Literatura na rede: internet, hipertexto e géneros digitais, novas possibilidades de leitura e interação
Larissa Cardoso Beltrão
O contexto experimental assumindo pela produção literária do final do século XX e início do século XXI aproximou a Literatura do Ciberespaço. Na medida em que a internet passou a ser utilizada como suporte tanto para a veiculação, quanto para a produção de textos literários verificamos o surgimento de diversos estudos que transformam o texto em hipertexto e, por conseguinte, o leitor em hiperleitor.
O surgimento de programas como o storyspace confere ao (hiper) leitor uma nova condição, uma vez que sai da condição de mero expectador passa a atuar, de forma direta, na produção do (hiper) texto. Do ponto de vista linguístico, o texto literário, como todos os outros, pode ser definido como “um todo organizado de sentido” (FIORIN & SAVIOLLI, 2001, P. 16), afirmação esta que corrobora com ideia do surgimento de um público não meramente expectador, mas sim ativo. E ao pensarmos, também na língua, como um elemento vivo, é preciso lembrar que:
Para que serve este bem imaterial que é a literatura? (…) A literatura mantém em exercício, antes de tudo, a língua como patrimônio coletivo. A língua, por definição, vai aonde ela quer (…) mas é sensível às sugestões da literatura. (…) a literatura, contribuindo para formar a língua, cria identidade e comunidade. (…) Mas a prática literária mantém em exercício também a nossa língua individual. (…) (ECO, 2003, p.09).
Umberto Eco (2003), como vimos no excerto acima, salienta com veemência a relação entre a língua e o povo, ora, pois, se aquela é inerente a este, e a literatura é fruto desta relação, na medida em que o mundo se transforma o fazer literário também muda. A modernidade legou ao mundo uma transformação e, no que diz respeito à criação literária, não obstante, verificamos a necessidade de certa liberdade para a criação. A partir desta premissa, o hipertexto, enquanto “criação literária, é o talento do escritor que cria em função das tendências de seu gosto e [principalmente] do gosto de sua época” (AMORA, 1967, p. 144). De modo que, não se pode negar a influência da época sob o escritor, uma vez que são muitos os anseios e também as necessidades dos sujeitos que, na contemporaneidade, disponibilizam de outros suportes literários, promovendo a leitura em ambientes de hipermídia.
Outra questão importante, também levantada por Eco (2003) é do caráter misto da literatura, uma vez que se configura tanto como um bem material, quanto como um bem simbólico, de natureza imaterial. Para tanto, ele afirma que:
nem eu seria idealista a ponto de pensar que às imensas multidões, às quais faltam pães e remédios, a literatura poderia trazer alívio. Mas uma observação eu gostaria de fazer: aqueles desgraçados que, reunidos em bandos sem objetivos, matam jogando pedras dos viadutos ou ateando fogo a uma menina, sejam eles quem forem afinal, não se transformaram no que são porque foram corrompidos pelo newspeak do computador, mas porque foram excluídos do universo do livro e dos lugares onde, através da educação e da discussão, poderia chegar até eles os ecos de um mundo de valores que chega de e remete a livros. (ECO, 2003, p. 12, grifos nossos)
Embora Literatura não sacie a fome de pão, o universo do livro, impresso ou não, lega ao ser humano um mundo de valores, abre uma série de possibilidades. Considerando, portanto, esta realidade, acreditamos, pois, que a literatura, na rede, dado a seu alcance, em e da massa, pode ser compreendida com um suporte, tanto de criação, como de veiculação da produção literária.
Diante deste cenário de mudança, bem como da nova percepção do leitor, enquanto receptor, da produção artística, sendo de extrema relevância a inclusão do hipertexto no cotidiano de quem opta pelo universo da escrita. Nesse contexto, surgiram nomes como o da escritora carioca Thalita Rebouças, uma poeta, no sentido estrito da palavra, da rede. Sua literatura está ambientada em meio a um cenário que sugere um forte impacto na identidade cultural: a pós-modernidade. O advento da internet, bem como dos outros meios de comunicação, de cunho tecnológico alteram o comportamento do homem.
Em meio às mudanças e transformações sociais, bem como das particularidades deste ovo tempo-espaço, os quais a contemporaneidade vem nos apresentando, nas obras de Thalita Rebouças flagramos questões comportamentais relacionadas ao contexto no qual estamos inseridos. Ela completou 15 anos de carreira, com 20 livros publicados e 1,5 milhões de livros vendidos, é também um fenômeno em redes sociais: “Acho importante eu ter uma boa relação com as redes sociais porque é um caminho direto para os meus leitores. Ultimamente, estou viciada no Snapchat. Relutei a entrar, mas agora meus fãs até me apelidaram de ‘rainha do Snap’. É muito divertido, é como se cada um tivesse seu próprio Big Brother”.
