Drummond e seu tempo: A situação do indivíduo no espetáculo da multidão

Larissa Cardoso Beltrão – laricinhabeltrao@hotmail.com

p7-drummondNeste trabalho, apresentaremos, ainda que de maneira sucinta, a vertente social e política presentes, particularmente, em A rosa do povo e Sentimento do mundo, de Carlos Drummond de Andrade, com vistas a evidenciar a situação do o indivíduo diante do espetáculo da multidão, em meados do século XX.
A percepção da passagem do tempo é dos principais aspectos que assinala a produção poética, de cunho social, de Drummond. Se o poeta não estabelece uma relação de analogia com a era moderna ele irá resgatar o espaço mítico de Minas Gerais, que se transforma no paraíso perdido do poeta, um lugar onde esse sentimento de fissura, de fragmentação ainda não havia se manifestado.
Sentimento do mundo, publicado em 1940, representou uma mudança no foco poético de Drummond. Os horrores da Guerra despertaram no poeta uma conscientização acerca de sua responsabilidade para com a humanidade face aos acontecimentos da época. O poeta viu-se em meio a um “mundo caduco” e foi exatamente esse fluxo de consciência que fez nascer no poeta o desejo de solidarizar-se com o outro. A partir da publicação dessa obra, Drummond voltou sua produção poética para o presente, para “o tempo presente, os homens presentes, a vida presente”, conforme verificamos no fragmento abaixo:

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente (DRUMMOND, 2001, p. 158).

