GRUPO DE EXTERMÍNIO – Comandante da PM em Goiânia depõe à PF.
O comandante do Policiamento da Capital, em Goiânia, tenente-coronel Ricardo Rocha, foi conduzido hoje (11) pela Polícia Federal (PF) para prestar depoimento sobre seu envolvimento com um grupo de extermínio que agia no interior do estado de Goiás.
Andreia Verdélio**
Ao todo, 11 policiais militares foram alvos da segunda fase da Operação Sexto Mandamento, que investiga a morte de dois jovens que ocorreu em 2010 em Alvorada do Norte (GO).
O vice-governador e secretário de Segurança Pública e Administração Penitenciária de Goiás, José Eliton, repudiou a forma como a PF deflagrou a operação. “Não podemos tolerar o vilipêndio da dignidade e da honra sem o devido processo legal”, disse, referindo-se ao comandante Rocha, “homem que contra si não tem nenhuma condenação penal e que exerce de maneira altiva suas atribuições em todos os comandos que passou”. José Eliton ressaltou que Rocha não será destituído do cargo.
Segundo o vice-governador, entretanto, as ordens judiciais devem ser cumpridas e o estado apoia todos os processos de investigação que seguem seu trâmite legal, garantindo o direito de defesa. “Acima de tudo tem o direito individual, se ele está sendo investigado, não significa ser culpado. A culpa é definida pelo Poder Judiciário quando julga o cidadão”, disse, em entrevista coletiva na manhã de hoje.
Para o vice-governador, a PF fez um “espetáculo midiático” quando destaca que a operação foi deflagrada para desarticular grupo de extermínio atuante em Goiás. “Não há no estado de Goiás qualquer grupo de extermínio. É uma leviandade inaceitável que a PF, através de sua comunicação, expõe para a sociedade.”
A operação foi deflagrada hoje para cumprir três mandados de prisão temporária, de dois policiais e um advogado; 17 de condução coercitiva, entre os quais de nove policiais; e 19 de busca e apreensão nas cidades de Goiânia, Alvorada do Norte e Formosa.
Grupos de extermínio
A primeira fase da Operação Sexto Mandamento foi deflagrada em 2011, e 19 policiais foram acusados de participação em grupos de extermínio, além de civis. Cerca de 100 mortes que aconteceram em Goiás a partir de 2006 são atribuídas a grupos de extermínio. A maioria dos militares alvos da PF hoje, incluindo o tenente-coronel, também foi investigada em 2011, por suspeita de envolvimento com execuções em cidades goianas.
Segundo o delegado da Unidade de Repressão a Crimes Contra Pessoas, Milton Rodrigues Neves, da Divisão de Direitos Humanos da PF, quando se fala em grupo de extermínio a ideia é que se está realizando uma “limpeza social”. “A ideia de que bandido bom é bandido morto leva a crer que eles estão fazendo uma coisa boa. Mas, quando essas pessoas começam a atuar e a matar pessoas que têm envolvimento com o crime, começam a praticar outros crimes, muitas vezes ligados a tráfico de drogas e armas e a matar pessoas que não têm relação com o crime”, explicou, ressaltando que os bandidos devem ser presos e não mortos pela polícia.
Os dois crimes investigados nessa operação foram federalizados em 2014, a pedido do Ministério Público Federal, no Incidente de Deslocamento de Competência (IDC 3). Segundo Neves, a não conclusão e paralisação das investigações justificaram o pedido de mudança de responsáveis em 48 processos. Apenas três foram aprovados pelo Superior Tribunal de Justiça – dois homicídios e um caso de tortura.
Sexto mandamento
Os corpos dos dois jovens, Pedro Nunes da Silva Neto e Cleiton Rodrigues, nunca foram encontrados. O delegado conta que eles desapareceram enquanto tomavam banho em um rio de Alvorada do Norte. Eles eram primos de Higino Carlos Pereira de Jesus, que segundo Neves, teria sido morto pelo mesmo grupo duas semanas antes, porque estaria ligado a furtos de gado em fazendas da região.
O fazendeiro e empresário suspeito de ser mandante dos crimes também foi conduzido para depoimento hoje pela Polícia Federal. Segundo Neves, os grupos de extermínio agem mediante pagamento e também favores. No caso desses homicídios, o suspeito de ser mandante foi financiador da campanha para deputado estadual do tenente-coronel Ricardo Rocha, o principal investigado, que será indiciado por homicídio e ocultação de cadáver. “Tem uma série de provas que indicam a participação dele, testemunhais e dados técnicos”, disse o delegado.
A Agência Brasil não conseguiu o contato da defesa de Ricardo Rocha.
Neves explicou ainda que as prisões feitas hoje foram necessárias porque os investigados continuaram a cometer crimes como fornecimento de armas. Além do cumprimento dos mandados, a PF fez hoje três flagrantes, apreensão de armas irregulares, de munição pendente de origem e de mais de R$ 30 milhões em valores.
Para o delegado, a operação representa uma resposta do Estado a ações de execução sumária e desaparecimento de pessoas. “Por mais que seja um caso específico é o caso de um grupo que ainda responde a outros processos”, disse, ressaltando que o número de policiais militares envolvidos nesses grupos é muito pequeno e “não representa a corporação em si”.
O nome da operação é uma referência ao sexto mandamento da Bíblia: “Não matarás”.
** Repórter da Agência Brasil