A consciência da condição humana em Meditações, de JamessonBuarque
O livro de poesias Meditações do poeta pernambucano, erradicado em Goiás, Jamesson Buarque (2015), convida-nos a uma viagem poética por nossas próprias vidas. Estruturado em seis cantos, ou partes, a obra leva-nos, como sugere o título, à uma reflexão filosófica sobre nossos dias. Em “25 anos depois”, lemos:
Escrever um poema apenas quando
a vida pedir que escreva
E a vida pede, hora ou outra
porque a vida é uma existência que exige poesia.
(BUARQUE, 2015, p. 19).
A atividade criativa do poeta, como ele mesmo sugeriu, coloca-nos diante de uma poética meditativa. Seus versos, pouco a pouco, instauram-nos no terreno de nossas meditações cotidianas, o reconhecimento da fragilidade da existência humana aproxima-nos de sua poética, bem como da poesia “porque a vida é uma existência que exige poesia” (BUARQUE, 2015, p. 19).
Mais adiante em “Meditações dos dias”, o banquete poético é servido a partir de elementos e situações comuns: amores, prateleiras, elevadores e ônibus. A mística do dia a dia explode nos versos musicais do poeta:
Não apenas de borracha, de horário e de farpas
os dias são feitos. Os dias também são feitos
de histórias alheias, de amores, de tropeços
Os dias também cabem entre os dedos, no imo
De um poro ou outro de esquecido fóssil de pele
Embora nos fabriquem para as prateleiras
Os dias também nos fabricam para o invisível
Garantem horas de meditação sobre uma pedra
Ou deitar sobre o halo de asas às palmas abertas
A receber uma chuva oblíqua, que murmura e se esgarça
(BUARQUE, 2015, p. 87).
Do físico ao existencial, as meditações sobre a pedra recordam-nos o processo de reificação, embora o capitalismo fabrique homens para as prateleiras a consciência de nossa condição humana permite-nos o exercício reflexivo:
Um dia em vez de no térreo ou de no andar de residência
O elevador pode abrir a porta pondo você diante do nada
Pode acontecer se você mora no sítio ou numa casa
Também certa noite pode ser interminável de enxaqueca
Ou poderá haver um dia de pregar as solas de seus pés
No assoalho de uma residência fabricada pela tristeza
Mas é possível que você amanheça e tome café
num palácio ou numa tenda de paxá à beira mar
De todo modo lá fora os ônibus ainda se acumulam nas ruas
e a crise econômica leiloa edifícios e veículos
Ou ainda que a recessão se cale diante de novos empregos
É possível que você continue de aluguel e no café com pão
Onde é o abstrato do quarto, depois
de um dia de trabalho e dores nas costas
se não é próximo rim que fecha as portas
é o estômago que arde e me morde
sem permitir ao sono sair da trincheira
(BUARQUE, 2015, p. 87-88).
Como verificamos no excerto acima, as meditações são frutos dos pequenos detalhes experimentados diariamente. Através de uma literatura meditativa, em um mundo marcado pelo capitalismo exacerbado, o poeta encoraja-nos ao exercício diário da prática reflexiva. Diante do cenário contemporâneo, em meio ao frêmito urbano, a condição humana torna-se uma temática universal e, por sua vez, o poeta põe-se a desvendar os mistérios, e medos, da sociedade.
A possibilidade de estar diante do nada “O elevador pode abrir a porta pondo você diante do nada” (BUARQUE, 2015, p. 87) leva-nos a acreditar quea arte literária, bem como a filosofia, são expressões que nos dão a possibilidade de superarmos o caos que origina supostamente de ordens equivocadas. Nas palavras de Alfredo Bosi (1977):
Sob o peso desse aparelho mental não totalizante, mas totalitário, vergam opressos quase todos os gestos da vida social, da conversa cotidiana aos discursos dos ministros, das letras de música para jovens às legendas berrantes dos cartazes, do livro didático ao editorial da folha servida junto ao café da vítima confusa e mal amanhecida. A poesia resiste à falsa ordem, que é, a rigor, barbárie e caos, “esta coleção de objetos de não amor” (Drummond). Resiste ao contínuo “harmonioso” pelo descontínuo gritante; resiste ao descontínuo gritante pelo contínuo harmonioso. Resiste aferrando-se à memória viva do passado; e resiste imaginando uma nova ordem que se recorta no horizonte da utopia (BOSI, 1977, p. 146, grifos do autor).
Como verificamos no excerto supracitado, a poesia meditativa de Jamesson Buarque (2015) nasce desses pequenos gestos de vida social: a crise econômica, o café com pão, o movimento dos ônibus, a insônia, a enxaqueca. A partir de acontecimentos banais, o poeta convida-nos a uma reflexão acerca dos medos e anseios humanos. A resistência de sua poética é assinalada pela construção de uma perspectiva provocativa, que questiona os preceitos caóticos difundidos na, e pela, sociedade moderna que, por vezes, tenta nos roubar o direito de meditar sobre nossa própria condição.
REFERÊNCIAS
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cultrix, 1977.
BUARQUE, Jamesson. Meditações. Goiânia: martelo, 2015.