Juiz usa Bíblia para justificar violência contra mulher e absolve agressores
Durante sentença, desembargador afirmou que a pena de morte era usada contra mulheres consideradas adúlteras na tradição cristã
DA REDAÇÃO
O juiz desembargador Neto de Moura, do Tribunal da Relação do Porto, usou a Bíblia para justificar a violência contra uma mulher que foi violentamente agredida pelo marido e o ex-amante numa emboscada forjada pelos dois.
Na decisão em segunda instância, o juiz manteve a suspensão da pena dos agressores e culpabilizou a vítima pela violência, alegando que ela teria cometido adultério ato, segundo o magistrado, punido com a morte na Bíblia.
“Ora, o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até a morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte”, justificou. “Ainda não foi há muito tempo que a lei penal (Código Penal de 1886, artigo 372.0) punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse ato a matasse”, afirmou Neto de Moura no acórdão divulgado pelo jornal “Público” neste mês.
De acordo com o processo, a vítima teria sido sequestrada pelo ex-amante e levada ao encontro do marido em junho de 2015, de quem havia se separado um mês antes. Os agressores usaram um bastão com pregos na ponta durante as agressões.
O juiz, porém, considerou que o marido teria cometido o crime motivado pelo sofrimento de ter sido traído. “Foi a deslealdade e a imoralidade sexual da assistente que fez o arguido cair em profunda depressão e foi nesse estado depressivo e toldado pela revolta que praticou o ato de agressão”.
O caso foi parar na justiça, que condenou o ex-marido a 1 ano e 3 meses de prisão e o ex-amante, a 1 ano de prisão. A execução da sentença, porém, foi suspensa. O Ministério Público recorreu da decisão a ingressou com um recurso em segunda instância para que as penas fossem ampliadas. O juiz Neto de Moura negou, afirmando que a violência “ocorreu num contexto de adultério praticado” pela vítima.
PROTESTOS
Várias entidades protestaram contra a sentença. A Associação de Mulheres Juristas considerou a decisão como aberrante. A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima voltou a lembrar que o juiz já havia minimizado um caso em 2013 quando uma mulher com o filho no colo foi agredida pelo marido.
Grupos feministas preparam uma manifestação em Lisboa e em Porto contra o acórdão. Uma petição também foi criada pedindo que Conselho Superior da Magistratura e o Provedor de Justiça tomem medidas cabíveis contra a decisão.
A Conferência Episcopal Portuguesa foi outra entidade que criticou a sentença, se dizendo contra o uso da Bíblia para fundamentar as decisões, “ainda mais neste caso em que há uso incorreto ou incompleto” dos textos bíblicos.
O Conselho Superior da Magistratura informou que não poderá intervir, pois os tribunais são independentes.