TENHO APENAS DUAS MÃOS E O SENTIMENTO DO MUNDO

Larissa Cardoso Beltrão, Nilda Damascena¹ , Israel Batista Barbosa¹, Vanessa Mendes¹, Paula Verônica¹, Caroline Silva¹

Sentimento do Mundo é um livro de poemas escrito por Carlos Drummond de Andrade, entre os anos de 1936 e 1940, sendo publicado neste último ano. Composta por vinte e oito poemas, na obra é possível flagrar uma série de características do Modernismo, dentre elas a utilização de versos livres, sendo que no poema O operário no mar, e.g., podemos verificar algumas características prosaicas.
Os poemas desta obra, em sua maioria, têm como temática principal o sentimento do autor para com a sociedade e os acontecimentos sociais da época. Percebe-se, portanto, que neste livro, o sentimento que autor demonstra pelo mundo não é abstrato como nas obras que o precederam.
Considerando, pois, que a análise de uma obra literária poder nos possibilitar uma leitura do aspecto social de uma determinada época e/ou sociedade. E que o escritor tem uma responsabilidade social faremos uma breve análise de alguns poemas da obra, com vistas a evidenciar e examinar a responsabilidade social do artista, assim como sua preocupação com diversos aspectos da vida social.
A publicação da obra Sentimento do mundo representou uma mudança no foco poético de Drummond. Os horrores da Guerra despertaram no poeta uma conscientização acerca de sua responsabilidade para com a humanidade face aos acontecimentos da época. O poeta viu-se em meio a um “mundo caduco” e foi exatamente esse fluxo de consciência que fez nascer no poeta o desejo de solidarizar-se com o outro. A partir da publicação dessa obra, Drummond voltou sua produção poética para o presente, para “o tempo presente, os homens presentes, a vida presente”, conforme verificamos no fragmento abaixo:

– Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história. Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela. Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida. Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente (DRUMMOND, 2001, p. 158). –

Os versos supracitados fazem alusão a um sentimento de compaixão para com o próximo advindo do eu lírico, “não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”, que outrora estivera imerso em uma angústia subjetiva. Percebemos que a produção poética drummondiana pós década de 40 revela as mudanças de percepção do poeta face ao fenômeno social. No poema em questão, Drummond mostra-se consciente quanto à existência do coletivo e dos homens que o cercam, seus companheiros. O poeta, transfigurado no eu lírico do poema sente, então, a obrigação de caminhar de “mãos dadas” com os outros homens, de compartilhar com eles os variados problemas pelos quais estão passando no tempo presente. O eu lírico renuncia, assim, aos seus desejos pessoais e volta-se para o tempo presente, os homens presentes.
Nesse sentido, encontramos em Drummond uma consciência social que surge como uma espécie de luta contra a coisificação do homem. Enquanto poeta, ele sente a necessidade de expressar o que o ser marginalizado não pode expressar, sua condição individual pesa sobre a realidade do coletivo, então, sente-se responsável por esse “mundo caduco” pelo fato de estar vinculado à classe opressora.
Em relação à poética de Carlos Drummond de Andrade, Antônio Cândido (1970, p. 95) observa que, a princípio, o poeta limitava-se ao registro dos acontecimentos materiais e espirituais do mundo, travando, assim, uma batalha entre o Eu e o Mundo. Posteriormente, o amadurecimento do poeta fez com que sua poética passasse de um simples registro a um processo.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, traçada por Cândido (1970), verificamos que a poética drummondiana é regida por uma inquietude que perpassa do individual ao coletivo. Por um ângulo, observamos a inquietude do poeta face aos problemas sociais da época, por outro, sua preocupação com os problemas individuais. Nesse contexto, Drummond passa do Eu ao mundo uma vez que a consciência social do poeta, depois de despertada, surge como uma espécie de resistência aos totalitarismos. O sentimento de fraternidade inspirou poemas que revelam a adesão de Drummond aos sentimentos e aspectos coletivos da vida.
Diante desse painel da modernidade, destacamos, ainda, a questão da consciência do poeta, que pode ser observada no livro Sentimento do Mundo, no qual o eu lírico drummondiano se estende para o seu semelhante, procurando, por meio da poesia, compensar o individualismo do “eu todo retorcido”:

– Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo, mas estou cheio de escravos, minhas lembranças escorrem e o corpo transige na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu estará morto e saqueado, eu mesmo estarei morto, morto meu desejo, morto o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram que havia uma guerra e era necessário trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso, anterior a fronteiras, humildemente vos peço que me perdoeis.

