IVERMECTINA – Médicos alertam sobre uso contra Covid-19, após suspeita de paciente com hepatite aguda

Mulher jovem desenvolveu quadro grave, podendo necessitar de transplante; medicação é segura para uso descrito na bula.

Por Constança Tatsch**

O alerta de que uma mulher está com hepatite medicamentosa, correndo risco de necessitar de um transplante de fígado, supostamente por tomar 18 mg por dia de ivermectina por uma semana para combater um quadro leve de Covid-19 fez médicos mais uma vez pedirem que a população não use remédios de forma indiscriminada contra a doença.

A ivermectina é um vermífugo usado para promover a eliminação de vários parasitas do corpo. O medicamento faz parte do chamado “Kit Covid”, voltado ao suposto “tratamento precoce” da doença, mesmo sem comprovação de eficácia por estudos científicos.

O caso foi alertado em um tuíte do pneumologista Frederico Fernandes, presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia. Após a postagem, o médico fechou suas redes sociais em razão de ataques virtuais.

“Me solicitaram avaliação para uma paciente com hepatite medicamentosa. Está a um passo de precisar de um transplante de fígado. Ganha um troféu quem adivinhar qual medicação foi a culpada”, diz no tuíte. “Pois é. Hepatite medicamentosa por ivermectina. 18 mg por dia por uma semana. Por Covid leve em jovem. Muito triste ver uma pessoa jovem a ponto de precisar de um transplante por usar uma medicação que não funciona em uma situação que não precisa de remédio algum.“

A ivermectina é um vermífugo usado para promover a eliminação de vários parasitas do corpo. O medicamento faz parte do chamado “Kit Covid”, voltado ao suposto “tratamento precoce” da doença. O presidente Jair Bolsonaro costuma defender o uso desses remédios, mesmo sem comprovação de eficácia por estudos científicos.

Há uma semana, a MSD, farmacêutica responsável pela fabricação da ivermectina, informou em comunicado que não há dados disponíveis que sustentem a eficácia do medicamento contra a Covid-19.

O médico hepatologista Paulo Bittencourt, presidente do Instituto Brasileiro do Fígado da Sociedade Brasileira de Hepatologia, explica que 27% das hepatites agudas graves ou fulminantes são de origem medicamentosa. É a principal causa de um problema que, muitas vezes, acaba exigindo um transplante de fígado.

— Do coquetel que está sendo usado sem evidências de eficácia para Covid-19, as três medicações (ivermectina, cloroquina e azitromicina), apesar de seguras, têm potencial de evolução para hepatite aguda. É uma ocorrência rara, mas o que nos preocupa é que estão sendo usadas em larga escala, sem prescrições, para uma doença que acomete milhões de pessoas. A complicação pode ter uma frequência maior com o uso exacerbado.

Bittencourt afirma que atendeu um paciente cuja principal hipótese para a náusea é o uso de ivermectina de 15 em 15 dias, que decidiu tomar por contra própria para evitar Covid-19.

— Quando conversamos com as pessoas, elas dizem: ‘se não faz bem, mal não fará’. Mas isso não é de todo real. É o que estamos vendo com esse anúncio — afirma o hepatologista, para quem ainda é necessária confirmação do diagnóstico com exames laboratoriais.

O infectologista da UFRJ Mauro Schechter reforça a necessidade de atenção às possíveis consequências de qualquer remédio.

— Nada é sem efeito colateral. Se olhar a bula [da ivermectina] vai ver que 3% das pessoas têm efeitos colaterais associados ao sistema nervoso central. É uma droga teratogênica em diferentes animais, ou seja, provocou má formação dos fetos. Não pode ser usada em grávidas. Em doses mais altas, é letal para camundongos e causa convulsões em cães. Não sabemos as consequências do uso de longa duração. É uma falácia dizer que é uma droga segura. Só é segura para as indicações que estão bula — afirma.

De acordo com o infectologista, a droga foi testada no começo da pandemia, quando foi observado que, in vitro, altas concentrações impediam a multiplicação do vírus. Só que essa concentração não é atingida no pulmão nas doses possíveis.

— Como tem ação imunomoduladora, as pessoas acharam que poderia ter algum impacto na evolução clínica. É uma hipótese e, como qualquer hipótese, pode ser testada. Basta fazer os estudos. Mas até o momento não existe nenhum estudo publicado adequado que mostre eficácia.

***O GLOBO

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