CRISE NA SAÚDE: paciente morre à espera de UTI mesmo após decisão judicial. Homem é o terceiro caso em uma semana.
Severino Ramos Vasconcelos, de 63 anos, faleceu um dia após a Justiça determinar liberação de vaga em hospital; sobrecarga no sistema de saúde evidencia falta de infraestrutura no interior do estado.
DA REDAÇÃO***
Essa necessária reportagem, que replicamos logo abaixo, feita por Thauany Melo, Samantha Souza e Honório Jacometto, profissionais do g1 Goiás e da TV Anhanguera, mostra o perfil do que vem acontecendo com pacientes que têm suas vidas dependendo de uma UTI, que moram ou estão em Goiânia ou região metropolitana.
E os posicionamentos das entidades envolvidas, em reposta aos questionamentos feitos, mostram que o Sistema de Saúde Estadual está, no quesito urgência e emergência, muito aquém das necessidades da população.
Se colocarmos em evidência as, não raras, situações desesperadoras que acontecem com pacientes em estado gravíssimo, em busca de uma UTI, e que moram no interior do estado, no nordeste goiano por exemplo, esse perfil fica muito mais desolador.
Como mostra a reportagem, o aposentado Severino Ramos Vasconcelos Santos, de 63 anos, morreu enquanto aguardava uma vaga em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), neste sábado (23), em Goiânia. Ele é a terceira pessoa a morrer à espera de atendimento na cidade na última semana.
“A gente se sente abandonado. A gente lutou tanto. Todo dia a gente estava lá visitando ele, levando as coisas que precisava, que eles pediam. E para nada. A gente tentou, a gente não parou. E, no fim, aconteceu isso”, desabafou a prima de Severino Santos, Lúcia Cleide Leão.
De acordo com a prima do idoso, Lúcia Cleide Leão, Severino deu entrada na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Jardim Itaipu após sofrer uma queda que resultou na fratura do fêmur. Durante a internação, a família relatou que o quadro clínico dele se agravou, evoluindo para anemia profunda, broncopneumonia, embolia pulmonar e insuficiência respiratória. Ele permaneceu internado na UPA por cinco dias.
Lúcia afirmou que a família recorreu ao Ministério Público para tentar agilizar a transferência para uma UTI. “A gente fez a denúncia no Ministério Público. Foi tudo uma burocracia. Aí, ontem saiu. Tinha até quatro horas para liberar a vaga. Passaram as quatro horas, não liberaram. Entramos de novo, não liberaram. Ele acabou falecendo hoje, às 7h15 da manhã”, disse a familiar.
Na decisão de sexta-feira (22), a Justiça havia determinado que Severino fosse transferido para um leito de UTI em até quatro horas. A decisão foi baseada em um relatório médico que apontava suspeita de tromboembolismo pulmonar (TEP) e necessidade urgente de suporte intensivo para estabilização clínica e diagnóstico preciso.
Caso não houvesse vaga disponível na rede pública, a decisão judicial previa que o paciente fosse transferido para um hospital privado, com os custos cobertos pelo SUS. A Justiça fixou multa de R$ 5 mil por hora de descumprimento, limitada a R$ 50 mil. O Estado de Goiás e o Município de Goiânia foram intimados sobre a decisão.
O g1 entrou em contato com a Prefeitura de Goiânia por e-mail, às 15h37 de sábado (23), mas não recebeu resposta até a última atualização da reportagem.
A Secretaria de Estado da Saúde (SES-GO) informou que o paciente apresentava um quadro relacionado à fratura ortopédica e estava sob os cuidados da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Goiânia, que realizava buscas por vagas na rede SUS, incluindo hospitais estaduais – leia nota na íntegra ao final do texto.
A SES explicou que, apesar do mapa de leitos apontar vagas disponíveis em unidades como o Hospital Geral de Goiânia (HGG), o Hospital de Doenças Tropicais (HDT) e o Hospital de Urgências de Goiânia (Hugol), as vagas são reguladas dinamicamente, com análise conforme a gravidade e o perfil de cada paciente.
