Povos tradicionais de Goiás, do Brasil e do mundo se reuniram para o XV Encontro de Culturas Tradicionais

Redação

Entre os dias 17 de julho e 1 de agosto, a Vila de São Jorge abrigou o XV Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros. Como de costume, o evento começou com a realização da Aldeia Multiétnica, voltada à vivência e discussão de desafios políticos e sociais enfrentados cotidianamente pelos povos indígenas. Este ano, estiveram presentes as etnias Krahô, Machineri, Kaiapó, Xavante, Fulni-ô, Kamaiurá, Kariri-Xocó, Trucá e Yawalapiti.

Em duas semanas, muitas pessoas e culturas passaram pela pequena Vila, distrito do município de Alto Paraíso, que em seus dias normais abriga cerca de 500 moradores. A comemoração dos 15 anos de Encontro de Culturas foi marcada por momentos ímpares. Alguns felizes, outros, nem tanto. Logo no início do Encontro, o artista Ted, companheiro da arte-educadora Doroty Marques, faleceu, deixando para trás uma opereta interminada, que veio a ser um dos momentos mais significativos deste XV Encontro.

Outros destaques do XV Encontro foram a visita do Governador Marconi Perillo, que esteve na Vila para inaugurar o novo trecho de asfalto que liga São Jorge a Alto Paraíso, e o reconhecimento vindo do 28º Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, promovido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O Encontro de Culturas foi premiado na Categoria II do prêmio – Iniciativas de excelência em promoção e gestão compartilhada do Patrimônio Cultural.

Dentre tantos momentos marcantes, recorremos à Agência de Notícias Cavaleiro de Jorge – que faz a cobertura oficial do evento – e selecionamos algumas das principais atrações, conversas e atividades que movimentaram a Chapada dos Veadeiros durante as duas últimas semanas do mês de julho. Acompanhe!

Aldeia Multiétnica, voltada à vivência e discussão de desafios políticos e sociais enfrentados cotidianamente pelos povos indígenas.
Aldeia Multiétnica, voltada à vivência e discussão de desafios políticos e sociais enfrentados cotidianamente pelos povos indígenas.

Aldeia Multiétnica
A abertura oficial da IX Aldeia Multiétnica ocorreu no sábado (18), com a inauguração da 1ª Tenda Literária Indígena, um espaço de troca, onde aconteceram rodas de prosa, projeção de filmes e debates. O local também contou com uma biblioteca com rico material sobre questões indígenas e quilombolas. Três convidados de peso deram largada ao evento: Creusa Krahô, Lucas Machineri e Daniel Munduruku, grandes representantes da cultura indígena.

Creusa Krahô, a primeira de sua etnia a fazer mestrado, contou sobre seus estudos na Universidade de Brasília e a luta pelas questões indígenas. A demarcação das terras indígenas norteou toda a conversa. Creusa diz que entrou na universidade para saber ainda mais sobre como ajudar seu povo nessa discussão. “Não serei jovem para sempre para lutar. Quando me tornar anciã, poderei apenas ensinar sobre como conviver com o homem branco”, alerta. “Por isso, incentivo os jovens a estudar e a entrar na universidade. Na Funai, por exemplo, deveríamos ter mais indígenas resolvendo nossos problemas, não homens brancos”.

O segundo convidado, Lucas Machineri, da etnia Machineri, do Acre, também é mestrando na Universidade de Brasília e frisou em seu discurso a importância da demarcação das terras. “Invadiram nossa casa e agora não querem ceder um espaço para vivermos nossos costumes”, falou. “No Acre, o problema é o governador não reconhecer nossos direitos. Queremos apenas ter nosso território, uma vida saudável, com nosso conhecimento e a articulação de uma política própria”.

Por fim, o historiador Daniel Manduruku começou dizendo que ali naquele encontro não enxergava índios e não-índios. “Em lugares como esse não existem os curiosos que chegam para nos olhar como exóticos. Estou vendo um monte de parentes”, disse. “Todos filhos da mesma terra, irmãos de sangue. Não são para vocês que preciso falar sobre os nossos problemas”.
Ao todo, 8 etnias participaram da festa, apresentando seus costumes, danças, cantos, trajes e trazendo seus problemas sociais e políticos para o debate.

