Alterações climáticas: Desmate, queimadas e poluição na Amazônia reduzem chuvas no centro-sul do Brasil

Vento úmido que sai da floresta amazônica deveria provocar chuvas no centro-sul, mas ao dar carona à fuligem impede a formação das gotas para a precipitação das nuvens.

Estudos indicam que a poluição em Manaus e as queimadas e desmatamentos na mata não afetam apenas as chuvas na região, cujo ciclo já foi comprometido.
Estudos indicam que a poluição em Manaus e as queimadas e desmatamentos na mata não afetam apenas as chuvas na região, cujo ciclo já foi comprometido.

Por Wanderley Preite Sobrinho*

A seca registrada este ano no centro-sul do Brasil pode estar intimamente relacionada com a degradação ambiental na floresta amazônica. Estudos indicam que a poluição em Manaus e as queimadas e desmatamentos na mata não afetam apenas as chuvas na região, cujo ciclo já foi comprometido.
O primeiro alerta foi publicado na revista Nature em 2012 pela Universidade de Leeds, na Inglaterra. De acordo com o estudo, mais de 600 mil quilômetros quadrados de floresta foram perdidos desde a década de 1970, e a tendência atual prevê perda de até 40% da floresta até 2050, quando as chuvas poderiam acabar reduzidas em 21% no período de seca.
Além de fornecer água para a produção de energia hidrelétrica no Brasil, a floresta amazônica também funciona como um sumidouro de carbono, função que poderia acabar comprometida pela diminuição das chuvas e aumento das temperaturas. Mas não é só isso. “Nosso estudo sugere que o desmatamento poderia ter consequências catastróficas para as pessoas que vivem a milhares de quilômetros de distância”, escreveu Dominick Spracklen, um dos autores da pesquisa. “A floresta mantém chuvas sobre as regiões agrícolas importantes do sul do Brasil, que podem acabar comprometidas.”

Manaus
No inicio deste ano, uma campanha científica formada por pesquisadores brasileiros e norte-americanos, batizada de Green Ocean Amazon (GOAmazon), começou a testar a hipótese publicada na revista Science de que a poluição produzida na cidade de Manaus, capital do Amazonas, está afetando o processo de formação de chuva na floresta.
Membro do GOAmazon e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Luiz Augusto Toledo Machado explica que o aumento de material particulado (como fuligem) na atmosfera reduziria o tamanho das gotas nas nuvens, retardando ou abortando o processo de precipitação. “Em março, nossa aeronave sobrevoou essa região poluída e pudemos detectar a quantidade de material particulado que havia. De uma forma geral, essa poluição tem o potencial para reduzir a quantidade de chuva.”
Rodeada por 2 mil quilômetros de mata, Manaus já concentra dois milhões de habitantes, que fazem uso de 750 mil veículos, de acordo com o Departamento Estadual de Trânsito (Detran). Em 2001, esse número não passava de 147 mil. “Os sete Estados da região possuem 260 termoelétricas em funcionamento, emitindo seis milhões de toneladas de CO2 na atmosfera”, contabiliza a bióloga Silvia Regina Gobbo. “Esse número se soma a outros 770 milhões de toneladas de CO2 emitidos pelos desmatamentos e queimadas.”
Com a redução das precipitações, parte dos incêndios não seria contida, alimentando esse ciclo, uma vez que mais fuligem chegaria às nuvens. O problema se intensifica pelo fato de essas partículas acabarem dispersas para o centro-sul do País, o que também pode comprometer o ciclo de chuvas nessas regiões.
Machado explica a existência de um fenômeno chamado Jato de Baixos Níveis, um duto de vento que transporta a umidade da Amazônia para o centro-sul do Brasil, provocando chuvas. De acordo com ele, esses ventos viajariam cada vez mais carregados com as partículas de poluição – especialmente das queimadas – comprometendo as precipitações na região.
A análise dessa possibilidade faz parte de uma pesquisa que vai integrar a tese de doutorado de Gláuber Camponogara no Instituto de Astronomia da USP. Os resultados dos três métodos estatísticos utilizados por ele demonstram que grandes concentrações de aerossól (partículas poluentes) transportadas por esse jato de vento tendem a diminuir as precipitações no centro-sul. “Em geral é assim, mas essa não é a única razão”, afirma o estudioso. “É preciso levar em conta as condições atmosféricas de umidade, temperatura e vento, o que pode aumentar ou não a influência do aerossol sobre as chuvas.”
Para a bióloga, as secas consecutivas nas passagens dos anos 2012 para 2013 e 2013 para 2014 – cujas consequências afetam os reservatórios de água – são um sinal dessa mudança no regime hídrico. “Se for, teremos secas cada vez mais frequentes, só amenizadas quando for ano de El Niño.” Camponogara não descarta que os aerossóis de queima da floresta possam afetar as chuvas em São Paulo. “É uma possibilidade que só pode ser comprovada por meio de mais estudos.” *(iG São Paulo)

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