Conhecida pela saga “Fala Sério”, a escritora faz de suas páginas nas redes sociais um verdadeiro laboratório, uma vez que, a partir do contato com seus leitores, ela busca motivação para seu processo de escrita, tendo declarado, inclusive, ser encantada pelo cotidiano das pessoas. Em sua obra “Fala sério Mãe!”, não obstante, verificamos uma representação do feminino. A obra gira em torno das experiências de mão e filha, Ângela e Maria de Lourdes – a Malu. Ao longo do enredo surge um elemento especial na narrativa, haja vista que a primeira parte, da gestação até os treze anos da filha a obra é narrada pela mãe. Depois disso a voz passa a ser a filha:
“É a menina cedendo lugar não à mulher, mas a uma linda mocinha. A minha mocinha (…) que se orgulha de ter ideias e ideais, que me ensina muito, diariamente, e que se expressa com clareza e coerência através de gestos, atitudes e, principalmente, palavras. É, palavras. A partir de agora, tenho certeza, ela já pode falar por si própria.” (REBOUÇAS, 2004, p. 68)
A partir de então os conflitos experimentados nesta relação, mãe e filha, chegam ao leitor pela voz de Malu, daí a questão identificação de seu público, uma vez que Thalita Rebouças é considerada uma escritora teen, uma pop star, tendo sido chamada de a Madonna dos livros. Na obra em questão, o lugar da mulher é apresentado a partir construção do respeito pelo diferente. Ao mudar a voz do narrado, a escritora sugere a ideia de diversidade, lança olhar múltiplos. No decorrer da obra fica evidente o processo de amadurecimento de Maria de Lourdes: Minha querida primogênita resolveu entrar para um curso de teatro. Achei ótima a ideia, teatro solta a cabeça, faz pensar, ler, criar, fantasiar, imaginar- e, como disse Albert Einstein, “imaginação é mais importante que conhecimento.” Dei a maior força. Em pouco tempo Maria de Lourdes ficou menos tímida, mais segura de si, mais articulada, muito mais comunicativa. E muito amável. Mas amável demais. Aquele tipo de amável que beira ao exagero. Do dia para à noite, minha amabilíssima filha resolveu virar uma abraçadora, profissional. É um tal de abraça para cá, abraça para lá. (…). (REBOUÇAS, 2004, p. 61)
No excerto acima podemos verificar, inclusive pela linguagem, a relação de proximidade entre obra e público e, como sugere Antonio Candido (2000), em Literatura e sociedade, os fatores sociais exercem influência concreta na manifestação artística, pois ao analisarmos a arte, enquanto um sistema simbólico de comunicação inter-humana, podemos verificar a existência de uma relação pertinente entre artista, obra e público, conforme verificamos na citação a seguir:
[a obra] pressupõe o jogo pertinente de relação entre os três [artista, obra e público], que formam uma tríade indissolúvel. O público dá sentido e realidade à obra, e sem ele o autor não se realiza, pois ele é de certo modo o espelho que reflete a sua imagem enquanto criados. […]. Deste modo, o público é fator de ligação entre o autor e sua obra (CANDIDO, 2000, p. 33).
O público é o receptor da arte cabendo a ele a integração do conteúdo artístico nos seus diferentes aspectos. Para Candido (2000), tanto os valores sociais, quanto as técnicas de comunicação, das quais a sociedade se dispõe, exercem certa influência sobre a obra de arte e contribuem para o reflexo da posição social do artista em relação a um determinado acontecimento.
Mais adiante, Ângela Cristina dirá “Papéis invertidos. Levei uma senhora bronca da minha pirralha. Uma bronca elegantérrima, mas uma bronca. E dou razão a ela por cada palavra, por cada sentimento que ela pôs em seu discurso. Fiquei orgulhosa de sua entrega, de suas verdades… do seu coração”. (REBOUÇAS, 2004, p.63). A mudança de comportamento, bem como a percepção, da mão nos dão indícios de que o terreno é outro, o mundo mudou e pessoas precisam acompanhar este processo.
Diante do exposto, considerando, pois, que a Literatura deve ser concebida como fruto do contexto no qual é produzida, diante do cenário de transformação que a pós-modernidade sugere, tem-se, hoje, uma necessidade latente em lançar um olhar para fora do cânone literário. Dizer que os jovens brasileiros não leem, é uma afirmação perigosa, haja vista que a quantidade de seguidores que Thalita Rebouças, a escritora citada neste trabalho, possui a colocaria em risco. Ora, pois, se ela é reconhecida pela sua atividade, a de escrita, ter milhares de seguidores sugere, exatamente, ter a mesma quantidade de leitores.
Contudo, não se pretende neste trabalho dizer que ler Thalita Rebouças é o suficiente e que, portanto, não é necessário que se leia, por exemplo, Clarice Lispector. Pelo contrário! O que se espera é que a partir da leitura de uma realidade tida como próxima à sua, ao tomar gosto pela literatura o adolescente sinta o desejo de visitar o cânone literário de seu país. E, neste processo, ao ser utilizada como suporte, a internet tem o poder de disseminar a literatura, pois para ler Clarice Lispector o jovem não precisa sair de casa e ir à biblioteca, já que suas obras estão ao alcance de um clique.
Referências
AMORA, Antônio Soares. Teoria da Literatura. 7 ed. São Paulo: Clássico-Científica,1967
CANDIDO, Antonio. A literatura e a vida social. In: _____. Literatura e sociedade. São Paulo: Publifolha, 2000. p. 17-36.
ECO, Umberto. Sobre algumas funções da literatura. In: Sobre a literatura. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.
FIORIN, José Luiz & Francisco Platão Savioli. 2001. Lições de Texto: Leitura e Redação. São Paulo: Ática.
REBOUÇAS, Thalita. Fala sério, mãe! Rio de Janeiro, Rocco, 2004.
http://ego.globo.com/ego-teen/noticia/2015/09/thalita-reboucas-comemora-15-anos-de-carreira-nunca-me-senti-tao-bem.html<acesso em 21 de abril de 2016>