FUTUROS POSSÍVEIS – Capaz de sentir as cores por meio de vibrações sonoras, 1º ciborgue do mundo está no Rio para festival

‘Não me sinto 100% humano’, contou ao G1 o artista Neil Harbisson, um dos convidados do Festival Futuros Possíveis, da Casa Firjan, em Botafogo.

Por Yasmim Restum*

Neil Harbisson e Manel Muñoz, presidente da Sociedade de Transespécies, para foto na Casa Firjan — Foto: Yasmim Restum/ G1

Antes presentes apenas nos filmes de ficção científica e futuristas, os ciborgues – parte homem, parte máquina – deixaram as telas para se tornarem realidade. E o 1º deles a ser reconhecido por um governo é o artista audiovisual Neil Harbisson, que tem integrado ao corpo uma antena que muda a forma como ele vê o mundo.

Harbisson nasceu com uma condição visual chamada acromatopsia, também conhecida como “cegueira de cores”. Logo, o artista só consegue ver em escalas de cinza. Mas, através de uma antena implantada no crânio, ele consegue sentir e perceber diferentes cores.

O artista é primeiro ciborgue reconhecido pelo governo britânico. Depois de conseguir que as autoridades aceitassem o aparelho como um órgão pertencente ao corpo dele, Harbisson está no Rio como um dos convidados do Festival Futuros Possíveis, da Casa Firjan.

“Não me sinto 100% humano. Ter uma antena é algo que muitas espécies têm. Muitas coisas que não são vistas como normais para nós, são absolutamente comuns e reais para outras espécies.”

Como funciona?

O sensor da antena de Harbisson detecta as cores – que são vibrações de luz – e as retransmite por meio de um chip instalado no crânio dele. O chip é responsável por transformar a vibração de luz de cada cor em uma vibração sonora (como são as notas musicais) e cada nota e suas variações são representativas de uma cor.

A antena também tem conexão com a internet e é possível receber cores, por exemplo, enviadas pelo celular. Para além das possibilidades visuais do olho humano, Harbisson também consegue sentir radiações infravermelhas e ultravioletas.

“Nada do que sinto é artificial, tudo já está presente na natureza. Do mesmo jeito que as pessoas podem sentir diferentes cheiros quando entram num ambiente, eu sinto as cores dominantes em um espaço, é o mesmo processo”, explicou.

Antena já foi confundida com ‘pau de selfie’

A tecnologia utilizada na antena de Neil foi criada por ele mesmo em parceria com colegas de faculdade e apresentada como projeto de conclusão do curso.

Desde 2004, o artista utiliza o aparelho, que, segundo ele, é como um órgão, mesmo ele tendo levado meses para se acostumar e ter sofrido com dores de cabeça. O artista confessou não ser fácil andar por aí com uma antena da cabeça. O que passou a ser natural para o britânico, acaba sendo novidade para a maioria das pessoas.

“Na minha vida, o que mais me afeta são as reações sociais à antena. Por 15 anos sou parado na rua todo dia ou recebo olhares de estranhamento, mas tenho que me acostumar. Eu só tento evitar mulheres bêbadas porque elas tendem a puxar e é bem desconfortável”, brincou.

Em 2004, conta Harbisson, as pessoas pensavam que o “órgão” fosse uma luz de leitura. No ano seguinte, o artista disse que era questionado se era um microfone. Com o passar dos anos, as versões para o que seria o equipamento foram mudando:

“Em 2007 e 2008, ouvi que era um telefone possível de usar sem as mãos. Em 2009, me perguntavam se era uma câmera GoPro e pessoas me davam tchauzinho como se fossem aparecer no vídeo. Em 2012, já achavam que eu trabalhava pro Google Street View. Em 2015, crianças me perguntaram se era um ‘pau de selfie’. Em 2016, crianças ficaram eufóricas achando que eu era um Pokémon.”

Tecnologia para sentir e proteger a natureza

Harbisson acredita que a mistura que ele promove entre humano e máquina vai além da possibilidade de ter novas sensações. Segundo ele, a integração à tecnologia se mostra como uma forma de militar pela proteção ambiental.

“O propósito é explorar a natureza, redescobrir a realidade a partir da implantação de sentidos que não temos. É uma prática artística. E quando nos redesenhamos, menos precisamos intervir no mundo. Se tivéssemos uma visão noturna apurada, não seria preciso luz artificial, não ia gastar tanta energia, nem afetar outras espécies, e o planeta sofreria menos”, ponderou.

Novos projetos

O artista britânico é presidente e fundador da Fundação Cyborg, criada em 2010 para lutar pelos direitos de quem quer se misturar com tecnologia.

Há um ano, ao lado do amigo e também ciborgue Manel Muñoz, que o acompanha na passagem pelo Rio de Janeiro, coordena a Sociedade de Tranespécies, um projeto da Fundação Cyborg para dar voz a pessoas que não se sentem totalmente ou nem um pouco humanas.

Questionado pelo G1 sobre os próximos projetos, Harbisson contou que em breve vai testar a ‘Coroa Solar’.

A ideia é que através da sensação de um ponto de calor ao redor da cabeça – que vai seguir o tempo da rotação da terra durante um dia inteiro – Neil quer tentar alterar a rotação do ponto de calor com a força do pensamento e mudar a percepção da passagem do tempo.

“É uma espécie ponto de calor na testa, entre a pele e o crânio, que vai permitir que eu sinta um calor que caminha de forma linear ao redor da minha cabeça e vai demorar 24 horas para voltar para o ponto de partida, entre as sobrancelhas”, adiantou o artista.

“Vou sentir, com esse órgão, a rotação da terra durante um dia inteiro. Se eu quiser que um momento ou sensação dure mais ou menos tempo, vou tentar fazer com que esse ponto de calor caminhe em outro ritmo, então posso mudar minha percepção do tempo, tornando-o relativo, como pensou [Albert] Einstein.”

O artista e ciborgue Neil Harbisson vai estar na Casa Firjan, em Botafogo, no sábado (8), para palestra às 19h. A inscrição para o Festival Futuros Possíveis custa R$220. *estagiária sob supervisão de Nicolás Satriano

FONTE: G1 (Rio)

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