Infecção hospitalar e negligência, um alerta pelo amor de Dicelene

Dicelene, sorisso sempre estampado no rosto, com Dennis, o filho caçula

Roberto Naborfazan

A dor e a tristeza que domina o espírito e desestabiliza o corpo é dilacerante quando perdemos um ente amado para a morte. Morte que é vida, mas separa e impede o abraço temporariamente.O retorno de uma pessoa querida ao mundo espiritual nos comove em qualquer circunstância, mas gera desconforto maior quando é provocada pela negligencia de outros.Vivo a vida permitida pelo criador e estendida graças ao amor de minha amada prima Dicilene Maria de Jesus, que até no sobrenome emanava esse amor. Foi esse amor que ela carregou durante toda a vida que me permite ter uma sobrevida normal, graças ao rim a mim doado por ela.Mãe extremosa, filha exemplar, esposa dedicada, irmã adorada, sorriso aberto em todos os momentos, mesmo nas situações adversas, observadora das leis ensinadas por Cristo.Incomodada por fibromas (tumores benignos no útero) conseguiu, depois de muita busca, autorização para uma histerectomia.Deixou sua casa sorridente como sempre, confiante no resultado positivo de uma cirurgia que, embora tivesse riscos, como qualquer cirurgia, é considerada uma cirurgia corriqueira para os avanços da medicina.Internada na Maternidade Nossa Senhora de Lourdes no dia 22 de setembro, onde entrou sem nenhuma alteração, pois até o sangramento estava provisoriamente contido,  vivenciou um verdadeiro calvário nos 41 dias subsequentes até chegar á óbito em uma UTI  do hospital Materno Infantil, para onde fora transferida, no dia 03 de novembro.Não se busca acusar o médico que fez a cirurgia nem as unidades hospitalares; Nós, os familiares, buscamos apenas compreender alguns pontos obscuros, para que elucidados possamos detectá-los em uma situação futura.Dicilene fez a cirurgia, uma histerectomia vaginal, no dia 22 de setembro e recebeu alta no dia 26, apesar de não estar se alimentando (vomitava tudo que engolia) e reclamando de dores abdominais. Tentou voltar a Maternidade Nossa Senhora de Lourdes no dia 29 a noite, mas foi informada que haviam mais de 50 partos em andamento e não haveria médico para atende-la. Como funciona o setor de emergência daquela unidade?Passou uma noite no Cais do Bairro Goiá até conseguir uma vaga no hospital Santa Lúcia, visto que a informação dada por funcionários da Maternidade Nossa Senhora de Lourdes era que seu nome não constava mais no “sistema”. Os exames realizados no Cais detectavam uma grave infecção, com possibilidade de ter sido adquirida na unidade hospitalar de origem, ou seja, infecção hospitalar.Mais três dias no Santa Lúcia e alta com diagnostico de problema relacionados a vesícula. Os vômitos não cessavam, portanto sem alimentação adequada gerando debilidade física. O retorno para o médico que realizou a cirurgia ainda era para mais 30 dias. Como pode um médico ficar tanto tempo sem ver uma paciente após uma cirurgia? Retorno ao setor de emergência da Maternidade, internação, comprovada infecção, 07 dias de antibióticos, nova alta, mesmo sem ainda se alimentar devido aos vômitos (os antibióticos muito fortes são os causadores dos vômitos, foi dito pelos médicos).Desmaio em casa, retorno a Maternidade, detectado focos de infecção, mais 15 dias de antibióticos, 30 dias sem alimentação adequada, visitas esparsas do médico responsável pela cirurgia, diretoria da Maternidade contatada  e ciente dos fatos providencia remoção urgente, durante a madrugada, para o Hospital Materno Infantil, onde, segundo informações do médico, poderia ser atendida por um infectologista. Tentativas foram feitas para conter a infecção, o médico que fez a cirurgia na Maternidade Nossa Senhora de Lourdes acompanha a retirada de um abcesso como médico assistente, mais antibióticos, nada de alimentação, novo foco infecção e  abcesso, nova