Advogado acusa Ministério Público de impedir índios de produzirem em suas terras
Antonio Vital**
Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a investigar a atuação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na demarcação de terras indígenas, o advogado de origem indígena Ubiratan de Souza Maia acusou o Ministério Público Federal de agir de maneira ideológica ao impedir que os índios produzam em suas terras.
O advogado foi questionado durante a audiência por suas posições favoráveis a mudanças na legislação previstas na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00, que permite o arrendamento das áreas indígenas, a permuta por outras terras e reconhece apenas demarcações de reservas ocupadas em outubro de 1988 – data da promulgação da Constituição. Ele também defendeu a mineração em terras indígenas, o arrendamento de áreas de reserva, a permuta por outras áreas e a inserção das comunidades na economia. Ele prestou depoimento a convite do deputado Valdir Colatto (PMDB-SC).
Maia pertence à etnia wapishana, de Roraima, mas reside na cidade catarinense de Chapecó. Ele responde a ação movida pelo Ministério Público Federal, em Santa Catarina, por envolvimento em arrendamento ilegal de parte da Terra Indígena Chapecó.
Uma empresa de consultoria de Maia, a JM Consultoria, é alvo de inquérito aberto para investigar a prática. No depoimento, ele desqualificou a acusação. “Pasmem. O Ministério Público está processando os índios por uma iniciativa que vai melhorar a vida dos índios. Na minha região, o MP está totalmente ideologizado. Mas não apresenta alternativa. E nós somos vistos como vilões porque queremos produzir”, disse o advogado.
Maia defendeu o direito dos índios de produzirem em suas terras e afirmou que a exploração econômica é a saída para acabar com a miséria registrada na maior parte das reservas.
Segundo o Ministério Público, os índios criaram uma associação e elaboraram um documento, com consultoria do advogado, denominado “Plano de Gestão Territorial”, pelo qual 20% da produção seria repassada ao indígena arrendador da terra, 2% seria destinado à cooperativa e 2% seria pago à JM Consultoria, que tem Maia como um dos sócios, por serviços prestados.
A ação do Ministério Público sustenta que apenas as lideranças indígenas são beneficiadas pela prática, que deixa de fora a maioria das famílias.
“Isso é verdade?”, perguntou ao advogado o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), relator da comissão especial que analisou a PEC 215/00.
“A terra onde presto assessoria tem 16 mil hectares. E o que o MP quer fazer? Uma reforma agrária dentro da terra em que cada índio teria 2 hectares. Querem uma guerra civil dentro da aldeia. O que vai acontecer é que aqueles que não tem interesse em produzir vão acabar vendendo suas terras dentro da aldeia”, completou Maia.
Em depoimento à CPI da Funai no início de março, o procurador da República Carlos Humberto Prola Júnior apontou o arrendamento das terras indígenas como uma das principais causas de conflitos em Santa Catarina. Segundo ele, o arrendamento na terra indígena só beneficiou as lideranças e foi feita sem consentimento dos demais moradores, obrigados a procurar trabalho em outros lugares.
Durante a audiência, o advogado defendeu a PEC 2015, que, entre outras medidas, permite o arrendamento das terras indígenas para agricultores e reconhece apenas reservas efetivamente ocupadas em outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
O marco temporal de 1988 para reconhecimento de áreas indígenas é criticado por entidades defensoras dos direitos indígenas e por antropólogos, que apontam o risco de a maioria das reservas demarcadas desde então ser questionada judicialmente caso a medida seja adotada.
“Eu sou a favor do marco temporal”, declarou o advogado. Segundo ele, a Justiça já considera esta data marco legal para o reconhecimento de reservas. “A decisão foi usada primeiro para Raposa Serra do Sol, em Roraima, mas vale para os demais casos”, disse.
O assunto divide opinião no meio jurídico. Em depoimento à CPI, o juiz federal Narciso Leandro Xavier Baez, que atua em Santa Catarina, defendeu a data como marco legal. Já o procurador Prola Júnior disse que a decisão foi adotada em sentenças de primeira instância, mas ainda não foi referendada como válida para todos os casos pelo Supremo Tribunal Federal.
Os deputados Erika Kokay (PT-DF) e Nilto Tatto (PT-SP) protocolaram junto à CPI dois documentos que questionam a representatividade indígena do advogado. Erika Kokay entregou ao presidente da CPI, deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), uma carta assinada pelo Conselho Indígena de Roraima com críticas ao advogado.
Na carta, o Conselho Indígena de Roraima afirma que o advogado “não representa nenhuma comunidade e nenhum povo de Roraima”. Entre outras coisas, diz que Maia não tem legitimidade para falar em nome dos índios e só fala em benefício próprio.
Nilton Tatto entregou a Alceu Moreira outra manifestação, de teor semelhante, assinado pela Juventude Kaingang do Estado do Paraná. “O Dr. Ubiratan S. Maia, advogado, defende os interesses de grandes empreendimentos em Terras Indígenas”, diz a carta.
“O senhor Ubiratan já disse que tem lado, mas esse lado pode ser prejudicial aos índios. E fazer coro a quem quer tirar direitos dos índios é prejudicial a seus pares”, ressaltou Tatto, se dirigindo ao depoente.
O advogado respondeu aos documentos dizendo que não representa ninguém. “Eu não represento ninguém, apenas uma linha de trabalho. E defendo comunidades que querem trabalhar. Estou pouco ligando para o que essas entidades pensam”, falou Maia.
O depoimento do advogado foi elogiado pelo autor do convite, Valdir Colatto. “Precisávamos ouvir alguém com pés no chão, que conhece as comunidades. Muita gente da Funai quer que os índios voltem ao sistema tribal e fiquem confinados em parques indígenas”, disse.
**Agência Câmara Notícias