Quando os corpos passarem, eu ficarei sozinho desafiando a recordação do sineiro, da viúva e do microscopista que habitavam a barraca e não foram encontrados ao amanhecer esse amanhecer mais que a noite (DUMMOND, 2001, p. 154-155). –

Há, pois, na poética de Drummond uma reação contra a alienação à qual o homem foi submetido. Depois de sua tomada de consciência em relação ao aspecto social, o poeta passou a recusar os temas do lirismo tradicional e assumiu o compromisso de anunciar uma nova perspectiva relacionada a um mundo novo: “não nos afastemos vamos de mãos dadas”.
A conscientização face ao contexto sociocultural da época despertou em Drummond uma vontade de transformar o mundo, sendo que essa necessidade de mudança partiu do próprio ser, o que fez com que sua poética assumisse um caráter considerado “popular”.
O interesse do poeta pelo cotidiano também contribuiu para a aceitação de sua poesia social. A inclinação participante, assumida por Drummond, conferiu aos versos dessa vertente uma dimensão totalmente engajada. Além de retratar as cenas do dia-a-dia com vigor, os poemas dessa fase propiciam ao leitor uma leitura mais acessível.
Perdido em meio ao turbilhão da vida moderna, a ideia do passado surgiu na poética drummondiana como uma espécie de paraíso perdido. A busca pelo passado, segundo Antônio Cândido (1970, p. 109), introduziu outra inquietude na poética de Drummond, como podemos constatar nos versos do poema Os ombros suportam o mundo, em que o poeta apresenta-nos a chegada de um tempo em que estar apegado a Deus não é o suficiente, não há mais nada que o possa surpreender, a esperança parece não existir mais, não importa mais nem a sua própria vida, o tempo passa, a velhice chega e, para o poeta, não há mais o que esperar dos amigos. O coração está seco não existe mais o amor parece até que todo sentimento é inútil, parece não valer a pena sentir algo por alguém, o poeta retrata os problemas vividos por ele e por milhares de pessoas que estavam em meio a guerras, discussões, dos quais ele tem uma dolorosa consciência.
Na segunda estrofe as ações e situações mostram que o homem aceita a vida, diante de tudo o que vê e vive não sente mais vontade lutar, aceitando o que lhe vier permitindo viver sem sofrer, sem temer a morte e aceitar a existência sem nenhuma esperança. Apesar de tudo o que vive sente-se solidário com os que ainda não se libertaram do sofrimento. Sua vida se impõe como uma ordem: ela deve continuar, para enfrentar a realidade de um mundo que ele imagina carregar nos ombros e que não deve pesar mais do que a mão de uma criança, E necessário que agarre ao presente para que construa um futuro melhor.
Mais adiante, em Poema da necessidade, o poeta acredita na necessidade de mudar o mundo, todas as suas obrigações são colocadas no poema, mas o coração do poeta é mais extenso que o próprio mundo e, nesse caso, não se poderia esperar que o seu canto transformasse as pessoas.
Nesse sentido, encontramos em Drummond uma consciência social que surge como uma espécie de luta contra a coisificação do homem. Enquanto poeta, ele sente a necessidade de expressar o que o ser marginalizado não pode expressar, sua condição individual pesa sobre a realidade do coletivo, então, sente-se responsável por esse “mundo caduco”, talvez pelo fato de estar vinculado à classe opressora.
Diante do exposto, acreditamos, pois, que a obra Sentimento do Mundo é grandiosa em sua qualidade, em sua função social, em seu sentimento. Drummond procurou expor suas angústias para a sociedade e, além disso, convencê-la a não ser passiva, alienada ou indiferente com o que estava acontecendo no mundo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Carlos Drummond de. Sentimento do Mundo. 25. ed. Rio de Janeiro: Record, 2010.
CANDIDO, Antonio. Inquietudes na poesia de Drummond. In: _____. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1970. p. 93-122.
_____. A literatura e a vida social. In: _____. Literatura e sociedade. São Paulo: Publifolha, 2000. p. 17-36.

 

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