A DÁDIVA

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“É quando derdes de vós próprios, que realmente dais.” – Gibran.

Genervino era filho de Salustiana, empregada doméstica, analfabeta, porém de grande postura espiritual, que sempre demonstrou, com sua humildade indiscutível, uma enorme capacidade de superar a dor, o sofrimento de um modo geral através de um lindo sorriso nos lábios. Podemos dizer, sem medo de erro, que Salustiana é um grande espírito de luz, desses que o mundo desconhece porque se esconde na simplicidade e se confunde na multidão sem expressão, além de não ter qualquer reconhecimento social. Ao revés, longe dos holofotes humanos que só projetam luz nos apagados espíritos, mas reconhecidos do mundo, Salustiana jamais exibiu sua luz aos transeuntes da encarnação, mas, sempre foi vista, enxergada, pela sua iluminação interior junto de grandes espíritos, que com ela conviveram nas lutas diárias, na cozinha e na arrumação da casa onde esteve empregada ou onde, até hoje, cumpre o seu desiderato de sobrevivência física, especialmente porque, mesmo envelhecida, ainda tem de trabalhar cada dia, de sol a sol, pois, seus filhos, todos adultos, pela preguiça e pelos maus hábitos, ainda vivem à sua custa e manutenção.
Nunca se ouviu um lamento sequer de Salustiana. Nem nos desatinos que a vida lhe submetera, nem por qualquer injustiça que tenha sofrido. Negra na pele, mãos calejadas e aura luminosa, contrastes que só uns poucos enxergam, mesmo quando olham diretamente para ela.
Três filhos: Genervino, do meio, sendo Pedro, o mais velho e Linda, a caçula.
Pedro, alcoólatra serviu de exemplo negativo para Genervino que acabou assassinado por certeiras facadas desferidas por um outro bêbado que com ele dividia as “cangibrinas “ no boteco da esquina, no bairro da periferia distante na capital do estado goiano onde se situa o barraco da família.
Linda, de muito se perdera nos braços de muita gente, vendendo-se para conseguir alguns trocados sempre ansiosa e obcecada para manter seu terrível vício de consumo de drogas. Linda, inúmeras vezes, voltou, ao barraco dividido com seus irmãos e sua mãe Salustiana, cheia de hematomas, além da corrupção e da brutalidade sexual de que fora pasto de gente tão infeliz quanto ela mesma.
Linda não se emendou nem com a gravidez inesperada que lhe chegou pela vivência na promiscuidade de sempre. Salustiana, desde o princípio até o final da gravidez, cuidou, primeiro, da desregrada filha e depois, do neto que chegara trazendo a sífilis como herança maldita dos descalabros sexuais de sua mãe viciada.
Salustiana, nossa heroína, frequenta uma Casa Espírita, onde tanto os dirigentes, como os trabalhadores e freqüentadores se equiparam na busca do conhecimento mais próximo dos ensinamentos do Cristo de Deus como ele o fez durante Seu trajeto pela Judéia a dois mil anos atrás. Diversos médiuns de vidência da Casa em questão, se encantam com a participação de Salustiana nos debates pois todos a vêem sempre aureolada de intensa luz, característica dos espíritos de escol que habitam a Terra.
Ainda assim é humilde o bastante para sorrir encabulada, , sempre negando ser um grande espírito de passagem pelo globo, em todas as vezes que alguém menciona a sua luminosa aura.
Quando chegou a notícia do assassinato de Genervino, Salustiana sentiu o terrível golpe no seu coração bondoso quase desfalecendo, pela intensidade da dor.
A brancura da palidez que a assaltou fez aparecer os vincos que o escuro de sua pele naturalmente escondia.
Pressurosos, acorreram trabalhadores da Casa Espírita que conviviam com Salustiana no lar onde trabalhava diariamente.
Nem assim, se ouviu um só murmúrio contra Deus, ou um só lamento pela perda do filho. A compreensão de que as existências terrenas são passageiras e que a vida, a verdadeira Vida nunca se acaba, pois é aquela que Deus nos deu quando nos criou, dessa compreensão Salustiana sempre demonstrou ser detentora.
Diante do caixão no qual foram depositados os restos mortais de Genervino, Salustiana, durante todo o velório, permaneceu impassível, serena, triste, mas conformada, até que, no fechamento da tampa para seguir-se ao sepultamento, levantou a voz pedindo que todos orassem com ela.
– Pai de Infinita Bondade e Misericórdia, receba aquele que me destinaste como meu filho Genervino. Ele nunca foi meu, mesmo quando pude cuidar dele. Devolvo-Te o espírito e Te rogo me perdoes os erros que cometi durante os cuidados que devera ter para com ele. E se, em algum momento acertei, Te agradeço a Bondade e a Paciência que sempre tivestes para comigo.
Em tuas Mãos, Pai, entrego o espírito de Genervino. Permita que ele possa se acalmar diante da violência que foi a sua volta ao Mundo Espiritual. Assim seja!
Serenamente, como se tivesse cumprido com fidelidade a tarefa a ela cometida, voltou-se para todos: – podem fechar a tampa.
O féretro seguiu até a cova rasa onde o caixão foi depositado e coberto de terra até formar o característico montinho ali alguém fincou uma pequena cruz de madeira destacada por uma lata na qual constaram o nome do filho de Salustiana e as datas de nascimento e morte do mesmo.
Salustiana é uma dádiva divina para o mundão terreno, porque sempre se dedicou ao bem de todos que com ela conviveram e convivem pois para a felicidade geral ela continua encarnada.
Poderíamos dizer, sem medo de erro, que ela é, também, a verdadeira cristã caridosa, porque não tem como dar bens materiais na sua pobreza econômico-financeira, mas, que sempre deu de si própria, encarnando, perfeitamente o dizer de Gibran definindo A DÁDIVA: “É quando derdes de vós próprios, que realmente dais.”