Os versos supracitados fazem alusão a um sentimento de compaixão para com o próximo advindo do eu lírico, “não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”, que outrora estivera imerso em uma angústia subjetiva. Percebemos que a produção poética drummondiana pós década de 40 revela as mudanças de percepção do poeta face ao fenômeno social. No poema em questão, Drummond mostra-se consciente quanto à existência do coletivo e dos homens que o cercam, seus companheiros. O poeta, transfigurado no eu lírico do poema sente, então, a obrigação de caminhar de “mãos dadas” com os outros homens, de compartilhar com eles os variados problemas pelos quais estão passando no tempo presente. O eu lírico renuncia, assim, aos seus desejos pessoais e volta-se para o tempo presente, os homens presentes.
Nesse contexto, A rosa do povo surge como obra-chave na produção poética de Drummond. Os poemas dessa obra foram escritos entre 1943 e 1945, período no qual, historicamente, os horrores da Guerra assolavam o mundo, o exército nazista recuava de um lado Hitler e, do outro lado, Mussolini. O mundo vivencia, entre outros conflitos, o conflito Capitalismo x Comunismo.
Muitos dos poemas de A rosa do povo podem ser vistos como denúncia da opressão que marcou o período da Segunda Guerra Mundial. A consciência do forte momento de tensão histórica transformou a subjetividade presente na primeira fase da produção poética de Drummond em engajamento social e comprometimento com a humanidade. Nessa obra, o poeta testemunhou sua revolta diante da miséria do mundo moderno, atingindo, assim, sua plenitude. De forma terna e suave, Drummond, através de uma profunda consciência artística, atingiu uma maturidade jamais imaginada no princípio de sua trajetória.
Dessa forma, podemos observar que o foco central da poética drummondiana é regido por inquietudes poéticas, que, segundo Antônio Cândido (1970, p. 95), provém umas das outras, haja vista que a coragem de assumir o discurso do Outro faz com que o poeta passe do Eu ao mundo. A ironia de Drummond registrou uma denúncia face à mecanização do citadino da época. O poeta registrou, em seus poemas, sua experiência deceptiva de um mundo no qual o operário acertava seu relógio com o relógio das fábricas.
Nesse sentido, encontramos em Drummond uma consciência social que surge como uma espécie de luta contra a coisificação do homem. Enquanto poeta, ele sente a necessidade de expressar o que o ser marginalizado não pode expressar, sua condição individual pesa sobre a realidade do coletivo, então, sente-se responsável por esse “mundo caduco” pelo fato de estar vinculado à classe opressora.
Em relação à poética de Carlos Drummond de Andrade, Antônio Cândido (1970, p. 95) observa que, a princípio, o poeta limitava-se ao registro dos acontecimentos materiais e espirituais do mundo, travando, assim, uma batalha entre o Eu e o Mundo. Posteriormente, o amadurecimento do poeta fez com que sua poética passasse de um simples registro a um processo. Essa relação é resultante de sua desconfiança aguda relacionada ao que diz e fala. A consciência de Drummond oscilava entre as duas vertentes, quando abordava o ser, ele pensava que talvez fosse melhor trabalhar o mundo e vice-versa.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, traçada por Cândido (1970), verificamos que a poética drummondiana é regida por uma inquietude que perpassa do individual ao coletivo. Por um ângulo, observamos a inquietude do poeta face aos problemas sociais da época, por outro, sua preocupação com os problemas individuais. O resultado da polaridade de sua obra madura, segundo o referido autor, é uma espécie de exposição mitológica da personalidade. Nesse contexto, Drummond passa do Eu ao mundo uma vez que a consciência social do poeta, depois de despertada, surge como uma espécie de resistência aos totalitarismos. O sentimento de fraternidade inspirou poemas que revelam a adesão de Drummond aos sentimentos e aspectos coletivos da vida, como o engajamento político, que pode ser observado em “A flor e a náusea”, no qual as condições individuais e sociais fazem com que o poeta sinta-se, de certa forma, responsável, pelo mundo torto.
Antônio Cândido (1970, p. 100) atribui a inquietude drummondiana à identificação do poeta com os ruídos baudelairianos, haja vista que, no campo poético, Charles Baudelaire foi o grande difusor da “modernidade”. Além disso, sua produção poética foi marcada pela integridade de seu conteúdo e suas poesias eram escritas com uma posição ideológica definida e consciente.
Nesse contexto, devemos ressaltar que, a partir do século XIX, arte e sociedade estreitaram seus laços e Baudelaire, por meio de seu olhar, procurou captar as energias pertinentes ao cenário urbano. Para Baudelaire, ao mesmo tempo em que a geografia da cidade moderna aproximava as pessoas, a dinâmica da vida moderna as separava, a população corria para acertar os ponteiros com o relógio das fábricas, assumindo, assim, um aspecto mecanizado.
Em Drummond, esta mecanização pode ser observada numa série de questionamentos de um ser que vivência e experiência de choque. A revolução Industrial incidiu sobre o comportamento da humanidade de forma avassaladora, os novos valores sociais foram fixados acima de todo e qualquer ideal humanista. O indivíduo viu-se diante de um mundo opressor e fragmentado.
De uma forma ampla os literatos do século XIX, em meio a uma cidade turbulenta, deram ênfase às reflexões acerca da multidão, o Eu e o Mundo. Verificamos, então, na poesia de Drummond, que o poeta, em meio aos acontecimentos da época, viu-se imerso em uma solidão, que o fazia sentir-se só em meio à multidão.
A situação do indivíduo no espetáculo da multidão da grande cidade moderna é a de um ser condicionado ao deslocamento e isolamento. O seu espaço é o do desencontro e a nova sensação experimentada pela massa foi a do fetiche pela mercadoria. Essa nova condição despertou, no poeta, um sentimento de decepção diante do impacto causado pela vivência das metrópoles devido ao desenvolvimento tecnológico.
Dessa forma, Cândido (1970, p. 103) acredita que a neurose do homem moderno é a resultante de um mundo capitalista, uma vez que este passa da condição humana à condição de mercadoria e, a partir desse embate, configura-se o processo de reificação do homem que contribuiu para a formação de um mundo a que Drummond veio chamar de “mundo torto de iniquidade e incompreensão”.
Constatamos, ainda, em sua poesia, frequentes alusões à náusea e à sujeira. Esses aspectos, segundo Cândido (1970, p. 100), estão relacionados ao emparedamento do ser. Na poética drummondiana esse tema pode ser visto como um manifesto contra a opressão do ser. A sufocação do ser, em seus poemas, ocorre sob uma perspectiva da opressão e da mutilação do plano individual.

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