DOUTRINA – DEUS CRIADOR E DEUS SEGUNDO OS HOMENS

“O que é Deus? – Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”. L.E. questão 1.

Roberto Cury

A mais ou menos 30 anos atrás escrevi um poema sob o título: DEUS, reproduzindo, no princípio do artigo, apenas as quatro primeiras estrofes, deixando as demais para o encerramento do articulado.

D  E  U  S

Deus, quem és Tu, Deus?

Longas barbas brancas

Enfeitando o Teu queixo,

Olhos perscrutadores

Devassando o infinito,

Rosto bonachão, paquidérmico,

Faces encovadas, cansadas,

Nariz afilado,

Corpo grande, magro, envelhecido.

És Tu, Deus?

Ah! Que o homem se arvora

E em Ti se transforma

E Tu, desces ao rés do chão!

O homem é deus,

E Tu, Deus és homem!

O homem é o vilão,

Ladravaz de Tuas Essências.

Não se abespinha nas desonras

Que cria ao bel talante,

Até ao ponto de Te pintar,

Nos enxurros de si mesmo,

Ainda que de paleta e cinzel,

Tinge a tela, modela a pedra,

Nunca será o criador do Universo,

Mesmo querendo moldar-Te

À imagem e semelhança humanas…

Sim, o homem resolveu tratar Deus como um ser vulgar submetido a ele, homem, como delineei nestes versos iniciais do poema.

Desde muito, começaram as desonras contra a Divindade.

Na caminhada da Libertação do jugo egípcio pelo deserto, enquanto Moisés recebia as Tábuas da Lei, os caminhantes construíram um bezerro de ouro, adorando-o como um deus , o deus material sobrepujando o Deus Espiritual e Criador.

Léon Denis, no livro Cristianismo e Espiritismo, disserta sobre essas idiossincrasias:  “… depois da morte do Mestre, os primeiros cristãos possuíam, em sua correspondência com o mundo invisível, abundante fonte de inspirações… Mas as instruções dos Espíritos nem sempre estavam em harmonia com as opiniões do sacerdócio nascente, que … nelas muitas vezes encontrava também uma crítica severa… À medida que se constitui a obra dogmática da Igreja, nos primeiros séculos, os Espíritos afastam-se pouco a pouco dos cristãos ortodoxos, para inspirar os que eram então designados sob o nome de heresiarcas… Desde o século III, os Espíritos afirmavam que os dogmas impostos pela Igreja não eram mais que um obscurecimento do pensamento de Cristo. ”

E, mais à frente: “Mas os homens desinteressados, que amavam a verdade pela verdade, não eram bastante numerosos nos concílios. Doutrinas, que melhor se adaptavam aos interesses terrenos da Igreja, foram elaboradas por essas célebres assembleias, que não cessaram de imobilizar e materializar a Religião“. Então, Denis demonstra a carga pesada dos dogmas, enfatizando: “Essa pesada construção… surgiu na Terra em 325 com o concílio  de Nicéia, e foi concluída em 1870 com o último concílio de Roma. Tem por alicerce o pecado original e por coroamento a imaculada conceição e a infalibilidade papal.

Três absurdos dogmas que atentam desde então contra toda a Humanidade, tudo para justificar e estabelecer o Poder Temporal dos homens sobre o Divino Poder Espiritual: “o pecado original que pune toda a posteridade de Adão, isto é, a Humanidade inteira, pela desobediência do primeiro par, para depois salvá-la por meio de uma iniquidade ainda maior – a imolação de um justo – é um ultraje à razão e à moral. 

Não bastasse o sacrifício do Cristo, imolado na cruz, entre ladrões, também a virgindade de Maria pós parto normal que, sem dúvida alguma causou-lhe o rompimento natural do hímen e a infalibilidade papal que retirou o Papa do círculo humano para coloca-lo no Panteão dos deuses, atentam contra a razão e a lógica, tornando risíveis os dogmas católicos e, via de consequência, Deus sendo vilipendiado, perde sua Característica Divina e acaba sendo relegado à condição de um deusinho barato de que qualquer homem possa por e dispor como bem lhe apeteça.

Ainda na distante Bíblia, ou seja no Antigo Testamento, várias passagens afirmam o arrependimento de Deus, como cuidou o pastor Josivaldo de França Pereira em alentado artigo denominado “O Arrependimento de Deus”, assim vazado: “A palavra hebraica para arrependimento é noham. É usada para indicar tanto o arrependimento humano quanto o arrependimento de Deus no Antigo Testamento.

É do conhecimento de todos que a Bíblia fala do arrependimento de Deus. Mas como o arrependimento de Deus deve ser entendido? Será que o arrependimento humano serve de parâmetro para o arrependimento de Deus? O arrependimento de Deus é o mesmo dos homens? Deus realmente se arrepende?