Conto

A MAIS BELA FLOR

Autor desconhecido.

O estacionamento estava deserto quando me sentei para ler embaixo dos longos ramos de um velho carvalho.
Desiludido da vida com boas razões para chorar, pois o mundo estava tentando me afundar.
E se não fosse razão suficiente para arruinar o dia, um garoto ofegante se chegou, cansado de brincar. Ele parou na minha frente, cabeça pendente, e disse cheio de alegria:
– “Veja o que encontrei”.
Na sua mão uma flor, e que visão lamentável, pétalas caídas, pouca água ou luz.
Querendo me ver livre do garoto com sua flor, fingi pálido sorriso e me virei.
Mas ao invés de recuar ele se sentou ao meu lado, levou a flor ao nariz e declarou com estranha surpresa:
– “O cheiro é ótimo, e é bonita também…
Por isso a peguei; ei-la, é sua.”
A flor à minha frente estava morta ou morrendo, nada de cores vibrantes
como laranja, amarelo ou vermelho, mais eu sabia que tinha que pegá-la, ou ele jamais sairia de lá.
Então me estendi para pegá-la e respondi:
– O que eu precisava.
Mas, ao invés de colocá-la na minha mão, ele a segurou no ar sem qualquer razão.
Nessa hora notei, pela primeira vez, que o garoto era cego, que não podia ver o que tinha nas mãos.
Ouvi minha voz sumir, lágrimas despontaram ao sol enquanto lhe agradecia por escolher a melhor flor daquele jardim.
– “De nada ele sorriu.”
E então voltou a brincar sem perceber o impacto que teve em meu dia. Me sentei e pus-me a pensar como ele conseguiu enxergar um homem auto-piedoso sob um velho carvalho.
Como ele sabia do meu sofrimento auto-indulgente? Talvez no seu coração ele tenha sido abençoado com a verdadeira visão. Através dos olhos de uma criança cega, finalmente entendi que o problema não era o mundo, e sim EU.
E por todos os momentos em que eu mesmo fui cego, agradeci por ver a beleza da vida e apreciei cada segundo que é só meu.
E então levei aquela feia flor ao meu nariz e senti a fragrância de uma bela rosa, e sorri enquanto via aquele garoto, com outra flor em suas mãos prestes a mudar a vida de um insuspeito senhor de idade.

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