Polêmica religiosa: Papiro do século 4 sugere que Jesus Cristo foi casado

Fragmento de texto pertence a um colecionador que contatou professora de Harvard para o analisar e traduzir material. Peça teria sido descoberta no Egito ou Síria.

Papiro do Século 4 afirma que Jesus tinha uma esposa

Reuters

Fragmento de um antigo papiro escrito no idioma copta, e até agora desconhecido, contém frases que sugerem que Jesus tinha uma esposa, numa descoberta que deve alimentar o acalorado debate sobre esse tema no mundo cristão.
A existência do fragmento do século 4, não muito maior do que um cartão de visitas, foi revelada na terça-feira (18) numa conferência proferida em Roma por Karen King, professora da Escola de Divindade de Harvard, de Cambridge (Massachusetts).
Nesse pedaço, leem-se as palavras: “Jesus disse a eles: minha esposa…”.
“A tradição cristã por muito tempo manteve que Jesus não foi casado, embora nenhuma evidência histórica confiável exista para amparar essa afirmação”, disse King em nota divulgada por Harvard.
“Esse novo Evangelho não prova que Jesus foi casado, mas nos diz que toda a questão só apareceu como parte dos inflamados debates sobre sexualidade e casamento.”
Apesar da posição oficial da Igreja Católica de que Jesus nunca se casou, o tema reaparece regularmente – especialmente em 2003, quando da publicação do best-seller “O Código da Vinci”, que irritou muitos cristãos por se basear na ideia de que Jesus se casou e teve filhos com Maria Madalena.
King disse que o fragmento, apresentado no Décimo Congresso Internacional de Estudos Coptas, representa o primeiro indício de que alguns protocristãos acreditavam que Jesus havia sido casado.
Roger Bagnall, diretor do Instituto para o Estudo do Mundo Antigo, em Nova York, disse acreditar que o fragmento, chamado por King de “O Evangelho da Esposa de Jesus”, seja autêntico.
Mas especialistas ainda irão analisar melhor o fragmento e submetê-lo a testes, com especial atenção para a composição química da tinta.
O fragmento, esfarrapado e amarelado, pertence a um colecionador privado anônimo, que contatou King para que o ajudasse a analisar e traduzir o material, que teria sido descoberto no Egito ou talvez na Síria.
King disse que só por volta do ano 200 a afirmação de que Jesus era solteiro começou a aparecer, por intermédio de um teólogo conhecido como Clemente de Alexandria.
“Esse fragmento sugere que outros cristãos desse período estavam dizendo que ele foi casado”, afirmou ela, ressaltando que o papiro não comprova a existência de uma esposa de Jesus.
“A tradição cristã preservou apenas aquelas vozes que diziam que Jesus nunca se casou. O ‘Evangelho da Esposa de Jesus’ agora mostra que alguns cristãos pensavam o contrário.”
A análise de King deve ser publicada em janeiro de 2013 pela Harvard Theological Review.

Especialistas questionam legitimidade
O papiro revelado pela professora americana, que supostamente menciona a existência da esposa de Jesus causou sensação, mas a teoria de que Cristo teria sido casado foi vista com ceticismo por parte do Vaticano e outros historiadores.
Durante o congresso sobre estudos coptas, a especialista falou da teoria que os antigos cristãos acreditavam que Jesus era casado. Ela enfatizou que o papiro em questão não prova que Jesus tenha sido casado, mas levanta a questão desse suposto casamento, muito embora a tradição cristã faça questão de negar essa possibilidade.
“No princípio, os cristãos discordavam sobre se era ou não casado, mas somente depois de um século da morte de Jesus que começaram a usar condição conjugal de Jesus para apoiar suas posições”, acrescentou King.
Apesar de vários especialistas acreditarem na autenticidade do papiro, “a sentença final sobre o fragmento depende de novas análises por parte de colegas e da realização de mais testes, principalmente sobre a composição química da tinta”, explicou ainda.
O porta-voz da Santa Sé, Federico Lombardi, afirmou que “não se sabe direito de onde vem esse pedaço de pergaminho”.
“Mas isso não muda em absoluto a posição da Igreja, que se baseia em uma longa tradição muito clara e unânime”, afirmou.
“Não muda em nada a visão sobre Cristo e os Evangelhos. Este acontecimento não tem influência alguma sobre a doutrina católica”, enfatizou.
Por sua parte, o professor da Faculdade Protestante de Paris Jacques-Noel Peres, destacou que se trata de um texto tardio: “Nunca li textos de épocas anteriores que testemunhassem a veracidade de um casamento de Jesus”, afirmou.
“Nos idiomas semíticos daquela época, mulher não significa necessariamente esposa”, ressaltou.
Peres afirma que este termo pode ser oriundo da famosa frase em que Jesus se dirige a sua mãe no episódio conhecido com Bodas de Caná: “Que tenho eu contigo, mulher?”
Para alguns historiadores, o pergaminho pode se originar de círculos gnósticos muito alternativos.
O diretor do jornal do Vaticano, L’Osservatore Romano, Giovanni Maria Vian, que também é historiador especializado em Igreja antiga, duvida da autenticidade do documento. “Há um comércio de (documentos) falsos no Oriente Médio”, comentou, criticando o fato de que nos Estados Unidos houve “uma tentativa de fazer barulho em torno deste assunto”.
Segundo ele, a letra de quem escreveu o papiro é “muito pessoal”, quando os documentos deste tipo eram escritos com uma letra codificada “muito rígida”, que se parecia com um texto impresso.
“Na tradição da Igreja, não se conhece nenhuma menção a uma esposa de Jesus. Segundo todos os índices históricos, Jesus era solteiro. É dito claramente que Pedro era casado. Por que se teria ocultado no caso de Jesus?”, questiona.
Para ele, pode-se tratar de um fragmento de evangelho apócrifo de inspiração gnóstica.
Durante os primeiros séculos do Cristianismo, houve inúmeros evangelhos que posteriormente foram descartados da Bíblia pela Igreja de acordo com seus interesses.
Esses evangelhos teriam sido escritos por pessoas que realmente conheceram Jesus e apresentavam um quadro mais completo de sua vida, principalmente, sua infância.

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