Sobre os leitos de UTI em unidades estaduais disponíveis, a nota destacou:
Hospital Geral de Goiânia (HGG): atende prioritariamente casos eletivos de procedimentos ortopédicos
Hospital de Doenças Tropicais (HDT): possui perfil voltado para doenças infectocontagiosas.
Hospital de Urgências de Goiânia (Hugol): prioriza pacientes graves já atendidos no pronto-socorro.
Katiane Silva
Katiane de Araújo Silva, de 36 anos, morreu à espera de uma vaga em UTI em Goiânia, na madrugada de sexta-feira (22). A vendedora autônoma faleceu no Cais Cândida de Morais.
Segundo a sobrinha de Katiane, Marina Araújo, a mulher começou a passar mal no dia 15 de novembro. Na terça-feira (19), a autônoma foi ao Cais Cândida de Morais, onde foi internada.
A família já havia solicitado uma vaga em UTI. Na unidade de saúde, a vendedora fez um exame de sangue que indicou uma queda nas plaquetas.
“Solicitaram a UTI três vezes, mas não conseguiram. Disseram que não havia ambulância para buscá-la porque ela já estava entubada, e precisava de uma ambulância especial,” contou.
Janaína de Jesus
Janaína de Jesus, de 29 anos, morreu após ficar três dias na UPA do Jardim Itaipu. A família também procurou ajuda no Ministério Público, mas ela morreu enquanto os parentes eram atendidos no órgão.
“Eu me senti impotente, porque eu não podia fazer nada. Quando ela faleceu, eu estava no MP tentando uma vaga de qualquer jeito. Não deu tempo. É doido saber que tinha vaga no particular”, disse Yasmin de Jesus, irmã de Janaína, à TV Anhanguera.
Nota da Secretaria de Estado da Saúde (SES-GO) na integra:
A Secretaria de Estado da Saúde informa que o paciente Severino Ramos possuía uma necessidade relativa à fratura ortopédica fechada, estava em unidade de saúde da capital, e a principal busca ocorre pela SMS Goiânia nas unidades de sua rede SUS, com perfil para o caso e especialidade, como o Hospital das Clínicas. Ao mesmo tempo em que busca em sua rede, a central de Goiânia inseriu o pedido para a SES como ampliação dessa busca, também para as unidades sob gestão do Estado.
Os dados mostrados no pedido definem um momento pontual do mapa de leitos estadual.
O HGG é uma unidade de atendimento prioritariamente eletivo para procedimentos ortopédicos (eletivos são os casos menos urgentes em que paciente pode passar por consulta, exames e programar cirurgia). O HDT é uma unidade com pronto-socorro e perfil para doenças infectocontagiosas. Sobre o HUGOL, habitualmente a regulação não envia diretamente para o leito de UTI, considerando que sempre há no próprio pronto-socorro da unidade pacientes em atendimento com quadros graves e gravíssimos e que aguardam internamente a vaga do leito para serem internados.
A SES ressalta que é importante avaliar todo o contexto envolvido no processo demanda/oferta e não apenas um momento isolado no mapa de leitos. A secretaria prioriza todos os pacientes graves e o sistema de saúde possui uma capacidade assistencial e operacional onde todos os entes (federal, estadual e municipal) devem atuar em conjunto na oferta de serviços em saúde da melhor forma na gestão e integração de esforços para prover as necessidades dos pacientes.
O mapa de leitos é um instrumento da rede assistencial SUS da SES-GO, que proporciona a toda população a transparência de informações sobre onde há unidades de saúde estaduais, quantos leitos possui e como está sua ocupação no momento da consulta ao site.
Quanto à ocupação dos leitos, o sistema base de dados de gestão hospitalar reflete no site automaticamente quando há movimentação dos leitos por alta, ocupação, bloqueio (em casos de assepsia ou isolamento) e reserva (quando a vaga é cedida e o leito é preparado para receber o paciente que tem até 24 horas pra chegar, conforme condições de transporte e distância). Assim, o mapa de leitos reflete sempre a situação naquele momento das vagas, o que é dinâmico e sofre alterações constantemente.
*** Com reportagem de Thauany Melo, Samantha Souza e Honório Jacomettodo g1 Goiás e da TV Anhanguera,