimento de R$ 6.715,78, gratificação incorporada de R$ 10.224,26 (que foi cortada pela Justiça); R$ 752,16 de incentivo à formação; R$ 805,89 de produtividade; R$ 3.760,83 de outros proventos; e 13º salário de R$ 22.152,61. Descontos obrigatórios de R$ 9.498,09, outros descontos de R$ 10.498,09 e corte de teto salarial de R$ 106,31. No contracheque de vereador, o salário bruto é R$ 15.152,07.
O dono desse longo “portfólio” entrou no carro da prefeitura na manhã de sábado (9) e sua vida cruzou-se para sempre com a de Bruno Alexandre, de forma trágica para o jovem. Conhecendo sua história, entende-se por que Paulo Borges deixou o veículo furtivamente após o acidente, sem prestar socorro às vítimas e sem cumprir sua obrigação de cidadão e de homem público e ainda contou várias versões contraditórias sobre o episódio. Em entrevista ao POPULAR, o vereador disse nesta quinta-feira (14) que seu erro foi ter entrado naquele carro. Por seu histórico, vê-se que não foi o único.
A condenação em segunda instância e esse trágico acidente ocorrem às vésperas de nova tentativa de Paulo Borges de se reeleger. Das outras vezes, quando ele também enfrentou denúncias no ano eleitoral, o eleitor fez ouvidos moucos e o ajudou a chegar até aqui. De nada adianta as pessoas indignarem-se com os políticos, fechar os olhos a política, se no dia da eleição não tem responsabilidade sobre seu voto.
A história de Paulo Borges não é única. Há vários Paulos Borges nas câmaras municipais, nas assembleias legislativas, no Congresso Nacional; nas prefeituras, nos governos estaduais e na Presidência da República, ou seja, políticos com histórico de desserviço à sociedade reeleitos pelo voto popular. Poucos vereadores em Goiânia resistiriam a uma devassa em suas carreiras.
Além de responder as perguntas da mãe de Bruno Alexandre, gostaria muito que essas informações servissem de alerta para os eleitores que vão às urnas em 2 de outubro. Não votem em qualquer um. Chequem a história de vida do candidato em que pretende votar, em especial dos que buscam a reeleição, pois seus atos podem contar muito sobre quem são.
Que a dor de Sandra Eliane e de toda a família de Bruno Alexandre sirva ao menos para abrir os olhos dos eleitores. Os nossos representantes só estão onde estão porque foram habilitados por nós, os representados. Eles não nasceram de chocadeira. Se isso acontecer a dor da família Nicolau Gonzaga ganhará um alento.
#justicapelobruno
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Cileide Silva é Jornalista, especializada em política, e mestre em História pela Universidade Federal de Goiás. cileide.alves@gmail.com
É interessante.