A POESIA DO NORDESTE GOIANO: UM ESTUDO DOS CASOS ADELINO MACHADO, JOÃOZINHO BELTRÃO E TIÃO PINHEIRO

Larissa Cardoso Beltrão – laricinhabeltrao@hotmail.com
Luciana Nogueira da Silva
Ao entrar no mundo de um poeta descobrimos características particulares que o diferem de escritores em geral, visto que essa escrita pode ser compreendida como algo mágico, 

Ao entrar no mundo de um poeta descobrimos características particulares que o diferem de escritores em geral, visto que essa escrita pode ser compreendida como algo mágico, um dom, um ofício que provoca grande alegria e prazer. Segundo Adélia Prado “A poesia não é uma descrição de alguma coisa não é um comentário a respeito de nada” (PRADO, 2009, p.04).
Nesse sentido, a arte revela o ser das coisas, que nos mostra a beleza delas. É uma epifania. “Você sente que algo “pede” expressão”, então escreve. Parece que a arte da escrita literária é assim um dom e que à escola cabe apenas o papel de revela-lo ao mundo. Mas o papel da escola vai além, da revelação do poeta, segundo Camargo (2010) o trabalho com poemas em sala pode contribuir para a formação do poeta na medida em que com uma sensibilização maior e melhor interpretação dos textos literários, ele se interesse pela produção de poesia.
Nessa perspectiva, trataremos da educação do ser poeta do Nordeste Goiano, a partir da vida e obra de três poetas nativos: Adelino Machado, Joãozinho Beltrão e Tião Pinheiro, buscando conhecer quando começou a sua relação com a poesia, a que tipo de leituras eles se dedicaram antes de desenvolver o ofício do verso, e o que lhes introduziram no mundo poético, tanto no que se refere à leitura quanto à criação. Procuraremos desvelar até que ponto a escola interfere na formação dos poetas da região.
Caboclo, peão, enxada, são palavras comuns no vocabulário dos poetas do Nordeste Goiano aqui pesquisados. Pessoas do campo que lutam para ter um espaço no meio literário, para serem representados, e representar, através da arte da palavra. O prefaciador do livro de poesias Geraldo Soares de Farias, Janelas (publicado em 1981) de José Sebastião Geraldo Soares de Farias Pinheiro enfatiza em seu discurso um homem talentoso que luta para tornar pública sua obra artística.
Este é o seu sonhado primeiro livro, muito embora já pudesse ter vários outros publicados, o que não fez por força de contingências editoriais, sempre apresentando obstáculos difíceis de transpor, principalmente para a gente simples como ele, apesar do real valor literário. (FARIAS apud PINHEIRO, 1981, p. 06).
O próprio autor, poeta e jornalista afirma que “Sem a escola eu estaria ainda hoje puxando uma enxada ou na lida de olaria, cerâmica”. É possível observar que há uma luta direcionada pela necessidade de representação. Uma necessidade de se fazer ouvir, de se fazer enxergado.
As obras do poeta João Beltrão também levam no nome as palavras, “chão” e “caboclo”, referentes aos livros Alma Cabocla e Chão de Poesia. Ambos representam um povo que se orgulha do seu chão e da vida sertaneja que levam. João Januário de Almeida , prefaciador do livro Chão de Poesia (1989), primeira obra de João Beltrão, enfatiza que “Por ser de família pobre, Beltrão sempre tem trabalhado para manter e ajudar os “velhos”. Foi funcionário do Bradesco, trabalhou em posto de gasolina, quando criança foi engraxate.”(JANUÁRIO apud BELTRÃO, 1989, p. 08). João Beltrão quando publicou essas poesias já levava uma vida urbana morando na capital do Brasil, no entanto deixa claro, nas linhas de suas poesias, uma relação sertaneja e característica da região do Nordeste Goiano, que é evidenciada no saudosismo de seus versos.
O poeta, e também romancista, Adelino Machado, em seus poemas enfatiza a sua relação com a terra, com o cultivo e com o trabalho braçal. A editora Livre Expressão, marca às partes introdutórias do romance Dilemas de um coração de Mãe lançado em 2013, a seguinte informação sobre o poeta: “Adelino Machado nasceu e cresceu como lavrador. Estudou por correspondência e ama ler, escrever e prosear. […] Até os vinte anos Adelino foi um homem do cabo da enxada, mas se abriu para o mundo através da escola, da leitura e da busca do conhecimento”. O conhecimento à medida que o aproximou da literatura transformou sua relação com o mundo, primeiro passou a consumir literatura e, posteriormente, tornou-se também criador literário, de homem do cabo da enxada a professor universitário.
O que há em comum entre os três poetas é que vivendo no campo ou passando por restrições econômicas, ambos procuraram, através da educação, transformar a realidade na qual estavam inseridos, do vazio da ausência do letramento, a todas as possibilidades que o direito à literatura oferece. O canto do cotidiano, a valorização da região e das pessoas mais simples que vivem à margem da sociedade perambulando pelas ruas das suas cidades, é fruto da necessidade de dizer, bem como de dizer-se.
João Beltrão (1994, p. 71) em seu poema intitulado A saga do posseiro cultua não somente a vida do campo, mas também a linguagem do homem menos letrado “Eu tenho tanta sodade, / Do tempo qui carpia a terra…/ Pá prantá nossa rocinha, / No cantim do pé da serra…”. O tom intimista dos versos, bem como as marcas da tradição oral, apontam para o passado, apesar de sofrido, como lugar e/ou espaço do desejo. Algo semelhante pode ser observado em versos do poema Trajeto, de Tião Pinheiro:
Nos rastejos a incumbência / De fazer minha história / Dentro de minhas verdades… / Venho de matos e cerrados / Trombando máquinas, / correndo nos asfalto quente; / Venho de MONTES, tristes, ALEGRES, / Aportei em vários PORTOS, / Mas vou, mesmo, para o meu fim. (PINHEIRO, 1981, p. 90)
A formação do poeta, seus desejos, medos e anseios, se confundem com a formação de sua terra natal. A necessidade de partir em busca de melhores condições, as alegrias e tristezas e, antes de tudo, sua vontade e certeza que, de todo modo, aquele será o seu destino final. A cidade de Campos Belos também ganha representação nos versos de Adelino Machado “Estrela goiana bela / Filha de tropas e boiadas / Filha de baianos / Fruto do Nordeste / Flor de poucos anos.”. Não obstante, verificamos que, o vocabulário tão comum nas obras dos poetas dessa região, é justificado pela formação de seu povo, de sua gente.
Não podemos descartar, nesse contexto, o fato de que esses poetas apesar de enfrentar restrições internas e externas, se fizeram ouvir, os seus versos se tornaram públicos, marcaram páginas de livros na sua região, expuseram sua visão particular do mundo que os cerca. Segundo Eco (2003) as restrições são necessárias na criação literária, mas vale questionar até que ponto a restrição é escolhida ou imposta pelas condições do meio e, no caso dos poetas do Nordeste Goiano, que tipo de restrições tiveram que enfrentar para produzirem e publicar suas poesias?
Acreditamos, pois, que a primeira luta travada por ambos foi o acesso à educação, e a busca pelo conhecimento. Eles viram na educação formal a possibilidade de conquistar a liberdade de escrita, no entanto a vida simples trouxe, em ambos os casos, elementos para a suas criações. As suas trajetórias servem de matéria prima para a composição dos seus versos, e cada livro de poesia publicado do Nordeste Goiano, passou pelo crivo das restrições até chegar às mãos do leitor.
Funcionários públicos ou da iniciativa privada, esses poetas precisaram arcar com os custos da obra, ou buscar patrocinadores pelo único prazer de ver sua obra nas mãos dos leitores. Tudo por um desejo tão intenso de representação que chega a se configurar em uma necessidade. Os versos tinham que pulsar de sua veia artística para o coração do leitor. Conteúdos para publicar não lhes faltam, no entanto, como sugere Antonio Candido (2006, p. 85) “Todo escritor depende do público”, ou seja, as publicações de suas obras estão condicionadas a mais um fator: a existência do leitor.
Diante do exposto, acreditamos, pois, que tanto a educação formal, a que se desenvolve na escola, quanto à educação informal representada pelos saberes culturais, pelas influências do meio, o contexto e até a genética contribuem para a formação do ser poético. O fato é que a escola contribui para a formação do ser poético no sentido que na opinião dos poetas aqui analisados, lapida o dom da arte literária, revela o poeta existente no indivíduo e pode criar oportunidade de apresenta-lo ao mundo. Enquanto a educação informal é, sem sombra de dúvidas, a fonte de inspiração para a realização do fazer poético. De modo que podemos compreender esta como o conteúdo, e aquela como a forma.

