MODELO DE GESTÃO – Governo vai pagar R$ 60 milhões para promover “zelo pela democracia” de Bolsonaro no exterior.
Segundo o ministro das Comunicações, Fábio Faria, o “desafio de comunicação” da empresa escolhida será “ressaltar o comprometimento do país com a democracia, a preservação do meio ambiente, a promoção dos direitos humanos, o combate à corrupção e à criminalidade e o desenvolvimento econômico e social”.
Por Malu Gaspar e Mariana Carneiro**
Quase três anos depois de o presidente Jair Bolsonaro cancelar um contrato de R$ 30 milhões por ano para prestação de serviços de assessoria de imprensa internacional, alegando que gastos desse tipo eram “uma das muitas fontes de ações escusas” de grupos no poder, o governo colocou nova licitação de escopo semelhante na praça, agora pelo dobro do valor: R$ 60 milhões, a serem pagos só em 2022. É o maior contrato desse tipo na história do governo federal.
O objetivo principal da assessoria de imprensa a ser contratada no ano da eleição é promover a gestão Bolsonaro no exterior. É o que informa o edital divulgado pelo Ministério das Comunicações. O briefing diz que a missão da empresa escolhida será “apresentar ao mundo” o modelo de gestão de Bolsonaro, destacando “o zelo pela democracia e pela institucionalidade”.
Segundo o ministério de Fábio Faria, o “desafio de comunicação” da empresa escolhida será “ressaltar o comprometimento do país com a democracia, a preservação do meio ambiente, a promoção dos direitos humanos, o combate à corrupção e à criminalidade e o desenvolvimento econômico e social”.
A concorrência foi lançada no início de setembro e a abertura dos envelopes será no dia 13 de dezembro. Está sendo realizada concomitantemente a uma outra licitação, esta para a escolha de agências que vão manejar uma verba de publicidade de R$ 450 milhões do governo Bolsonaro.
Ao todo, portanto, Bolsonaro pretende gastar R$ 510 milhões – mais de meio bilhão de reais – para promover sua gestão no exterior no ano das eleições.
No caso da publicidade, a missão é “fazer frente a informações não correspondentes à realidade disseminadas por parte da mídia e em redes sociais”. A encomenda às assessorias de imprensa vai na mesma linha: “posicionar os canais de comunicação do governo como a fonte oficial, privilegiada e idônea de informação para o público estrangeiro”, disseminando “informações claras e objetivas” para “minimizar o impacto da divulgação de notícias equivocadas e de desinformação”.
Na última sexta, o general Augusto Heleno, que viajou com Bolsonaro a Roma, deu uma demonstração de como a má repercussão internacional de suas iniciativas exterior incomoda o presidente. Numa entrevista à Folha de S. Paulo, Heleno disse que o presidente foi até a Europa para “mostrar a realidade brasileira, não o que ficam inventando”.
No domingo, seguranças da comitiva presidencial agrediram os jornalistas brasileiros que acompanham a programação de Bolsonaro em Roma, durante a cúpula do G-20.
E quais seriam as informações claras e objetivas que a assessoria de imprensa contratada pelo ministro Fabio Faria teria que divulgar, segundo o edital do Ministério das Comunicações?
Um dos capítulos que mais chamam a atenção, pela desconexão com a realidade, é o que descreve a ação do governo na pandemia. Para o ministério, a gestão Bolsonaro “coordenou esforços com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), com organismos internacionais e com a comunidade científica e promoveu intensa articulação entre os ministérios em busca de melhores soluções para a crise de saúde pública”.
Em outro trecho, o documento diz que o governo “criou sistema de informações precisas sobre a Covid, com dados à disposição em tempo real”, com os quais os profissionais de saúde e gestores conseguiram dar mais eficiência aos serviços prestados e ampliar o cuidado aos pacientes em qualquer lugar e tempo.
O briefing cita como exemplo o Conecte SUS, sistema digital que registra informações sobre a vacinação e a rede pública de atendimento e está em implantação. Mas ignora o fato de que foi preciso a imprensa formar um consórcio para compilar as informações sobre novos casos e o número de óbitos por estado, porque as estatísticas foram omitidas pelo governo desde o início da pandemia.
O material também mantém a tendência no governo federal de se concentrar no número de curados – 90% no Brasil, o que faria do Brasil o terceiro país com mais doentes recuperados do coronavírus, segundo a versão do governo. Mas, segundo especialistas ouvidos pela equipe da coluna, este dado tem pouca relevância em um ambiente em que a testagem maciça nunca foi colocada em prática e em que há variados relatos de subnotificação da doença.
O edital não fala em tratamento precoce. Diz apenas que “se definiu que o médico passaria a notificar os casos de covid-19 e a prescrever o tratamento a partir de diagnósticos clínicos, por imagem, epidemiológico ou laboratorial, o que aumentou a quantidade de casos notificados e o sucesso dos tratamentos, com redução da gravidade e da letalidade decorrentes da doença”.
Mas dedica um trecho a ações de enfrentamento da Covid em aldeias indígenas, como a entrega de cestas básicas, instalação de barreiras sanitárias e outras medidas que teriam consumido R$ 47,5 milhões. E afirma inclusive que parte do dinheiro para o combate à Covid foi destinado ao combate a crimes ambientais, como garimpo e extração ilegal de madeira.
Vai ser difícil para a assessoria escolhida explicar à imprensa internacional que tais iniciativas só foram tomadas por ordem do STF, após ação movida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e seis partidos de oposição, em junho do ano passado. Ou que resistência do governo federal em proteger indígenas de invasões e em prestar assistência básica no auge da pandemia levou a CPI da Covid a cogitar indiciar Jair Bolsonaro por genocídio. O presidente se safou da acusação por pouco, mas acabou tendo que responder por crimes contra a humanidade.
FONTE: O GLOBO.
Parabéns ao governador