Fazenda Cerrado – Acampamento Nelson Mandela - Imagem inicial da ocupação em dezembro de 2014, atualmente toda extensão visível nessa imagem está ocupada por barracas.

Conflito agrário leva insegurança ao nordeste goiano

As frequentes invasões de terras em municípios do nordeste goiano tem provocado reações dos produtores rurais, que podem culminar em tragédia. A tensão é tamanha que, em audiência pública na Câmara, um deputado afirmou que “o Comandante-Geral da PMGO é frouxo e o governador não sabe o que está acontecendo em sua região”

Roberto Naborfazan*

As comunidades da região da Chapada dos Veadeiros têm, há vários anos, acompanhado os fortes debates e conflitos entre produtores rurais e ambientalistas, sempre focados nas questões do desmatamento ilegal, assoreamento dos rios, plantio de transgênicos, uso de agrotóxico e temas pertinentes ao meio ambiente, como a ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Dentro dos acordos possíveis, os dois lados se entendem e vão dialogando, sempre buscando o melhor consenso.

Nos últimos anos, no entanto, um novo flanco, explosivo e destrutivo onde chega, tem perturbado o sono do cidadão comum e gerado desconforto no meio rural, policial e politico; a invasão na região de um enorme contingente dos chamados “Sem Terras”, comandados por José Rainha Júnior e liderados por seu braço direito em Goiás, Hugo Daniel Maciel Zaidan, na chamada FNL – Frente Nacional de Luta.

A FNL – Frente Nacional de Luta é um grupo dissidente do MST e está presente em cinco estados brasileiros – São Paulo, Bahia, Minas Gerais e em Goiás, atualmente possui aproximadamente 18 mil pessoas filiadas.
Muitos temem, até pela origem de vários integrantes da FNL, que a região da Chapada dos Veadeiros se torne um novo Pontal do Paranapanema, localizado no extremo oeste do estado de São Paulo. Mas o Pontal é uma região em que praticamente não existem propriedades rurais privadas, sendo a quase totalidade das terras de propriedade do Estado brasileiro, as chamadas terras devolutas, e os conflitos se deram com mais violência entre os grande grileiros e grupos que pediam as terras para a reforma agrária. Os litígios, quase sempre, eram entre invasores antigos, recentes e grileiros.

Na região da Chapada estão sendo invadidas propriedades produtivas, de forma a coagir os poderes a desapropriar na marra terras que tem donos, mesmo que alguns estejam bloqueados pela justiça.

Por enquanto, o clima está mais acirrado no município de São João D’Aliança, que abriga nove assentamentos do INCRA, e teve seu primeiro sinal de alerta com a invasão da fazenda Cerrado, pertencente ao Espólio de Abib Miguel, ex-diretor da Assembleia Legislativa do Paraná, que teve os bens bloqueados pela justiça do Estado do Paraná, sob acusação de lavagem de dinheiro. A propriedade foi ocupada em dezembro de 2014, mesmo de posse de um “interdito proibitório”, ali estão 873 famílias, no total de 1.800 pessoas.

Barril de pólvora

Integrantes da FNL bloqueiam acesso a Fazenda Isabel, em São João D’Aliança. Clima ficou tenso com a PM de Goiás e culminou em punição ao comandante da 14ª CIPM

O estopim de uma bomba que ainda pode causar muitos danos, se não for apagada com força e coerência pelos governos estadual e federal, com respaldo da justiça, foi a invasão da Fazenda Isabel, no dia 06 de junho deste ano.
Aproximadamente 250 integrantes da FNL participaram da invasão. Em alerta por outras invasões na região, os produtores se reuniram e comunicaram o clima ao Policiamento Militar da 14ª CIPM , comandada na região pelo Major Carlos Eduardo Belelli, que rumou para o local com seu contingente de dezoito policiais e oito viaturas.
Segundo relato de um dos produtores rurais presentes, os Policiais Militares foram recebidos e cercados na porteira da fazenda por mais de 200 pessoas armadas com facas, foice, facões e porretes. “Não fosse a postura firme e destemida do Major Belleli e seus comandados, só Deus sabe a carnificina que aquilo iria se tornar” diz o produtor que pediu anonimato. Ato continuo, cerca de 200 produtores rurais da região surgiram com máquinas agrícolas, tratores, colhedeiras, caminhões e seus veículos particulares, bloqueando assim o acesso a fazenda. A presença da Policia Militar e contatos com o ouvidor agrário nacional de Goiás e Distrito Federal, Gercino José da Silva, por telefone, possibilitou diálogo com Hugo Zaidan e seus advogados, evitando um desastroso confronto entre as partes.

Ataques verbais em audiência

Buscando respaldo para suas ações, a Frente Nacional de Luta, através de Hugo Zaidan, propôs uma audiência pública, que aconteceu no dia 20 de agosto, no Ginásio de Esportes da cidade de São João D’Aliança.

Presentes mais de quinhentos integrantes do movimento, caracterizados com camisetas e bonés vermelhos com logomarcas da CUT e FNL, em sua maioria, entre outras bandeiras de movimentos, aproximadamente cem produtores rurais e várias autoridades, entre elas o ouvidor agrário Gercino José da Silva , chefe do estado maior da PMGO Coronel Victor Dragalzew, Tenente Coronel Henrikson, Comandante do 11º CRPM, Tenente Coronel Costa, Comandante da 14ª CIPM, Major Carlos Eduardo Belelli, vice-prefeito de São João D’Aliança, Ielson Antônio Szervinsk , vereadores Celino do Projeto e Neuton, delegado Cristiomário , representantes da OAB, FAEG, INCRA, MDA e outras entidades de classe.