Antes de responder a estas perguntas, é preciso observar, primeiramente, que a Bíblia trata do arrependimento de Deus nas seguintes passagens:

Gênesis 6.5-7 (Viu o Senhor que a maldade do homem se havia multiplicado na terra, e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração; então se arrependeu o SENHOR de ter feito o homem na terra, e isso lhe pesou no coração. Disse o SENHOR: Farei desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis, e as aves dos céus; porque me arrependo de os haver feito);

Êxodo 32. 12 (Por que hão de dizer os egípcios: Com maus intentos os tirou, para matá-los nos montes e para consumi-los da face da terra? Torna-te do furor da tua ira e arrepende-te deste mal contra o teu povo);

I Samuel 15.10,11,35 (Então, veio a palavra do SENHOR a Samuel, dizendo: Arrependo-me de haver constituído Saul rei, porquanto deixou de me seguir e não executou as minhas palavras…O SENHOR se arrependeu de haver constituído Saul rei sobre Israel);

2 Samuel 24.16 (Estendendo, pois, o Anjo do SENHOR a mão sobre Jerusalém, para a destruir, arrependeu-se o SENHOR do mal e disse ao Anjo que fazia a destruição entre o povo: Basta, retira a mão…);

Jeremias 18.7,8 (No momento em que eu falar acerca de uma nação ou de um reino para o arrancar, derribar e destruir, se a tal nação se converter da maldade contra a qual eu falei, também eu me arrependerei do mal que pensava fazer-lhe);

Joel 2.13 (Rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes, e convertei-vos ao SENHOR, vosso Deus, porque ele é misericordioso, e compassivo, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e se arrepende do mal);

Jonas 3.10 (Viu Deus o que fizeram, como se converteram do seu mau caminho; e Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria e não o fez).

o Pr. Josivaldo coloca a sua preocupação tentando “justificar” que Deus não se arrepende nunca, mas, que as expressões bíblicas se referem à desobediência e ao erro das ações humanas.

Embora respeitemos a capacidade intelectual do autor evangélico, discordamos, frontalmente, das suas opiniões que tentam negar o arrependimento de Deus ínsito na Bíblia. Não há como negar a redução da Onipotência Divina e até a perda da Perfeição, pois se Deus se arrependeu de qualquer dos Seus Atos Criativos, então é Imperfeito como imperfeitos são os homens. Eis aí os versos do poema: ” O homem é Deus, E Tu, Deus és homem! O homem é o vilão, Ladravaz de Tuas Essências.” Pois não é que o homem se erigiu deus e Deus se tornou homem? Pois não é que Deus perdeu toda a Sua Essência e o homem roubou-lhe as características divinas?

E o Deus que se arrepende de qualquer de Suas Ações, é um deusinho incapaz de saber o que está fazendo e ao desconhecer os resultados da Criação e as atitudes da criatura, mostra, insofismavelmente, a fragilidade e a inconsequência próprias dos homens, perdendo totalmente o domínio de Si mesmo e, lógico, seria um deus do acaso e o acaso teria como resultado o naufrágio de todo o Universo, com todos os seus mundos, habitados ou não, planetas, satélites, estrelas, sóis. cometas.

Eis, novamente, o homem exercendo o Poder Temporal acima do Poder Espiritual – o homem deus, tomando de Deus Sua Onipotência, erigindo-se no supremo juiz das ações dos homens comuns submetendo-os à intolerância religiosa e aos interesses mesquinhos da matéria – a Santa Inquisição. E o pior: o clero exercendo o poder inexorável de condenar à morte e de executar a sentença cruel, além de reduzir a família do indigitado à extrema miséria, tomando-lhe os bens e expondo-a à execração pública.

Nos tempos modernos encontramos epítetos  assombrosos oriundos da mente humana, novamente submetendo Deus aos seus interesses pessoais, econômicos e morais. “Deus é fiel”, surgido nos meios ditos evangélicos e, por eles tentam justificar que Deus é fiel às Suas Promessas feitas ao homem. Ainda que fosse assim, Deus está submetido ao homem, porque o homem teria o direito de exigir o cumprimento das divinas promessas.

O outro epíteto discriminador e execrável encontramos em vários automóveis: “Presente de Deus”.

Ora eu que não ralasse, que não trabalhasse para ver se ganharia algum carro da Providência Divina. Com todo o respeito, mas, até hoje não descobri qual a marca da fábrica automobilística de Deus. Quando questionados, tentam dizer que o trabalho, que gera a riqueza, seria o meio pelo qual estaria Deus presenteando o homem com o veículo que traz o dístico.

Por que Deus privilegiaria uns em detrimento de outros? As oportunidades sim, fazem parte da Bondade da Providência Divina, mas, elas são iguais para todos e o trabalho desenvolvido pelos homens é que distingue uns dos outros. Então, aquele que trabalha com afinco e dedicação, gera riquezas que lhe proporciona adquirir os bens materiais de acordo com seus interesses e suas necessidades. Não há, pois, como falar em carro presente de Deus.

É hora, então de encerrarmos este articulado e o fazemos, colando aqui os últimos versos do poema Deus:

E Tu, Deus, que nos Criaste

À Tua imagem e semelhança.

Divina Graça, Senhor Sublime,

Te aquietas e deixa-nos quedar

Nas nossas próprias delivrances.

Quebramo-nos nas vilanices,

Apoquentamo-nos por tão pouco,

Acinzentamo-nos nas turrices,

Vivemos somente pavonices,

E nos perdemos nas burrices…

Se um dia quisermos e quando

Depararmo-nos com nossas empáfias,

Sentiremos o Teu olhar profundo,

Terno, meigo, belo e amoroso

E, chorando, correremos

Para deitarmo-nos no Teu Regaço,

Aquietarmo-nos no Teu Cafuné,

Acomodando-nos no Teu Abraço…

Assim Deus, Senhor da Vida,

Luz sem sombras… Luz,

Calor que não queima, acaricia,

Veremos que És Incomparável,

Único Pai, Bondade e Justiça

E nós, nada somos sem Ti,

Não passamos do Teu Espectro,

Pálida imagem,

Descorada semelhança,

Da Grandeza Ímpar…

Depois, não mais perguntaremos,

Quem És Tu, Deus de Amor,

És Deus.

 

 

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