Setembro Verde: sinal aberto para doações de órgãos
Por Gabriela Louredo
O presidente da Associação dos Doentes Renais Crônicos e Transplantados de Goiânia, Escimar José Reis Araújo, de 53 anos, dedica seu tempo a quem sofre de insuficiência renal. Ele é voluntário. Decidiu se doar. Aprendeu a lição com as duas irmãs ao se ver diante da necessidade de encarar um transplante.
Na verdade, o irmão mais velho fez primeiro os exames e era 100% compatível, o quê é considerado raro. No entanto, desistiu na última hora. Então, a irmã caçula disse que não o deixaria morrer. A cirurgia foi realizada no dia 27 de outubro de 1993, data que não sai da memória.
Escimar conta que era funcionário da Celg em 1991, quando um voluntário de Medicina passou aferindo a pressão arterial, que estava muito alta e pediu para ele procurasse um médico. Na época, ele conversou com a mulher, que é biomédica, e fez uma bateria de exames que nada apontaram. Depois de um ano de tanto vasculhar, uma médica solicitou exames específicos de ureia e creatinina que apontaram que os rins estavam 60% comprometidos. “Continuei jogando bola e trabalhando porque não acreditei. Quando voltei ao médico, tinha só 10% dos rins e comecei a fazer a diálise no peritônio por seis meses”, diz.
Em 2007, um novo capítulo dessa história. Ele acabou ‘perdendo’ o rim que fora doado pela irmã mais nova em função da sobrecarga de medicamentos para tratamento contra dengue e faringite. “Coloquei um cateter para fazer a hemodiálise. Em três meses, minha irmã mais velha fez os exames para doar o rim para mim. E meu pai morreu no ano seguinte fazendo hemodiálise. Depois disso, fiz uma promessa para ser voluntário na presidência da Associação. Hoje sou um voluntário e faço tudo o que for preciso para ajudar os renais crônicos”, revela.
Atualmente, 1,1 mil doentes renais crônicos fazem sessões de hemodiálise em 13 clínicas em Goiânia e duas em Aparecida de Goiânia. O ‘ritual’ acontece três vezes na semana, quatro horas por dia. A sede da Associação que fica no Setor Fama, na capital, serve de casa de apoio para essas pessoas e é mantida por doações.
Setembro Verde
De janeiro a agosto de 2015, foram realizadas 852 doações de córneas, 402 de rins, uma de coração e oito de pâncreas e rins em Goiás. As 1.263 cirurgias nesse período superaram as 1.237 em 2014, resultado que é comemorado pelo gerente da Central de Transplantes, Luciano Leão. “No ano passado pouco mais de 10% das famílias aceitavam as doações. Hoje, esse quantitativo dobrou”, justifica. Segundo ele, o empenho da Secretaria da Saúde de Goiás para mobilizar os hospitais públicos nesse processo contribuiu para isso e também a criação de uma equipe da Secretaria da Saúde (SES) – formada por dez médicos – para a captação dos órgãos junto aos hospitais públicos é tida como uma conquista.
Os hospitais de urgência e emergência, com perfil de atendimento em sua maioria de vítimas de acidentes de trânsito, estão na ponta do processo. “Para nós foi muito importante a entrada dos hospitais públicos, principalmente o Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo), responsável por mais de 90% das doações de um ano pra cá, porque é o perfil para esses pacientes vítimas de acidentes. Estamos fazendo gestões na SES para que eles assumam bem essa questão dos transplantes. Porque, se eles forem parceiros, a gente vai conseguir melhorar muito os índices. A prova é que depois que o Hugol começou a funcionar já tivemos aumento das doações. Apesar de ele estar funcionando parcialmente, já tivemos duas doações de múltiplos órgãos e várias doações de órgãos”, explica.
“Estamos começando a fazer captações em hospitais de menor porte como Catalão, onde tivemos duas no ano passado de múltiplos órgãos. Em Anápolis, estamos começando a ter oportunidades para captar. Em Aparecida está se estruturando o Huapa e pretendemos ter em breve também a parceria do Hurso de Santa Helena na captação”, pontua sobre as doações no interior.