¹Graduada em Letras pela UEG/ UnU Campos Belos
² Professora na Universidade Estadual de Goiás, UnU Campos Belos e aluna do mestrado em Letras da Universidade Federal de Goiás (UFG).

RERERÊNCIAS
FILHO, João Beltrão. Chão de poesia. Brasília. Centro gráfico do Senado Federal, 1989.
_________ .Alma Cabocla. Brasília: Gráfica “O popular”, 1994.
MACHADO, Adelino Soares Santos. (Org.); SANTOS, M. C. S. (Org.); GARCIA, Junia Januaria (Org.); SOUZA, Manoel Neves. (Org.); LIMA, Albeni Machado de. (Org.);
__________, Adelino Soares Santos. Suspiros Poéticos do Nordeste Goiano. Goiânia: Climaco, 2002.
PINHEIRO, José Sebastião. De sonhos e de construção. Palmas: Provisão Estação Gráfica e Editora, 2008.
__________. Janelas. Goiânia: Editora Helga Arte Gráficas, 1981.
ECO, Umberto. Sobre a literatura. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Editora Record, 2003.
GOHN, M. G. Educação não-formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas. Rio de Janeiro, v.14, n.50, p. 27-38, jan./mar. 2006.
PRADO, A. Entrevista. In: NA PONTA DO LÁPIS. Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o futuro. Revista – ano VI – nº 15, Dezembro de 2010.Entrevista concedida a Luiz Henrique Gurgel.

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