retirada e encaminhamento para a UTI. Faço contato com o médico que fez a cirurgia na Maternidade e acompanhara a retirada do primeiro abcesso, ele me diz que não tem noticias da paciente há uma semana, que pensava que ela já tinha tido alta. Conto-lhe a gravidade do caso e ele vai, enfim, ver sua paciente. Ele me diz que lamenta muito, mas a infecção já se generalizara. Morre, aos 43 anos, minha amada prima/irmã Dicelene Maria de Jesus. O que ocorreu conosco e com a maioria dos parentes de pacientes tratados pelo SUS, é que não há informações precisas de quem está cuidando de nossos entes queridos, quais os procedimentos estão sendo realizados. Parentes são tratados como mendingos esmolando informações de funcionários sobrecarregados, estressados e não raras vezes mal educados. Falar com um médico só com muita sorte ou bom relacionamento com a diretoria do hospital.Temos certeza de que a infecção hospitalar aliada a negligencia para com um caso tão grave foi predominante para o óbito de nossa amada Dicilene.A quem reclamar? a quem recorrer? o que vale punições burocráticas se não a teremos em nosso convívio.Para alguns médicos a perda de um paciente é apenas estatística. Para os envolvidos nesse caso, peço que incluam em suas estatísticas a dor de uma família, a dor de dois filhos adolescentes, de dois velhos pais cansados que ficaram para enterrar a filha amada, a dor de todos nós.A Câmara dos deputados analisa o Projeto de Lei 1475/11, da deputada Lauriete (PSC-ES), que obriga os profissionais de saúde a detalhar ao paciente, ou ao seu responsável legal, os riscos dos procedimentos cirúrgicos ou anestésicos que serão executados.Pela proposta, os profissionais de saúde deverão apresentar um termo de esclarecimento prévio, que será assinado pelos pacientes. O documento deverá conter os itens seguintes: riscos envolvidos no procedimento que será executado, resultados esperados, identificação dos cirurgiões e anestesistas que realizarão o procedimento, incluindo seus registros nos conselhos profissionais.O termo deverá ser escrito em linguagem acessível àqueles que não trabalham na área da saúde. Caso o paciente se recuse a assinar o termo, uma testemunha confirmará esse fato no documento. No caso de pacientes analfabetos, as informações serão dadas oralmente na frente de uma testemunha, que deverá assinar o papel.A entrega do termo de esclarecimento prévio só não será obrigatória nos casos de iminente perigo de morte. Em todos os outros casos, caso o profissional de saúde não apresente o documento ao paciente, ele estará sujeito a multa e suspensão da atividade profissional.A autora da proposta explica que a medida é necessária para evitar que os pacientes sejam surpreendidos por resultados inesperados, o que, segundo ela, vem se tornando comum. “Certamente, é possível recorrer ao Judiciário para a devida reparação penal e civil, quando for o caso. Entretanto, é importante que os cidadãos disponham de meios para prevenir essas ocorrências”, disse. Para Lauriete, a medida beneficia tanto os pacientes quanto os próprios profissionais de saúde, adoção do termo de esclarecimento prévio facilitaria uma tomada de decisão mais consciente por parte do usuário, além de resguardar, formalmente, os profissionais de saúde contra erros de compreensão.Por outro lado, é preciso que os governos estaduais qualifiquem seu pessoal da área de enfermagem, para que em casos como o da Dicelene Maria de Jesus, esse pessoal, que convive cotidianamente com os pacientes, possam dar o alerta em situações de inobservância por parte de algum médico. Sigamos em frente, que a voz da consciência cuide de alertar aos que se desviam do bem cuidar para ir ao bem se cuidar.
Roberto Naborfazan é Jornalista, radialista e transplantado renal graças ao amor de Dicelene Maria de Jesus

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