O líder regional da FNL, Hugo Zaidan, enfatizou em seu discurso, que as ações da PMGO e dos agricultores locais foram “desrespeitosas” em relação aos direitos humanos e destacou a desocupação sem ordem judicial pela PMGO da Fazenda Isabel. Hugo disse ainda que sofre ameaças de morte constantemente e que sua família se mudou para outra cidade, tendo em vista o estado de temeridade que estavam passando.
Se dirigindo ao pequeno grupo de produtores rurais presentes, Hugo Zaidan afirmou “ Não sou inimigo de ninguém, o que nós da FNL queremos no momento é a ocupação das terras pertencentes ao espólio de Abib Miguel”.
As terras a que se refere o líder do movimento se encontram bloqueadas pela justiça do Estado do Paraná, sendo elas: Fazenda Isabel, Santa Isabel, Polônia e Cerrado.

Já o comandante da 14ª CIPM, major Belelli, em seu discurso, enfatizou, mediante a leitura das leis pertinentes a legalidade das ações da Polícia Militar, especialmente da tropa sob meu comando, afirmando ainda que todo cidadão, proprietário de qualquer tipo de imóvel tem o direito, sim, de defender o seu patrimônio.

Nesse trecho de sua fala, foi interrompido abruptamente pelo ouvidor agrário nacional, Gercino José da Silva, que, mostrando parcialidade, defendeu efusivamente as ações da FNL, fugindo a missão de seu cargo, que é de ouvir as partes, aclarar dúvidas e promover a conciliação. “O major Belelli tem problemas (sic), vou solicitar ao governador do estado sua imediata transferência” Bradou o ouvidor. Sua intervenção entusiasmou o grande número de integrantes do movimento presentes, que passou a hostilizar e vaiar o comandante militar, o que provocou constrangimento do oficial diante de seus comandados e da parcela da comunidade presente.

O desembargador aposentado e hora ouvidor agrário tem mesmo sua influência, pois conseguiu autorização de transferência do major Belelli, só não concretizada por causa de uma forte mobilização de moradores e lideranças politicas e da sociedade organizada dos municípios da região, que foi transformada em um afastamento de suas funções por um período de dez dias, e permanência no comando da 14ª CIPM até o final deste ano, quando será tomada decisão definitiva pelo comando geral da PMGO.

Audiência na Câmara dos Deputados

A movimentação da FNL na região da Chapada dos Veadeiros e um iminente confronto com produtores rurais tem levado inquietação e sensação de insegurança aos moradores dos municípios de São João D’Aliança, Alto Paraíso e Teresina de Goiás.

Diante da situação, a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos deputados promoveu, no dia 20 deste mês, audiência pública, proposta pelos deputados Luis Carlos Heinze (PP-RS) e Valdir Colatto (PMDB-SC) e presidida pelo deputado Roberto Balestra (PP-GO).

Segundo reportagem da agência Câmara Notícias, a polêmica girou em torno do direito à propriedade dos donos das terras e o direito dos produtores rurais que não são proprietários. “Diante da gravidade das possíveis consequências deste problema tão recorrente no Brasil, é de fundamental importância o esclarecimento à sociedade dos fatos e das circunstâncias em que tais invasões vêm acontecendo”, justificam os deputados.

Segundo o representante da Associação Brasileira de Produtores de Grãos, Francisco Martins Neto, as invasões têm acontecido desde o final do ano passado em propriedades nos municípios de São João D’Aliança, Água Fria de Goiás, Alto Paraíso, Niquelândia e Planaltina de Goiás.

Para o deputado Luis Carlos Heinze, um dos autores do pedido para a realização do debate, o maior problema não é a falta de terras, mas de condições para produzir. “Ali em São João D’Aliança, grande parte dos próprios assentados não tem água nem luz, não tem as mínimas condições de produzir. O problema então não é terra, é prover aquelas famílias de condições para produzir. Por que invadir mais propriedade e querer mais terra?”

Ainda segundo a reportagem da agência, O deputado Roberto Balestra (PP-GO), que presidiu a audiência, afirmou que pretende promover um debate no município de São João da Aliança, para continuar a discussão do assunto.
Mas a grande polêmica dessa audiência ficou por conta das afirmações do deputado Alberto Fraga (DEM-DF) ao se dirigir ao ouvidor agrário nacional de Goiás e Distrito Federal Gercino José da Silva “ Os produtores rurais onde as terras estão sendo invadidas e quem mora por lá não conseguem dormir sossegados por que os invasores contam com seu apoio. O senhor, em minha opinião, não tem condições de fazer parte como ouvidor, porque tem que ser alguém imparcial e o senhor é parcial. O senhor disse que iria tirar o major Belelli de lá e tirou, tirou porque o comandante-geral é frouxo e o governador não sabe o que está acontecendo na região dele.” (Clique aqui e veja o vídeo).

O ouvidor Gercino Silva disse, entre outras palavras em sua defesa, que respeita as diretrizes do governo federal a respeito de processos de reintegração de posse.

Procurada, a assessoria de imprensa da governadoria disse que não iria se manifestar, por enquanto, por ser uma questão de segurança regional, e que a Policia Militar tem autonomia para responder sobre essas questões.

Procurada por nossa reportagem, a assessoria de imprensa do comando-geral da Policia Militar solicitou E-mail com os questionamentos, mas até o fechamento desta edição nenhuma resposta foi dada.

A reportagem tentou contato com um advogado, que seria representante jurídico da FNL, através do celular 62 9694xx01, mas as ligações não foram completadas.

Com rumores da chegada de um forte contingente de força militar na região para os próximos dias, visando a reintegração de posse das terras invadidas, a população da região vive dias de tensão e medo, mas ao mesmo tempo de esperança que as autoridades encontrem caminhos para acabar de vez com o grave conflito agrário que aflige seus municípios.

**Colaborou: Elias Alves de Souza

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