JORNALISMO POLÍTICO: Oportunismo é o nome do jogo
Por Luciano Martins Costa*
Como um lançamento pelas costas dos zagueiros, os partidos políticos armam suas equipes para a disputa das eleições de outubro, enquanto o eleitor fica de olho no gramado. Nos jornais, as notícias das alianças oportunistas preenchem a crônica do poder com um misto de indignação e cumplicidade: para a imprensa, o fato de dois partidos serem aliados na disputa federal e adversários em alguns estados tanto pode ser considerado uma “bacanal” como um sinal de flexibilidade do sistema representativo.
É muito provável que a maioria dos leitores de jornais e telespectadores da mídia eletrônica esteja encarando o noticiário político como um intervalo desnecessário e tedioso na vibrante cobertura da Copa do Mundo. Por essa razão, torna-se duvidoso auscultar a opinião do público sobre o confuso quebra-cabeças que se arma no tabuleiro das eleições.
O vai-e-vem das agremiações menores, sempre em busca das melhores chances para beliscar um punhado de sinecuras em qualquer instância do poder, já é parte da tradição nascida na redemocratização. A novidade é a fragmentação de siglas médias e grandes, que se bipartem como no processo de divisão celular: uma fração adere a um programa, outra fração se agrupa em uma proposta totalmente diversa, e ambas seguem carregando as mesmas letras que deveriam definir determinados propósitos programáticos.
O bioma da política é formado por duas ou três árvores isoladas no campo, às quais se grudam as parasitas oportunistas. O público sabe que é assim que as coisas funcionam. Os jornalistas sabem melhor ainda. No entanto, o noticiário se veste de uma solenidade que não combina com o padrão de casa de tolerância que domina a disputa democrática pelo poder.
Todos sabem que as pomposas declarações de um lado e de outro não valem uma nota de 3 reais, mas a crônica da política faz de conta que sobrevivem propósitos nobres por trás dos discursos. O objetivo central nesse mercado é garantir o maior tempo possível de exibição na televisão durante o período da propaganda eleitoral oficial. Para isso, vale qualquer coisa, até mesmo abraçar um candidato pela manhã e aderir oficialmente a seu adversário depois do almoço.
Fidelidade já era
A imprensa passa ao largo desse processo, sem analisar criticamente seu significado e suas consequências para a formação da cidadania. Uma ou outra reportagem, um texto aqui, um editorial ali, abordam a questão da baixa densidade ideológica das entidades partidárias. A lei é interpretada em sua versão mais liberal possível, e alguns princípios, como o da fidelidade partidária, são deixados de lado. O que interessa é ganhar o jogo, não importando quanto traste terá que ser arrastado pelo vencedor.
Os protagonistas desse jogo parecem estar seguros de que o eleitor não irá votar em programas objetivos, mas naquelas ideias simpáticas que mais se aproximam do senso comum. Diz-se, por exemplo, que tal candidato irá investir em educação, mas não se explica de onde virá o dinheiro. Aquele outro vai melhorar o transporte público sem aumentar o preço das passagens, e tem aquele que vai distribuir casas para quem não possui um teto.
Tudo será embalado em filmes de altíssimo custo, com efeitos especiais e trilha sonora especialmente elaborados para motivar e emocionar o eleitor em torno desta ou daquela proposta.
Em uma instância, o ideal é mudar; em outra instância, o mesmo partido diz que é preciso manter tudo como está. O adversário no plano federal torna-se amigo de infância na disputa estadual, e vice-versa.
Espera-se que o cidadão entenda apenas o necessário para comparecer ao local de votação: o pior pesadelo do sistema seria a evasão, a abstenção, uma declaração massiva de desprezo pelo processo em si. Mas essa possibilidade não está no horizonte dos protagonistas desse jogo, pois todos sabem que a outra alternativa seria ainda pior.
Há uma terceira possibilidade, a de que a crônica da política denuncie as inconsistências do discurso do poder – em pouco tempo, poderia se desenvolver uma massa crítica de eleitores capazes de fazer escolhas mais conscientes e, portanto, habilitados a cobrar dos eleitos alguma coerência com seus programas. Para isso, seria necessário que a imprensa, portadora dos meios hegemônicos de mediação, se colocasse na posição equidistante que seu papel exige.
Mas há muito a imprensa abdicou desse papel e se atirou no jogo do poder. Despudoradamente.
*FONTE: Observatório da Imprensa.