O Dia Nacional da Doação de Órgãos e Tecidos é comemorado no dia 27 de setembro. Para incentivar o aumento do número de doações, a SES lançou a Campanha Setembro Verde. A cor que simboliza o sinal aberto para as doações está iluminando as fachadas de prédios públicos e particulares em Goiânia.
Graças aos esforços constantes da Central de Transplantes, que fica no Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (Crer), e as ações educativas que buscam conscientizar a população, os números são otimistas. No ano passado, pouco mais de 10% das famílias aceitavam as doações. Hoje, esse quantitativo dobrou. Durante todo o mês, a programação de atividades da SES é voltada para divulgar a importância desse gesto.”Pelo progresso que tivemos de um ano para cá, estamos na expectativa de começarmos a ver uma nova fase de transplantes. Nós igualamos a todo o ano passado só nos oito primeiros meses”, ressalta.
A luta pela vida
Uma fila em especial traz muita angústia e sofrimento se comparada às que enfrentamos diariamente. Em Goiás, cerca de 1,2 mil pessoas aguardam desesperadamente receber um dia a notícia de que terão uma nova chance. Mas quando, e se ela virá, depende de um gesto de solidariedade. Para o gerente da Central de Transplantes de Goiás, ligada à Secretaria da Saúde, Luciano Leão, esse é um gesto cristão, de amor ao próximo. A legislação brasileira exige autorização da família do paciente para a doação de órgãos.
Quando se trata de morte encefálica, uma pessoa pode salvar a vida de outras sete. No entanto, o preconceito pode falar mais alto nesse momento de dor, por se tratar de uma situação inusitada. “É um momento muito difícil! A legislação é muito rigorosa. O Conselho Federal de Medicina baixou uma resolução definindo os critérios. O diagnóstico é feito com certeza e a família, se tiver qualquer dúvida, pode solicitar um médico amigo que acompanhe o diagnóstico. Se você quer ser um doador, comunique aos familiares. Não precisa deixar documento escrito porque não terá validade. A decisão soberana pertence à família. As pessoas precisam confiar no sistema de transplantes públicos que é o melhor do mundo. Mais de 90% das cirurgias são feitas pelo SUS que gastou R$ 1,5 bilhão no ano passado em transplantes e a Secretaria (SES) tem investido muito também”, afirma.
Outro empecilho, conforme aponta Luciano, é a falta de envolvimento dos médicos com a causa. É que os hospitais públicos precisam notificar a Central sobre os pacientes que sofreram morte cerebral para a abordagem das famílias. Muitas oportunidades se perdem porque os profissionais ainda estão alheios a essa questão. Luciano acredita que a inclusão de uma disciplina específica sobre o assunto na grade curricular poderia colaborar para uma mudança. A sugestão já foi feita para a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás.
Transplante de coração
As cirurgias de transplantes são realizadas em hospitais credenciados pelo Ministério da Saúde. Em Goiás, são o HGG, o Santa Genoveva e a Santa Casa de Goiânia. A expectativa é que a partir de outubro, o Hospital Lúcio Rebelo inicie os transplantes cardíacos. Os pacientes serão preparados e regulados para entrar na fila. O Hospital das Clínicas, embora tenha uma equipe habilitada para transplante de fígado, ainda não cumpre esse papel.
Luciano Leão explica que no mundo todo a maior demanda de órgãos é pelos rins e no caso de tecidos, por córneas. A maior parte dos pacientes tem insuficiência renal devido ao uso de medicamentos ou doenças crônicas como diabetes, hipertensão e autoimunes que atacam o rim. A maior causa da perda de córneas geralmente é uma doença chamada de ceratocone. Goiás transplanta rins, pâncreas e córneas. No ano passado, foram quase mil transplantes de córneas. Mais de 13 mil pessoas já foram transplantadas no Estado. Familiares de até 4º grau também podem doar órgãos em vida, como o rim, parte do fígado ou do pulmão, mas há limitações. O foco é ampliar as doações após morte encefálica. Como sugere o slogan do material educativo da SES: Um herói de verdade nunca morre.