Palco e Cavaleiro
Conhecido por sua versatilidade dentro do universo das culturas tradicionais, o Encontro deste ano trouxe ao público de São Jorge uma gama variada de apresentações artísticas do Brasil e de países como França e México.

O Projeto Turma que Faz, comandado pela arte-educadora Doroty Marques, que ensina teatro e percussão a crianças e jovens da Vila de São Jorge teve, neste ano, duas apresentações, uma na Casa de Cultura Cavaleiro de Jorge e outra no palco principal do evento. A primeira apresentação foi o espetáculo Penha Folclórica, com músicas típicas da América do Sul, que faz parte do projeto Todos Nós – uma iniciativa patrocinada pela Petrobrás. “Vamos cantar a América do Sul esquecida, a América do Sul desconhecida”, apresentou Doroty.

As atrações do palco foram compostas por artistas locais, nacionais e internacionais. Nesta edição, uma das atrações locais de destaque foi a Orquestra Kokopelli, de Alto Paraíso de Goiás, que esteve no palco do XV Encontro de Culturas na quarta-feira, 29 de julho. Ela faz parte da associação homônima, criada em 2015 pelos professores Pétala Gonzaga e Fabiano Selva. No total, 60 alunos de 7 a 18 anos recebem educação musical gratuita em 2 horas de aula por semana. Eles tocam flauta doce e violão.

Outra atração de impacto foi o encontro de violeiros Arreuní, comandada por João Arruda, que recebeu seus amigos Katya Ferreira, Levy Ramiro e Nádia Campos. Também foram presenças garantidas os grupos de Congo de várias partes do Brasil, que sempre passeiam por São Jorge, em forma de cortejo, abençoando a Vila. Este ano, estiveram presentes o Terno de Moçambique de Perdões, Minas Gerais, comandado por Seu Júlio Antônio; os Congos de Niquelândia e de Monte Alegre, de Goiás; e mais quatro grupos de Cariacica, no Espírito Santo.

As apresentações de Juraildes da Cruz – acompanhado do grupo Tambores do Tocantins –, do grupo francês La Pifada e dos mexicanos do Grupo Venado Azul completam o time de destaques do XV Encontro de Culturas.

Comunidade Kalunga
A encenação do Império Kalunga, feita pela Comunidade Quilombola do Vão de Almas, integra o Encontro de Culturas desde a sua primeira edição, em 2001. Desta vez, ela ocorreu nos dias 25 e 26 de julho, com o hasteamento do mastro com a bandeira do Divino Espírito Santo, no sábado à noite, e a procissão do imperador no domingo durante o dia.

Doroty
Arte-educadora Doroty Marques, que ensina teatro e percussão a crianças e jovens da Vila de São Jorge teve, neste ano, duas apresentações, uma na Casa de Cultura Cavaleiro de Jorge e outra no palco principal do evento

Turma que Faz
Como de costume, os últimos dias do Encontro foram marcados pela apresentação da Opereta da Turma que Faz. Todo os anos, Doroty Marques cria um espetáculo com os alunos do projeto e apresenta para a Vila de São Jorge. Neste ano, em meio a um momento turbulento, a arte-educadora fez do espetáculo um adeus a seu companheiro, Ted.

Edson F. Lima, o Ted, fez parte de toda a construção do projeto Turma que Faz ao lado de Doroty. Ele era responsável pela construção dos bonecos e cenários do grupo. Ted faleceu no dia 18 de julho, antes que o final da Opereta Saga da Maria Manteiga estivesse definido. A história é uma crítica à falta de contato com a natureza por parte de crianças que já nascem rodeadas pela tecnologia dos ipads e smartphones. No dia 31, a apresentação da opereta foi dedicada a Ted.

Esta foi a segunda vez com que Doroty teve que lidar com uma perda pessoal durante o evento. Em 2012, a musicista perdeu seu irmão, o violeiro Décio Marques, a poucas semanas do evento. Como na primeira vez, ela encontrou força em sua arte e nas crianças de São Jorge.

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